A reparação ambiental e sua imprescritibilidade executória: o Tema 1.194 do STF

A reparação ambiental e sua imprescritibilidade executória: o Tema 1.194 do STF

Quando uma obrigação de reparar dano ambiental é convertida em prestação pecuniária, haveria modificação na sua natureza jurídica a ponto de sujeitá-la aos prazos prescricionais comuns?

Este questionamento representa um dos grandes dilemas do Direito Ambiental contemporâneo. Dois valores constitucionais de alta relevância se contrapõem: de um lado, a segurança jurídica, materializada no instituto da prescrição; de outro, a proteção ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum e essencial à sadia qualidade de vida.

O Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento paradigmático do ARE 1.352.872/SC, dirimiu essa controvérsia. A Corte então fixou a tese jurídica, sob o Tema 1.194 da repercussão geral, de que:

"é imprescritível a pretensão executória e inaplicável a prescrição intercorrente na execução de reparação de dano ambiental, ainda que posteriormente convertida em indenização por perdas e danos".

Ora, o presente artigo visa analisar criticamente essa decisão histórica, debruçando-se sobre os fundamentos jurídicos que sustentam tal entendimento e suas implicações para o sistema de tutela ambiental brasileiro.

O caso concreto

A questão chegou ao STF a partir de um recurso extraordinário com agravo interposto pelo Ministério Público Federal contra acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

O tribunal de origem havia confirmado sentença que reconheceu, em favor do condenado em ação penal transitada em julgado, a prescrição da pretensão executória. A fundamentação baseou-se no entendimento de que, ao ser convertida em perdas e danos, a obrigação reparatória ambiental havia se convolado em mera dívida pecuniária, estando, portanto, sujeita à prescrição intercorrente.

O caso apresenta peculiaridades que o distinguem de julgamentos anteriores sobre a matéria.

Primeiramente, trata-se de discussão sobre a prescrição na fase executiva, e não na fase de conhecimento, como ocorreu no emblemático julgamento do Tema 999 da repercussão geral.

Além disso, a execução tinha por objeto uma obrigação originalmente de fazer (reparação ambiental in natura), posteriormente convertida em obrigação de dar (indenização por perdas e danos).

Conforme se extrai do relatório elaborado pelo Ministro Cristiano Zanin, nas contrarrazões apresentadas, o recorrido argumentou que "a reparação ambiental fora incumbida ao próprio MPF em parceria com a prefeitura municipal de Barra do Sul/SC, sendo convertido ao recorrido o reembolso obtido na execução deste processo".

O recorrido sustentava, ainda, que não deveria “arcar com os prejuízos mais de 5 anos após a sentença condenatória”.

O arcabouço da proteção ambiental

A compreensão adequada do julgado exige contextualização do arcabouço normativo-constitucional que rege a proteção ambiental no Brasil.

A Constituição Federal, em seu art. 225, consagra o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental. Faz isso impondo ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

O § 3º do referido dispositivo estabelece que “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.

Reparação ambiental

Veja, este comando constitucional evidencia a tripla responsabilização por danos ambientais (civil, penal e administrativa), bem como o caráter autônomo da obrigação reparatória.

No plano infraconstitucional, a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/1981), em seu art. 14, § 1º, reforça essa lógica reparatória ao prever que “é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade”.

Entretanto, em que pese a robustez desse sistema normativo, inexiste previsão legal específica sobre a prescrição das pretensões reparatórias ambientais. Isso suscitou, ao longo dos anos, intenso debate doutrinário e jurisprudencial sobre a aplicabilidade dos prazos prescricionais gerais a essas demandas.

A evolução jurisprudencial: do Tema 999 ao Tema 1.194

De início, a compreensão do julgamento do Tema 1.194 passa, necessariamente, pela análise da evolução jurisprudencial do STF em matéria ambiental, especialmente a partir do julgamento do Tema 999 (RE 654.833/AC), que fixou a tese de que “é imprescritível a pretensão de reparação civil de dano ambiental”.

