Responsabilidade civil do Estado e erro judiciário: casos de prisões injustas no Brasil?

Responsabilidade civil do Estado e erro judiciário: casos de prisões injustas no Brasil?

A prisão injusta é uma realidade amarga que compromete a confiança no sistema judicial.

Casos como os de Rogerio Pinheiro Leão, Gustavo Pereira e outros exemplificam as falhas que podem ocorrer na administração da justiça, levando a uma discussão aprofundada sobre a responsabilidade civil do Estado e o direito à indenização por erro judiciário.

Contexto dos casos

Rogerio Pinheiro Leão foi preso, em 2021, acusado de ser o mandante de um roubo em Campinas/SP.

Falhas no reconhecimento fotográfico e inconsistências nas provas resultaram em sua condenação, mas ele foi absolvido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ/SP) em 2023 após passar 461 dias preso.

Atualmente, Rogerio cursa Direito na USP, buscando justiça e reparação.

Gustavo Pereira, jovem carioca, ficou detido em 2020 por um assalto na zona sul do Rio de Janeiro, enquanto se recuperava de uma cirurgia pulmonar.

A prisão baseou-se no reconhecimento fotográfico da vítima através de uma foto no Facebook.

Gustavo foi absolvido, mas seu pedido de indenização foi negado pela Justiça do Rio de Janeiro, que não reconheceu má conduta na condução do processo.

Outro caso similar ocorreu na Paraíba, onde um homem negro foi preso por engano devido a ser homônimo do verdadeiro acusado.

O juiz considerou o fato uma “eventualidade da vida” e negou a indenização, alegando que não havia como o sistema prever a confusão de nomes.

Responsabilidade, prisão

Por fim, no Distrito Federal, um homem preso por quase três anos devido a uma falha na investigação policial finalmente recebeu uma indenização.

O TJ/DF reconheceu a responsabilidade do Estado pela prisão injusta e determinou uma compensação de R$ 100 mil.

Responsabilidade civil do Estado

A responsabilidade civil do Estado está consagrada no artigo 37, §6º da Constituição Federal:

"As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa."

Assim, nos casos mencionados, as falhas em procedimentos como o reconhecimento fotográfico e a condução das investigações evidenciam a possibilidade de responsabilidade do Estado em indenizar os indivíduos prejudicados por atos ilegais de seus agentes.

As prisões injustas, baseadas em provas insuficientes ou mal conduzidas, configuram um dano que deve ser reparado.

Erro judiciário e direito à indenização

A Constituição Federal, no artigo 5º, LXXV, garante:

"O Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença."

Além disso, o Código de Processo Penal (CPP), no artigo 630, dispõe sobre a revisão criminal, permitindo a correção de erros judiciários e a consequente reparação dos danos:

"A revisão dos processos findos será admitida:

I - quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos;

II - quando a sentença condenatória se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos;

III - quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena."

Fundamentos jurídicos dos casos noticiados

No caso de Rogerio Pinheiro Leão, o TJ/SP absolveu-o por falta de provas contundentes e irregularidades no reconhecimento fotográfico:

“Rejeitada a preliminar, deram integral provimento ao recurso para absolver o apelante, com fundamento no art. 386, IV, do CPP (estar provado que o réu não concorreu para a infração penal). Expeça-se alvará de soltura clausulado. V. U.”

(TJ/SP, Apelação Criminal nº 1512289-05.2021.8.26.0114)

No caso de Gustavo Pereira, justificou-se a negativa de indenização pela ausência de comprovação de má conduta na condução do processo, embora tenha-se feito o reconhecimento fotográfico de forma irregular:

“É preciso verificar se houve qualquer má conduta na condução do processo criminal, já que este constitui legítima atuação do Estado de Direito […]”

(Juíza Maria Paula Gouveia Galhardo, 4ª vara de Fazenda Pública do Rio de Janeiro/RJ)

Na Paraíba, a confusão de nomes foi considerada uma “eventualidade da vida“:

“Os fatos acontecidos são graves, no entanto, não podem ser atribuídos ao Estado objetivamente, sequer a título de culpa, uma vez que por uma eventualidade da vida o promovente é homônimo perfeito de um acusado de crime […]”

(Juiz Antonio Eugênio Leite Ferreira Neto, 2ª vara mista de Itaporanga/PB)

Entretanto, a doutrina ensina que mesmo por “fatalidade” da vida, pode ser o Estado responsável por danos em virtude de decisões injustas e desproporcionais.

Em seguida, no Distrito Federal, o reconhecimento da falha na investigação levou à indenização:

“A investigação policial foi deficiente e a formação de culpa do ‘suspeito’ indiciado, posteriormente denunciado e condenado por este Tribunal com base justamente nos elementos de reconhecimento pessoal ofertados pela fase inquisitiva, foi determinante para a ilegal restrição da liberdade do ora apelante.”

(Desembargador Josaphá Francisco dos Santos, TJ/DFT)

Entendimento do STF em caso de erro judicial

Em regra, o Estado não pode ser responsabilizado pelo exercício dos atos jurisdicionais. No entanto, a Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso LXXV, reconhece o direito à indenização para o condenado por erro judiciário ou que ficar preso além do tempo fixado na sentença.

Com base nos precedentes do Supremo Tribunal Federal (STF), a responsabilidade civil do Estado por atos jurisdicionais pode ocorrer nas seguintes situações:

  1. Erro judiciário: quando condena-se uma pessoa injustamente.
  2. Prisão além do tempo fixado na sentença: quando alguém permanece preso por um período superior ao estipulado na sentença.
  3. Outras hipóteses previstas em lei: situações específicas previstas na legislação.

