* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.
Entenda o caso
Uma criança de 9 anos é apontada como responsável por maus-tratos e morte de vários animais que eram mantidos por um hospital veterinário em Nova Fátima, no Paraná.
O garoto invadiu, pulando a cerca, a área externa do hospital veterinário onde funcionava uma espécie de “fazendinha” na qual mantinham os animais. Depois de invadir o local o menor atacou os animais com chutes e arremessos contra a parede.
O espaço tinha acabado de ser inaugurado (um dia antes), e o garoto participou dessa inauguração.
A polícia militar, acionada no mesmo dia, identificou o garoto pelas imagens das câmeras de segurança.
De acordo com Lúcio Barreto, veterinário e um dos responsáveis pelo espaço, foram mortos 20 coelhos e três porquinhos-da-índia.
Entre as vítimas estavam coelhos, que foram violentamente arremessados contra a parede, esquartejados e mutilados, com alguns tendo as patas arrancadas.
Por ter menos de 12 anos, o garoto não responderá na esfera criminal. Os responsáveis pelo menor podem responder pelos danos na esfera cível, mas o dono dos animais já adiantou que não pretende insistir nessa medida, arrematando:
“Querendo ou não fez uma coisa horrível, mas é uma criança de 9 anos, a gente não queria isso. Na verdade, a gente só queria que o menino procurasse ajuda, que a família procurasse ajuda para esse menino para que não acontecesse coisas piores no futuro”.
O Conselho Tutelar e o Ministério Público estão acompanhando o caso de perto, inclusive no que se refere a prestação de atendimento psicossocial ao menor.
Ademais, segundo o Conselho Tutelar de Nova Fátima, a criança e familiares já estão passando por tratamento psicológico e recebendo assistência de profissionais.
Análise jurídica
Direito dos animais
Qual a repercussão jurídica dessa barbárie? A Constituição Federal, em seu artigo 225, garante o direito dos animais:
CF/88 Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: ... VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade. ... § 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
Os animais silvestres, exóticos e domésticos compõem a nossa fauna. A Lei de crimes ambientais (Lei nº 9.605/98) tipifica os maus-tratos e a morte de animais como crime ambiental. Vejamos:
Lei nº 9.605/98 Art. 29. Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida: Pena - detenção de seis meses a um ano, e multa. ... § 3° São espécimes da fauna silvestre todos aqueles pertencentes às espécies nativas, migratórias e quaisquer outras, aquáticas ou terrestres, que tenham todo ou parte de seu ciclo de vida ocorrendo dentro dos limites do território brasileiro, ou águas jurisdicionais brasileiras. ... Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos: Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa. § 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos. § 1º-A Quando se tratar de cão ou gato, a pena para as condutas descritas no caput deste artigo será de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, multa e proibição da guarda. § 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal.
Importante ressaltar que tanto o coelho quanto o porquinho-da-índia são animais silvestres e não convencionais.
Portanto, o fato praticado pelo menor é tipificado, em tese, como crime ambiental. Ocorre que, segundo nossa legislação, o menor de 18 anos é inimputável. Ou seja, ele não receberá condenação a penas pela prática de crimes. Ele não comete crime!
ECA Art. 104. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às medidas previstas nesta Lei.
A norma infraconstitucional por excelência para a tutela dos jovens é o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei nº 8.069/90).
Quem comete um crime (18 anos em diante) responde pelas penas previstas no Código Penal. Já as crianças e adolescentes infratores se submetem a medidas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8.069/90.
Assim, para o ECA temos os seguintes conceitos (artigo 2º):
Ato infracional
O artigo 103, do ECA, conceitua ato infracional como sendo a conduta descrita como crime ou contravenção penal, mas praticada por criança ou adolescente. No caso de ato infracional cometido por criança (menor de 12 anos) teremos as seguintes medidas aplicáveis (artigo 105 do ECA):
I – encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade;
II – orientação, apoio e acompanhamento temporários;
III – matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental;
IV – inclusão em serviços e programas oficiais ou comunitários de proteção, apoio e promoção da família, da criança e do adolescente;
V – requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial;
VI – inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos;
VII – acolhimento institucional;
VIII – inclusão em programa de acolhimento familiar;
IX – colocação em família substituta.
Enfim, o ato do garoto de 9 anos de maltratar e matar os animais não pode se enquadrar como crime, mas sim como ato infracional, e poderá gerar a responsabilização dos responsáveis na esfera cível por todos os danos causados (materiais e morais).
Além do mais, recomenda-se que o menor passe por um intenso acompanhamento psicossocial, a fim de garantir seu bem-estar, com a detecção e tratamento de eventuais transtornos que possam acometê-lo.
Ótimo tema então para prova de direito penal, ECA, processo penal e civil.
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