Nesse precedente, o STF afirmou categoricamente que “a reparação do dano ao meio ambiente é direito fundamental indisponível, sendo imperativo o reconhecimento da imprescritibilidade no que toca à recomposição dos danos ambientais”. Este entendimento partiu da premissa de que o meio ambiente constitui “patrimônio comum de toda humanidade, para a garantia de sua integral proteção, especialmente em relação às gerações futuras”.

É imprescritível a pretensão de reparação civil de dano ambiental.

STF. Plenário. RE 654833, Rel. Alexandre de Moraes, julgado em 20/04/2020 (Repercussão Geral – Tema 999) (Informativo 983).

Por outro lado, o Ministro Cristiano Zanin, em seu voto no ARE 1.352.872/SC, apontou que o julgamento do Tema 1.194 representa “uma evolução natural da jurisprudência do STF em matéria ambiental”. Isso porque ampliou o entendimento anteriormente fixado em dois aspectos principais:

  1. Estendendo a imprescritibilidade também à fase executiva (pretensão executória), não a limitando à fase de conhecimento;
  2. Esclarecendo que a eventual conversão da obrigação de fazer (reparar o dano) em obrigação de dar (indenização por perdas e danos) não modifica sua natureza jurídica ambiental. Permanece, portanto, imprescritível.

Ora, o julgamento do Tema 1.268 (RE 1.427.694/RG), também mencionado no acórdão. Reforçou-se essa compreensão ao reconhecer a imprescritibilidade da pretensão de ressarcimento ao erário decorrente de ilícito indissociável da reparação por dano ambiental.

Nesse precedente, o STF assentou que “os danos ambientais não correspondem a mero ilícito civil, de modo que gozam de especial atenção em benefício de toda a coletividade”.

A fundamentação

O voto condutor, proferido pelo Ministro Cristiano Zanin, estruturou-se a partir do reconhecimento de que a questão central do julgamento consistia em determinar “a prescritibilidade de título executivo judicial decorrente de condenação penal que estabelece a obrigação de reparação de dano ambiental, posteriormente convertida em indenização por perdas e danos”.

O Relator iniciou sua análise a partir dos fundamentos constitucionais da responsabilidade civil ambiental, destacando o papel central do artigo 225 da Constituição Federal. Na sequência, abordou os fundamentos do instituto da prescrição, vinculados essencialmente ao princípio da segurança jurídica (art. 5º, XXXVI, CF).

Ao confrontar esses dois valores constitucionais – proteção ambiental e segurança jurídica –, o Ministro Zanin concluiu pela prevalência da proteção ambiental. Para isso, considerou “a imperatividade constitucional da reparação ambiental e a natureza do bem jurídico protegido, de caráter transindividual, transgeracional e indisponível”.

Conforme destacado no voto, "o fato de o caso estar em fase de execução ou de a obrigação de reparar o dano ter sido convertida em perdas e danos não mudam o caráter transindividual, transgeracional e indisponível do direito fundamental protegido, que fundamenta a imprescritibilidade".
O Relator amparou-se, ainda, na Súmula 150 do STF, segundo a qual "prescreve a execução no mesmo prazo de prescrição da ação", para concluir que, "se a pretensão de reparação ou de indenização pelo dano ambiental é imprescritível, a pretensão executória também há de ser, além de não ser admissível a prescrição intercorrente na execução".

Particularmente elucidativa é a citação doutrinária trazida pelo Ministro, extraída da obra de Ingo Sarlet e Tiago Fensterseifer, segundo a qual:

"a imprescritibilidade do dever de reparação do dano ecológico envolve não apenas a sua dimensão propriamente material ou patrimonial (...), como exemplo, a adoção de medidas concretas voltadas à repristinação natural (obrigação de fazer) ou seja, a reparação in natura (...) dos danos ecológicos, mas também, entre outras medidas, a compensação ambiental e indenização em dinheiro (obrigação de dar)".

Do ponto de vista prático, a tese da imprescritibilidade executória produzirá efeitos importantes. Em primeiro lugar, impedirá a extinção de execuções ambientais por prescrição intercorrente, mesmo naqueles casos em que o processo executivo permaneceu paralisado por longos períodos.

