STF atualiza tese sobre responsabilidade civil da imprensa em casos de falsas acusações em entrevistas

STF atualiza tese sobre responsabilidade civil da imprensa em casos de falsas acusações em entrevistas

Em decisão recente o Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu nova tese de repercussão geral sobre a responsabilidade civil dos veículos de comunicação quando entrevistados fazem falsas acusações criminais contra terceiros, atualizando sua decisão interior.

Nesse sentido, o julgamento dos Embargos de Declaração no Recurso Extraordinário 1.075.412/PE (Tema 995 RG) representa um importante avanço na jurisprudência nacional sobre o tema.

O caso concreto que originou a tese

Falsas

O caso que deu origem à tese envolve uma situação ocorrida durante o regime militar brasileiro. Ricardo Zarattini Filho, que desde jovem participou ativamente da vida política nacional, foi perseguido politicamente durante a ditadura.

Em 1968, um delegado de polícia divulgou falsamente que Ricardo teria sido um dos responsáveis por um atentado à bomba no aeroporto de Guararapes, em Recife/PE, que resultou em quatro mortes e quinze feridos.

Embora Ricardo nunca tenha sido preso ou investigado pelo atentado, e as investigações tenham apontado outra organização como responsável, o jornal “Diário de Pernambuco” publicou, em 15 de maio de 1995, uma entrevista com WandenKolk Wanderley, na qual o entrevistado imputava a Ricardo a autoria do atentado.

Após longo percurso judicial que incluiu decisões divergentes em diferentes instâncias, o STF, ao julgar o Recurso Extraordinário, entendeu que o jornal deveria ser responsabilizado pelos danos morais, uma vez que não tomou as devidas cautelas ao publicar acusações graves sem oferecer direito de resposta ou contextualizar adequadamente a entrevista.

O embate entre direitos fundamentais

A decisão representa um marco importante no delicado equilíbrio entre dois princípios constitucionais fundamentais: de um lado, a liberdade de expressão e de imprensa; de outro, a dignidade da pessoa humana e o direito à honra.

A colisão entre estes direitos fundamentais sempre representou um desafio hermenêutico significativo para o Judiciário brasileiro. Neste caso específico, o STF buscou aprimorar sua jurisprudência, oferecendo parâmetros mais claros e detalhados para situações em que entrevistados imputam falsamente crimes a terceiros.

Os contornos da nova tese

O colegiado da Suprema Corte, por unanimidade, deu parcial provimento aos embargos de declaração para aperfeiçoar a redação do enunciado relativo ao Tema 995 da repercussão geral, estabelecendo critérios objetivos para a responsabilização dos veículos de imprensa.

Assim, a tese fixada pelo STF divide-se em três pontos essenciais:

1 – Na hipótese de publicação de entrevista, por quaisquer meios, em que o entrevistado imputa falsamente prática de crime a terceiro, a empresa jornalística somente poderá ser responsabilizada civilmente se comprovada sua má-fé caracterizada:

(I) Pelo dolo demonstrado em razão do conhecimento prévio da falsidade da declaração, ou

(II) Culpa grave decorrente da evidente negligência na apuração da veracidade do fato e na sua divulgação ao público sem resposta do terceiro ofendido ou, ao menos, de busca do contraditório pelo veículo.

2 – Na hipótese de entrevistas realizadas e transmitidas ao vivo, fica excluída a responsabilidade do veículo por ato exclusivamente de terceiro, quando este falsamente imputa a outrem a prática de um crime, devendo ser assegurado pelo veículo o exercício do direito de resposta em iguais condições, espaço e destaque, sob pena de responsabilidade, nos termos dos incisos V e X do artigo 5º da Constituição Federal.

3 – Constatada a falsidade referida nos itens acima, deve haver remoção de ofício ou por notificação da vítima, quando a imputação permanecer disponível em plataformas digitais sob pena de responsabilidade.


