Revogação da prisão domiciliar do caso Deolane Bezerra – Análise jurídica

Revogação da prisão domiciliar do caso Deolane Bezerra – Análise jurídica

O recente caso envolvendo a advogada e influenciadora digital Deolane Bezerra traz à tona importantes questões sobre a aplicação de medidas cautelares no processo penal brasileiro. Vamos analisar os eventos recentes sob a luz da legislação vigente.

Concessão da prisão domiciliar

Inicialmente presa em 4 de setembro de 2024, Deolane Bezerra obteve o direito à prisão domiciliar em 9 de setembro e a razão foram duas, de acordo com as notícias veiculadas pela mídia. 

Primeiro, a decisão da 4ª Câmara Criminal do TJ/PE baseou-se no artigo 318 do Código de Processo Penal, que prevê:

Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for: […] 
V – mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos;

Em seguida, baseou-se na decisão do Supremo Tribunal Federal no Habeas Corpus coletivo 143.641/SP, julgado em 2018:

O STF reconheceu a existência de inúmeras mulheres grávidas e mães de crianças que estavam cumprindo prisão preventiva em situação degradante, privadas de cuidados médicos pré-natais e pós-parto. Além disso, não havia berçários e creches para seus filhos.

Também se reconheceu a existência, no Poder Judiciário, de uma “cultura do encarceramento”, que significa a imposição exagerada e irrazoável de prisões provisórias a mulheres pobres e vulneráveis, em decorrência de excessos na interpretação e aplicação da lei penal e processual penal, mesmo diante da existência de outras soluções, de caráter humanitário, abrigadas no ordenamento jurídico vigente.

A Corte admitiu que o Estado brasileiro não tem condições de garantir cuidados mínimos relativos à maternidade, até mesmo às mulheres que não estão em situação prisional.

Diversos documentos internacionais preveem que devem ser adotadas alternativas penais ao encarceramento, principalmente para as hipóteses em que ainda não haja decisão condenatória transitada em julgado. É o caso, por exemplo, das Regras de Bangkok.

Os cuidados com a mulher presa não se direcionam apenas a ela, mas igualmente aos seus filhos, os quais sofrem injustamente as consequências da prisão, em flagrante contrariedade ao art. 227 da Constituição, cujo teor determina que se dê prioridade absoluta à concretização dos direitos das crianças e adolescentes.

Diante da existência desse quadro, deve-se dar estrito cumprimento do Estatuto da Primeira Infância (Lei 13.257/2016), em especial da nova redação por ele conferida ao art. 318, IV e V, do CPP, que prevê:

Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for:
IV - gestante;
V- mulher com filho de até 12 (doze anos de idade incompletos;

Os critérios para a substituição de que tratam esses incisos devem ser os seguintes:

REGRA: Em regra, deve ser concedida prisão domiciliar para todas as mulheres presas que sejam:

1. Gestantes;
2. Puérperas (que deu à luz há pouco tempo);
3. Mães de crianças (isto é, mães de menores até 12 anos incompletos) ou
4. Mães de pessoas com deficiência.

EXCEÇÕES: Não deve ser autorizada a prisão domiciliar se:

1) a mulher tiver praticado crime mediante violência ou grave ameaça;

2) a mulher tiver praticado crime contra seus descendentes (filhos e/ou netos);

3) em outras situações excepcionalíssimas, as quais deverão ser devidamente fundamentadas pelos juízes que denegarem o benefício.

Observações:

  • o raciocínio acima explicado vale também para adolescentes que tenham praticado atos infracionais.
  • a regra e as exceções acima explicadas também valem para a reincidente. O simples fato de que a mulher ser reincidente não faz com que ela perca o direito à prisão domiciliar.

STF. 2ª Turma. HC 143641/SP. Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 20/2/2018 (Info 891).

Assim, o STF estabeleceu parâmetros para a aplicação do artigo 318, incisos IV e V, do Código de Processo Penal, que prevê a possibilidade de substituição da prisão preventiva por domiciliar para gestantes e mães de crianças de até 12 anos.

Ou seja, em regra, deve ser concedida prisão domiciliar para mulheres presas que sejam:

  • Gestantes
  • Puérperas (que deram à luz recentemente)
  • Mães de crianças (menores de 12 anos incompletos)
  • Mães de pessoas com deficiência

No caso de Deolane Bezerra, a aplicação desta decisão se deu pelo fato de ela ser mãe de uma criança de 7 anos. Este critério se enquadra na regra estabelecida pelo STF, que visa proteger não apenas os direitos da mulher presa, mas também os de seus filhos menores.

Igualmente, Maria Eduarda Quinto Filizola, investigada na mesma operação, também teve a prisão domiciliar deferida por ter uma criança que se enquadra nessas hipóteses.