Como o tema foi cobrado em provas

(TJSC – Juiz Substituto – FGV– 2024)

Em janeiro de 2020, Maria realizava o cultivo de cana-de-açúcar em sua pequena propriedade rural, quando ouviu o barulho de um caminhão da sociedade empresária Alfa, que transportava grande quantidade de determinada substância química e caiu em um rio da região, pois o motorista acabou dormindo ao volante. O acidente causou poluição hídrica do solo e do subsolo. Maria ajuizou uma ação indenizatória, em setembro de 2024, em face da sociedade empresária Alfa, em razão dos danos materiais sofridos, pois comprovou ter perdido toda a sua plantação de cana. Por sua vez, no mesmo mês de setembro de 2024, o Ministério Público estadual ajuizou ação civil pública, pleiteando reparação ambiental e indenização por danos ambientais interinos.

No caso em tela, o magistrado competente para processar e julgar as mencionadas ações, com base na jurisprudência dos tribunais superiores, deve:

A) declarar que não houve a prescrição das pretensões veiculadas nas duas ações, pois os danos ambientais individuais e coletivos estão sujeitos à prescrição quinquenal;

B) declarar que não houve a prescrição das pretensões veiculadas nas duas ações, pois os danos ambientais individuais e coletivos são imprescritíveis;

C) reconhecer a prescrição das pretensões veiculadas nas duas ações, pois ultrapassado o prazo de três anos, cujo termo inicial conta-se da ciência inequívoca dos efeitos do fato gerador;

D) reconhecer a prescrição da pretensão veiculada na ação indenizatória de Maria pelos danos ambientais individuais, mas não reconhecer a prescrição das pretensões da ação ajuizada pelo Ministério Público, visto que são imprescritíveis;

E) declarar que não houve a prescrição das pretensões veiculadas nas duas ações, pois os danos ambientais individuais prescrevem em cinco anos e os coletivos são imprescritíveis.

Gabarito: D.
(TJPE – Juiz Substituto – FGV – 2024) - Tício extraía ilegalmente madeira em área de preservação permanente. Após o seu falecimento, o Ministério Público do Estado de Pernambuco propôs ação civil pública em face do espólio de Tício para reparação civil pelos danos decorrentes da extração ilegal de madeira.

Sobre o caso, é correto afirmar que:

A) prescreve em três anos a pretensão de reparação civil em razão de danos ambientais, sendo certo que a lavratura do auto de infração interrompe o prazo;

B) prescreve em cinco anos a pretensão de reparação civil em razão de danos ambientais, sendo certo que a lavratura do auto de infração interrompe o prazo;

C) prescreve em dez anos a pretensão de reparação civil em razão de danos ambientais, prescrição interrompida apenas com o despacho que ordena a citação;

D) a pretensão de reparação civil em razão de danos ambientais não está sujeita a prescrição;

E) a ação civil pública para a pretensão de reparação civil do dano é personalíssima, não podendo ser ajuizada em face do espólio de Tício.

Gabarito: D.
(2023 - CEBRASPE - JUIZ TJDFT) - Em determinado empreendimento imobiliário, a pessoa física responsável pelo imóvel causou danos ao meio ambiente, o que deu origem a processos administrativo e judicial.

Nessa situação hipotética, eventual aplicação de multa administrativa será

(A) imprescritível, não se aplicando a teoria do fato consumado e não sendo cumulável eventual condenação judicial de obrigações de fazer e de indenizar.

(B) imprescritível, sendo prescritível a reparação dos danos ambientais, podendo eventual condenação judicial de obrigação de fazer ser cumulada com a de indenizar.

(C) prescritível, aplicando-se a teoria do fato consumado, havendo prazo em dobro da prescrição para a reparação dos danos ambientais.

(D) prescritível, sendo imprescritível a reparação dos danos ambientais, podendo eventual condenação judicial de obrigação de fazer ser cumulada com a de indenizar.

(E) imprescritível, tal qual a reparação dos danos ambientais, não sendo cumulável eventual condenação judicial de obrigações de fazer e de indenizar 

Gabarito: D.

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