* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.
Entenda o que aconteceu
Parte do teto da Igreja e Convento de São Francisco de Assis, mais conhecida como “igreja de ouro”, em Salvador, desabou, deixando uma pessoa morta e cinco feridas. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN que é responsável pelo tombamento do bem.
A construção da Igreja e Convento de São Francisco aconteceu entre os séculos 17 e 18, e estão listados entre as “Sete Maravilhas de Origem Portuguesa no Mundo“.
A vítima fatal, Giulia Panchoni, de 26 anos, era uma turista de Ribeirão Preto/SP, e visitava a igreja na hora do desastre. O DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa) está investigando a morte da turista.
De imediato houve a interdição da igreja, até que não ofereça mais riscos, conforme informações da Defesa Civil de Salvador.
As causas do acidente ainda estão sendo investigadas, e laudos periciais serão fundamentais para o esclarecimento.
Análise jurídica
A questão jurídica que se impõe é: quem deve ser responsabilizado pelos danos ocorridos? É isso que veremos a partir de agora.
Laicidade
Em primeiro lugar, devemos esclarecer que o Brasil é um estado laico, ou seja, não há uma religião oficial, nem uma relação de dependência entre Estado e Igreja.
A laicidade ganha força a partir do Iluminismo, que reforçou a necessidade da separação entre o Poder Público e a Igreja. A mistura entre fé e Estado foi muito comum no absolutismo, e não trouxe bons frutos para a humanidade.
Benefícios trazidos pela laicidade:
- Assegura liberdade religiosa;
- Assegura tratamento igualitário entre as pessoas;
- Assegura autonomia individual;
- Assegura a pluralidade de pensamento e crença.
Mas a laicidade não significa que o Estado não possa dialogar ou firmar parcerias com a igreja. O que é vedado pela Constituição é a adoção de uma religião oficial, o favorecimento a uma igreja específica, a dependência e a vinculação a uma religião.
Podemos afirmar, portanto, que a Igreja tem personalidade jurídica própria, sendo uma pessoa jurídica de direito privado.
Neste sentido, o artigo 44, do código civil:
CC Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado: I - as associações; II - as sociedades; III - as fundações. IV - as organizações religiosas; V - os partidos políticos. VI - (Revogado pela Lei nº 14.382, de 2022) VII - os empreendimentos de economia solidária.
Os bens da igreja católica, em consequência, não são bens públicos, e sim privados.
No que tange à classificação da sua natureza, as entidades religiosas estão inseridas no terceiro setor, uma vez que atuam no segmento que não possuiu finalidade lucrativa, mas compreendem a reunião de pessoas para um fim comum, em prol de interesses coletivos, ainda que individualmente alcançados.
Segundo o IPHAN, a manutenção e gestão do espaço cabe à Ordem Primeira de São Francisco. O diretor da igreja, o frade Pedro Júnior Freitas da Silva, afirmou que havia alertado o órgão sobre a dilatação no forro do teto da igreja dois dias antes do desabamento, o que motivou a solicitação de uma vistoria técnica do IPHAN.
À princípio, como o bem pertence à igreja, é um bem privado, ela será responsável pelos danos causados pelo desabamento do teto.
No entanto, como o tombamento do bem é em razão de seu valor histórico-cultural, existem outras implicações que precisam passar por uma análise em relação à responsabilização.
Tombamento
Mas o que é tombamento? Vejamos.

O tombamento está regulado no Decreto-Lei nº 25/37, chamado de Lei do Tombamento.
Tombar significa arrolar, registrar, catalogar, inventariar, inscrever, e o vocábulo tem sua origem em Portugal. Por lá, os arquivos do Reino eram guardados na Torre do Tombo, e catalogados no Livro do Tombo.


O processo de tombamento inicia-se com a manifestação do órgão técnico responsável. No âmbito da União esse órgão é o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, autarquia federal vinculada ao Ministério da Cultura, responsável pela preservação do acervo patrimonial cultural (histórico e artístico) do país.
O Iphan também responde pela conservação, salvaguarda e monitoramento dos bens culturais brasileiros inscritos na Lista do Patrimônio Mundial e na Lista o Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade, conforme convenções da Unesco, respectivamente, a Convenção do Patrimônio Mundial de 1972 e a Convenção do Patrimônio Cultural Imaterial de 2003.

Responsabilização
O código civil aponta, no artigo 927, que aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Então, a responsabilização por acidente causado por um bem privado em razão de falta de manutenção e reparo é de seu proprietário.
Caso o bem tenha tombamento, e reste comprovado que o proprietário não tinha condições financeiras de arcar com os custos do reparo, e notificou o órgão responsável pelo tombamento dessa impossibilidade financeira, além da situação emergencial do bem, a responsabilidade pela reparação recai sobre o Poder Público que efetuou o tombamento.
Em relação aos danos ambientais culturais, é possível imputar a responsabilidade à igreja, que é a proprietária. Mas, caso fique comprovada a omissão da União (IPHAN) no dever de fiscalizar, e essa omissão tenha sido relevante para a consumação do dano ambiental, também é possível responsabilizar o poder público, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça cristalizado na súmula 652.
Essa responsabilidade será objetiva, solidária, mas de execução subsidiária, ou seja, o poder público atuará como um devedor reserva, tendo benefício de ordem.
Súmula 652, do STJ: “A responsabilidade civil da Administração Pública por danos ao meio ambiente, decorrente de sua omissão no dever de fiscalização, é de caráter solidário, mas de execução subsidiária”.
Em resumo, no caso do desabamento do teto da igreja de ouro, em Salvador, temos:
REGRA | EXCEÇÃO |
A responsabilidade pelos danos causados em decorrência da falta de reparos necessários, que gerou o desabamento do teto, recai sobre a proprietária (igreja). | Caso se comprove que a igreja notificou o IPHAN da situação emergencial, e que não tinha condições financeiras de efetuar os reparos necessários, a responsabilidade poderá ser imputada, também, à União. |
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