É importante ressaltar que o STF estabeleceu exceções a esta regra, não devendo ser concedida a prisão domiciliar quando:

1)A mulher tiver praticado crime mediante violência ou grave ameaça
2)O crime for contra seus descendentes
3)Em situações excepcionalíssimas, devidamente fundamentadas pelo juiz

Nesse sentido, aparentemente, o caso de Deolane não se enquadrava em nenhuma dessas exceções, o que justificou a concessão inicial da prisão domiciliar.

Medidas cautelares impostas

Juntamente com a prisão domiciliar, foram impostas medidas cautelares adicionais, conforme previsto no artigo 319 do CPP:

  • Uso de tornozeleira eletrônica (inciso IX)
  • Proibição de contato com outros investigados (inciso III)
  • Proibição de se manifestar publicamente sobre o caso (uma interpretação extensiva do inciso VI, que trata da suspensão do exercício de função pública ou atividade econômica)

Revogação da prisão domiciliar

A revogação da prisão domiciliar ocorreu com base no artigo 282, §4º do CPP, que estabelece:

§ 4º No caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas, o juiz, de ofício ou mediante requerimento do Ministério Público, de seu assistente ou do querelante, poderá substituir a medida, impor outra em cumulação, ou, em último caso, decretar a prisão preventiva (art. 312, parágrafo único).

O descumprimento alegado foi a manifestação pública de Deolane sobre o caso, tanto em declarações à imprensa quanto em postagem nas redes sociais:

https://g1.globo.com/pe/caruaru-regiao/noticia/2024/09/10/deolane-chega-a-presidio-no-agreste-de-pe-apos-descumprir-medidas-cautelares-e-ter-prisao-d

revogação da prisão domiciliar

Assim, em razão da decisão mencionar que ela estava com “Proibição de se manifestar publicamente sobre o caso”, que é uma interpretação extensiva do inciso VI do art.319 do CPP, que trata da suspensão do exercício de função pública ou atividade econômica, a 4ª Câmara Criminal do TJPE possivelmente incorreu em revogação da prisão domiciliar.

Aprofundando a revogação da prisão domiciliar

Entre os termos principais da decisão noticiada, destacam-se os seguintes pontos:

Entrevistas públicas: A juíza registrou que a influenciadora concedeu entrevistas públicas, contrariando expressamente a proibição de conceder entrevistas ou fazer uso de redes sociais. Este comportamento foi interpretado como flagrante desobediência às ordens judiciais, pois, além de discutir o caso abertamente, Deolane qualificou sua prisão como “criminosa”, citando autoridades envolvidas na investigação.

      Influência sobre a opinião pública: A decisão apontou que Deolane, com mais de 21 milhões de seguidores, possui uma “significativa capacidade de moldar a opinião pública”, o que poderia gerar um ambiente de pressão sobre as instituições judiciais e influenciar o andamento do processo. Esse fator foi considerado prejudicial à garantia da ordem pública, justificando a necessidade de prisão preventiva.

      Risco de obstrução da justiça: A magistrada entendeu que ao alegar publicamente que estaria sofrendo “abuso de autoridade” sem apresentar provas substanciais, Deolane tentava, de maneira planejada, desviar o foco dos fatos investigados no processo, o que configuraria tentativa de obstruir a justiça.

      Análise da proporcionalidade

      É importante ressaltar que, a decisão de revogar a prisão domiciliar levanta questões sobre a proporcionalidade da medida. 

      O princípio da proporcionalidade, embora não explicitamente mencionado no CPP, é um princípio constitucional implícito que deve guiar a aplicação de medidas cautelares.

      O artigo 282, §6º do CPP reforça esse princípio ao estabelece:

      “§ 6º A prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar (art. 319).”

      Na opinião do jurista Aury Lopes Jr: 

      “Poderia ter sido dada mais uma chance? Poderia. Poderia ter sido aplicada uma cautelar mais gravosa cumulada com aquelas que já tem? Poderia. Será que não foi excessivamente gravoso? Será que não foi desproporcional? Será que não deveria ter sido feito o contraditório prévio do 282, parágrafo 3º, até para reforçar a advertência? Eu sempre sou adepto de ouvir.”

      Por outro lado, resta evidente que com as declarações na imprensa e nas redes sociais, Deolane Bezerra descumpriu o comando judicial de “não se manifestar publicamente sobre o caso”, o que pode importar, corretamente, na revogação da prisão domiciliar como foi feito.

      O STJ já ratificou em alguns casos decisões que corroboram o condicionamento da prisão domiciliar à incomunicabilidade com outros investigados, bem como a comunicação pública das investigações em andamento com razão em não prejudicar o devido processo legal e as investigações (HC n. 932.198, Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 30/07/2024.)

      Conclusão

      O caso de Deolane Bezerra ilustra a aplicação de medidas cautelares no processo penal. 

      Enquanto a concessão da prisão domiciliar estava claramente fundamentada no artigo 318 do CPP e em decisão do STF, a revogação desta medida, também estava respaldada pelo artigo 282, §4º, embora suscite debates sobre a proporcionalidade da decisão.

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