STJ confirma redução de mensalidade em Medicina durante a Pandemia

STJ confirma redução de mensalidade em Medicina durante a Pandemia

Em recente julgamento, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou importante precedente sobre a revisão contratual em contratos educacionais durante a pandemia de Covid-19.

A 3ª Turma do STJ, por unanimidade, manteve decisão que determinou desconto de 15% nas mensalidades de alunos do curso de Medicina da Universidade Estácio de Sá, em razão da substituição de aulas práticas por ensino remoto durante o período de março de 2020 a março de 2021.

O Recurso Especial nº 2101379/RJ, relatado pela Ministra Nancy Andrighi, abordou questão crucial sobre o direito consumerista:

-o caráter essencialmente prático do ensino médico e a possibilidade de revisão contratual quando há significativa alteração na forma de prestação do serviço educacional contratado.

O caso concreto

Revisão de contratos

Pois bem, seis estudantes de Medicina da Estácio de Sá ajuizaram ação de revisão contratual em julho de 2020, alegando desequilíbrio econômico-financeiro no contrato educacional.

Segundo os autores, a instituição de ensino suspendeu as aulas práticas e de laboratório em razão da pandemia, substituindo-as por aulas remotas, mas manteve a cobrança integral das mensalidades.

Em primeira instância, o juízo determinou a redução de 15% nas mensalidades referentes ao período de 20/03/2020 até 01/03/2021, decisão posteriormente mantida pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ). 

A universidade então recorreu ao STJ, argumentando a inexistência de desequilíbrio contratual e afirmando que houve reposição integral das aulas práticas após o período de isolamento social mais severo.

3ª Turma do STJ – O voto da Ministra Nancy Andrighi

Teoria da base objetiva do contrato

Primeiramente, a decisão aplicou a teoria adotada pelo art. 6º, V, do Código de Defesa do Consumidor, que permite a revisão de cláusulas contratuais em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas.

A Ministra Nancy Andrighi destacou que a celebração de contratos ocorre mediante consideração de determinadas circunstâncias que, quando modificadas, impactam diretamente o equilíbrio das obrigações pactuadas.

Onerosidade excessiva e enriquecimento sem causa

O STJ reconheceu o desequilíbrio econômico entre a prestação do serviço (ensino virtual) e a contraprestação pelo serviço contratado (mensalidade integral).

Conforme apontado no acórdão, a instituição de ensino obteve redução de custos operacionais durante a pandemia (estimada em mais de 200 milhões de reais) e ainda aumentou sua base de alunos no curso de Medicina em 34%, mantendo lucratividade mesmo no período de crise sanitária.

Natureza eminentemente prática do curso de Medicina

No fundo, o elemento central da fundamentação foi o reconhecimento do caráter essencialmente prático da formação médica.

Isto é, o voto da relatora destacou que o curso de Medicina possui a maior carga horária entre os cursos de graduação (7.200 horas), sendo mais de 60% dedicadas a atividades práticas, conforme determinam as Diretrizes Curriculares Nacionais.

A Ministra ressaltou que o curso é dividido em três ciclos de dois anos cada: o básico, o clínico e o internato. 

Mesmo no ciclo básico, que possui maior carga teórica, já há atividades práticas como uso de instrumentos de laboratório e dissecações. Nos ciclos seguintes, o contato com pacientes reais em ambientes como consultórios, ambulatórios e hospitais torna-se predominante.

Ao analisar o contexto específico da pandemia, a relatora observou que o Ministério da Educação (MEC) apenas autorizou o ensino remoto para disciplinas teórico-cognitivas do primeiro ao quarto ano do curso, fazendo expressa ressalva quanto às disciplinas práticas.

Além disso, a Ministra enfatizou que a substituição das aulas práticas por ambiente virtual contrariou diretrizes do MEC, recomendações do Conselho Federal de Medicina e regulamentos do governo federal que limitavam o ensino remoto e incentivavam a participação dos estudantes no combate à pandemia.

Quebra da base objetiva do contrato

A decisão reconheceu que os alunos foram privados de elemento essencial da contratação: o aprendizado presencial prático, indispensável à formação médica.

O voto ressaltou que “a emergência sanitária deveria ter servido como oportunidade ímpar para as instituições de ensino de medicina do setor privado terem fomentado mais atividades presenciais de prática de atendimento de saúde em vez de priorizarem o ensino de modo remoto”.

Divergência com a 4ª Turma do STJ?

Veja a decisão da 4ª Turma do STJ:

A situação decorrente da pandemia pela Covid-19 não constitui fato superveniente apto a viabilizar a revisão judicial de contrato de prestação de serviços educacionais com a redução proporcional do valor das mensalidades.

STJ. 4ª Turma. REsp 1.998.206-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 14/06/2022 (Info 741).

A divergência se manifesta entre dois acórdãos de turmas diferentes do STJ:

  1. REsp 1.998.206-DF (Quarta Turma, 2022, Rel. Min. Luis Felipe Salomão):
    • Negou a redução das mensalidades para um aluno de ensino fundamental;
    • Considerou que não ficou caracterizado desequilíbrio econômico-financeiro apto a justificar a revisão de contrato;
    • Entendeu que, apesar da suspensão de atividades presenciais extracurriculares, o serviço educacional continuou sendo prestado.
  2. REsp 2.101.379-RJ (Terceira Turma, 2025, Rel. Min. Nancy Andrighi):
    • Confirmou a redução de 15% nas mensalidades para alunos de Medicina;
    • Reconheceu o desequilíbrio econômico-financeiro do contrato devido à natureza prática do curso;
    • Considerou que a substituição das aulas práticas por ambiente virtual prejudicou a essência da formação médica;
    • Apontou que a instituição de ensino obteve redução de custos e aumento de receitas durante a pandemia.

Entretanto, a principal diferença entre os casos está na natureza dos cursos envolvidos. O entendimento do STJ parece diferenciar:

  • Para cursos regulares do ensino fundamental, com atividades extracurriculares suspensas, não se justifica a redução automática;
  • Para cursos de natureza eminentemente prática como Medicina, onde mais de 60% da carga horária depende de atividades presenciais, a migração ao ambiente virtual compromete a essência do serviço contratado seria possível a redução.

3ª x 4ª Turma do STJ

AspectosREsp 1.998.206-DF (4ª Turma)REsp 2.101.379-RJ (3ª Turma)
ResultadoNegou a redução das mensalidadesAutorizou a redução de 15% nas mensalidades
Tipo de ensinoEnsino fundamentalCurso de Medicina (superior)
Natureza do cursoPredominantemente teóricoEminentemente prático (>60% da carga)
Impacto na formaçãoNão essencial à formação básicaPrejudicial à essência da formação médica
Situação financeiraNão considerou determinanteVerificou redução de custos e aumento de lucro
Desequilíbrio contratualNão reconheceu onerosidade excessivaIdentificou desequilíbrio em desfavor do consumidor


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