STF. Plenário. EDcl no RE 1.075.412/PE, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 20/03/2025 (Repercussão Geral – Tema 995).

Responsabilidade civil na divulgação de entrevistas gravadas

Nas publicações de entrevistas por quaisquer meios, quando o entrevistado falsamente imputa prática de crime a terceiro, o veículo de comunicação somente poderá ser responsabilizado civilmente mediante comprovação de má-fé, que pode ser caracterizada de duas formas:

  1. Pelo dolo demonstrado em razão do conhecimento prévio da falsidade da declaração, ou
  2. Pela culpa grave decorrente da evidente negligência na apuração da veracidade do fato e na sua divulgação sem ouvir a parte ofendida ou, ao menos, sem buscar o contraditório.

Este primeiro ponto da tese reflete o entendimento de que os veículos jornalísticos não podem ser responsabilizados automaticamente por declarações falsas feitas por terceiros, exceto quando houver comprovação de comportamento doloso ou gravemente culposo por parte da empresa.

Entrevistas transmitidas ao vivo

Por conseguinte, o segundo ponto da tese trata especificamente das entrevistas realizadas e transmitidas ao vivo, estabelecendo que:

  • Fica excluída a responsabilidade do veículo por ato exclusivamente de terceiro quando este falsamente imputa a outrem a prática de um crime;
  • O veículo deve assegurar o direito de resposta em iguais condições, espaço e destaque, sob pena de responsabilidade nos termos dos incisos V e X do art. 5º da Constituição Federal.

Esta diferenciação é juridicamente relevante. Isso porque ela reconhece a impossibilidade prática de controle editorial prévio em transmissões ao vivo, e também estabelece o dever de proporcionar direito de resposta como forma de mitigar os danos causados.

Remoção de conteúdo falso

Em seguida, o terceiro ponto determina que, uma vez constatada a falsidade da imputação criminal:

  • Deve haver remoção do conteúdo, de ofício ou por notificação da vítima, quando a imputação permanecer disponível em plataformas digitais, sob pena de responsabilidade

Este aspecto da decisão reflete a preocupação da Corte com a perpetuação de danos à honra em ambiente digital, estabelecendo obrigação ativa de remoção do conteúdo falso, mesmo que inicialmente não houvesse responsabilidade pela publicação.

Fundamentos para o aprimoramento da tese

O STF considerou necessário aprimorar a tese de repercussão geral por três motivos principais:

  1. O dever do Poder Judiciário de zelar pela integridade jurisprudencial, evitando contradições entre interpretações sobre os mesmos fatos sociais;
  2. O posterior pronunciamento da Corte no julgamento conjunto de ações diretas de inconstitucionalidade (ADI 7.055 e ADI 6.792);
  3. A omissão do registro de pontos relevantes na tese anterior, como a exigência do direito de resposta, a remoção de conteúdo das plataformas digitais e o tratamento específico para entrevistas ao vivo.

A fundamentação jurídica da decisão

Em breve síntese, os ministros do STF basearam sua análise em fundamentos constitucionais. O Ministro Barroso destacou que a Constituição de 1988 incorporou um sistema de proteção reforçado às liberdades de expressão, informação e imprensa, reconhecendo uma prioridade prima facie dessas liberdades na colisão com outros interesses juridicamente tutelados (preferred position).

Assim, essa posição preferencial da liberdade de expressão, segundo o ministro, decorre de cinco fundamentos principais:

  1. A função essencial que a liberdade de expressão desempenha para a democracia
  2. A relação intrínseca com a dignidade humana e o livre desenvolvimento da personalidade
  3. Sua importância no processo coletivo de busca da verdade
  4. Sua função instrumental para o exercício de outros direitos fundamentais
  5. Seu papel na preservação da cultura e história da sociedade

O Ministro Edson Fachin ressaltou que, embora a liberdade de imprensa goze de um regime de prevalência, existem condições excepcionais para seu afastamento quando em conflito com outros princípios constitucionais. Para isso, além da configuração de culpa ou dolo do agente, é necessário também que as circunstâncias fáticas indiquem uma incomum necessidade de salvaguarda dos direitos da personalidade.