O STF possui entendimento consolidado de que não cabe indenização por prisões temporárias ou preventivas. No entanto, quando o Poder Judiciário exerce atos não jurisdicionais, aplica-se a regra geral da responsabilidade civil objetiva, conforme o artigo 37, §6º, da Constituição Federal.

Historicamente, o antigo CPC estabelecia que a responsabilidade pessoal subjetiva do magistrado incidiria quando este, dolosamente, retardasse providência requerida pela parte, obrigando o juiz a indenizar o prejudicado.

O novo CPC alterou essa regra, prevendo que, na hipótese de conduta dolosa do magistrado que cause prejuízo à parte ou a terceiros, incide a responsabilidade civil objetiva do Estado, assegurado o direito de regresso contra o juiz. De acordo com o artigo 143 do CPC, o juiz responderá civil e regressivamente por perdas e danos quando:

  1. Dolo ou fraude: no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude.
  2. Recusa, omissão ou retardo injustificado: recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício ou a requerimento da parte.

Aprofundamento: responsabilidade do Estado em operações policiais

Em uma recente decisão, o Supremo Tribunal Federal (STF) reafirmou a responsabilidade civil objetiva do Estado em casos de morte ou ferimento de vítimas durante operações policiais, mesmo quando a perícia é inconclusiva quanto à origem dos disparos fatais. A decisão ocorreu no caso ARE 1.385.315/RJ, sob a relatoria do Ministro Edson Fachin, e fixou teses importantes sobre a matéria.

Caso concreto

O caso concreto envolveu a morte de um morador do Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, durante uma operação militar do Exército em 2015. Durante a operação, houve troca de tiros entre militares e traficantes, e uma bala perdida atingiu o morador dentro de sua casa.

A perícia não conseguiu determinar de qual arma partiu o disparo. O Juízo de 1º grau e o TRF da 2ª Região consideraram a perícia inconclusiva como suficiente para afastar o nexo de causalidade, absolvendo a União da responsabilidade.

Decisão do STF

O STF, ao julgar o recurso extraordinário, reverteu as decisões anteriores e condenou a União a indenizar os pais da vítima. A Corte estabeleceu que, mesmo sem a confirmação da origem do disparo, o Estado é responsável pela morte, pois a operação militar desencadeou a troca de tiros. O Ministro Edson Fachin destacou:

“Se a incursão da Força de Pacificação do Exército não tivesse ocorrido, não haveria troca de tiros e, por conseguinte, João [nome fictício] não teria sido assassinado.”

Teoria do Risco Administrativo

A decisão se baseou na teoria do risco administrativo, prevista no artigo 37, §6º da Constituição Federal, que determina a responsabilidade objetiva do Estado por danos causados por seus agentes. A Corte ressaltou que o ônus de provar causas excludentes de responsabilidade, como força maior, fato exclusivo da vítima ou de terceiro, recai sobre o Estado.

Teses fixadas

  1. Responsabilidade objetiva: o Estado é responsável, na esfera cível, por morte ou ferimento decorrente de operações de segurança pública.
  2. Ônus probatório: cabe ao ente federativo demonstrar eventuais excludentes de responsabilidade civil.
  3. Perícia inconclusiva: a perícia inconclusiva sobre a origem de disparo fatal não afasta a responsabilidade civil do Estado, constituindo elemento indiciário.

Implicações e reparação

No caso concreto, condenou-se a União a pagar indenização de R$ 500 mil à família da vítima, ressarcir despesas com o funeral e arcar com o pagamento de pensão vitalícia.

Dessa forma, a decisão sublinha a obrigação do Estado em adotar todas as cautelas necessárias durante operações em áreas habitadas para preservar a vida e a integridade física dos moradores, e, quando falha nesse dever, deve indenizar as vítimas.

Como o tema já caiu em concursos

(CESPE - 2015 - FUB - Assistente em Administração) O erro judiciário consistente na prisão por prazo superior ao da condenação atrai a responsabilidade civil do Estado. (Certo)
(CESPE - 2013 - DPE-DF - Defensor Público) Considere que o Poder Judiciário tenha determinado prisão cautelar no curso de regular processo criminal e que, posteriormente, o cidadão aprisionado tenha sido absolvido pelo júri popular. Nessa situação hipotética, segundo entendimento do STF, não se pode alegar responsabilidade civil do Estado, com relação ao aprisionado, apenas pelo fato de ter ocorrido prisão cautelar, visto que a posterior absolvição do réu pelo júri popular não caracteriza, por si só, erro judiciário. (Certo)
(CESPE - 2010 - AGU – Procurador) Pedro foi preso preventivamente, por meio de decisão judicial devidamente fundamentada, mas depois absolvido por se entender que ele não tivera nem poderia ter nenhuma participação no evento. No entanto, por causa da prisão cautelar, Pedro sofreu prejuízo econômico e moral. Nessa situação, conforme entendimento recente do STF, poderão ser indenizáveis os danos moral e material sofridos. (Certo)

Felipe Duque – Mestre em Direito Político e Econômico na Mackenzie-SP. Graduado em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco, com conclusão pelo regime de Aproveitamento Extraordinário nos Estudos (art. 47, § 2º, da Lei nº 9.394/96). Ex-Assessor de Desembargador no TJPE. Procurador da Fazenda Nacional. Integra voluntariamente a Coordenação de Assuntos Estratégicos Judiciais da PGFN. Professor do Estratégia Carreira Jurídica e Estratégia OAB. Autor do livro “Reforma Tributária Comentada e Esquematizada”.


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