Os ministros também fizeram referência a normas internacionais, como o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana de Direitos Humanos. Tais normas estabelecem um regime de ponderação entre liberdade de expressão e as salvaguardas dos direitos da personalidade.

Os critérios para responsabilização da imprensa

A doutrina, como citado pelos ministros, estabelece três requisitos fundamentais para o correto exercício da liberdade jornalística:

  1. A veracidade da notícia
  2. A relevância social
  3. A moderação expressiva

No caso de entrevistas onde o entrevistado faz acusações graves, o STF adotou parâmetros inspirados na doutrina do “actual malice” (malícia real), desenvolvida pela Suprema Corte norte-americana.

Essa doutrina estabelece que a responsabilização do veículo de comunicação depende da comprovação de que atuou com dolo efetivo, sabendo que a notícia era falsa, ou com culpa grave, caracterizada pela manifesta negligência na apuração de sua falsidade ou veracidade.

O contexto especial de imputações durante regimes de exceção

Um aspecto particularmente relevante na decisão foi a consideração do contexto histórico em que se deram os fatos. O STF destacou que, em se tratando de fatos ocorridos durante regimes de exceção democrática, o dever de cuidado dos veículos de imprensa deve ser ainda maior.

Como ressaltou o Ministro Fachin, embora a anistia política não impeça a busca pela verdade característica do jornalismo, existe um dever dos veículos de redobrar os cuidados investigativos e a solidez técnica de suas análises, principalmente porque a disponibilidade e a qualidade das informações oficiais estão, em princípio, colocadas sob dúvida.

O Tribunal fez referência à jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre o chamado “direito à verdade”, caracterizado pelo dever dos Estados pós-ditatoriais de fornecer às vítimas o esclarecimento dos atos violatórios e as responsabilidades correspondentes.

Este direito à verdade implica também no reconhecimento do direito de não ver reproduzidos, no futuro, fatos encampados por regime de exceção ou por seus agentes, sem que razões de ordem pública, somadas a diligente inquirição da verdade objetiva, o justifiquem.

Uma tabela para facilitar

Responsabilidade civil dos veículos de Imprensa segundo a tese atualizada do STF (RE 1.075.412 ED/PE)

SituaçãoCondiçãoResponsabilidade do VeículoFundamento Jurídico
Entrevista ao vivo com imputação falsa de crime por parte do entrevistadoAto exclusivamente de terceiro (entrevistado)Não há responsabilização civil do veículo, desde que seja assegurado o direito de resposta em iguais condições, espaço e destaqueArt. 5º, incisos V e X da Constituição Federal
Entrevista gravada ou escrita com imputação falsa de crimeDolo do veículo: conhecimento prévio da falsidade da declaraçãoHá responsabilização civil do veículo de comunicaçãoMá-fé caracterizada pelo conhecimento deliberado da falsidade
Entrevista gravada ou escrita com imputação falsa de crimeCulpa grave do veículo: negligência evidente na apuração da veracidade dos fatosHá responsabilização civil do veículo quando divulga a entrevista sem ouvir o terceiro ofendido ou, ao menos, sem buscar o contraditórioMá-fé caracterizada por negligência manifesta no dever de diligência
Conteúdo falso em plataformas digitais após constatação da falsidadePermanência do conteúdo disponível após identificação de sua falsidadeHá responsabilização civil pela omissão na remoção, que deve ocorrer de ofício ou por notificação da vítimaDever de não perpetuar informações falsas que causem dano à honra de terceiros

Esta tabela sintetiza a tese de repercussão geral fixada pelo STF no julgamento dos Embargos de Declaração no RE 1.075.412/PE (Tema 995), concluído em 20/03/2025.


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