STJ reconhece leitura como forma de remição de pena: entenda a decisão

STJ reconhece leitura como forma de remição de pena: entenda a decisão

STJ decide que a remição de pena pela leitura é válida. Saiba como funciona, quais critérios da LEP e da resolução CNJ 391/21 se aplicam.

O Superior Tribunal de Justiça, julgando o TEMA 1.278, validou a leitura como forma de remição de pena. 

A leitura pode ser considerada forma válida de remição de pena, nos termos do art. 126 da LEP – lei de execução penal, desde que observados critérios formais de avaliação.

O caso paradigma teve origem em São Paulo. O Tribunal de Justiça bandeirante negou a possibilidade de remição da pena pela leitura. O tribunal entendeu que a atividade não encontraria respaldo na legislação vigente e, por isso, desproveu o agravo em execução penal interposto pela defesa.

Em face dessa decisão, o réu interpôs recurso especial (REsp 2.121.878), com base no art. 105, inciso III, alínea a, da CF/88.

Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:

...

III - julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida:

a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência;
(CF/88)

No caso concreto, o réu havia sido condenado a uma pena de 12 anos de reclusão pelo crime de estupro (art. 213 do CP), com início do cumprimento da pena em 29 de abril de 2021. 

A defesa técnica solicitou a remição da pena pela leitura, pleito negado tanto pelo primeiro grau quanto pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.

Mas o que vem a ser o instituto da remição de pena? Vejamos.

remição de pena

O fundamento do recurso especial foi a violação ao art. 126 da LEP, bem como aos dispositivos da resolução CNJ 391/21, que regulamenta a remição pela leitura. 

Art. 126.  O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena.                  

§ 1º A contagem de tempo referida no caput será feita à razão de:                   

I - 1 (um) dia de pena a cada 12 (doze) horas de frequência escolar - atividade de ensino fundamental, médio, inclusive profissionalizante, ou superior, ou ainda de requalificação profissional - divididas, no mínimo, em 3 (três) dias;                 

II - 1 (um) dia de pena a cada 3 (três) dias de trabalho.

§ 2o  As atividades de estudo a que se refere o § 1º deste artigo poderão ser desenvolvidas de forma presencial ou por metodologia de ensino a distância e deverão ser certificadas pelas autoridades educacionais competentes dos cursos frequentados.
(LEP)

A resolução CNJ nº 391/21 estabelece procedimentos e diretrizes a serem observados pelo Poder Judiciário para o reconhecimento do direito à remição de pena por meio de práticas sociais educativas em unidades de privação de liberdade.

Segundo a defesa, o ordenamento jurídico exige apenas a comprovação da atividade extracurricular e sua avaliação por equipe técnica, sendo desnecessário qualquer outro obstáculo normativo.

Importante lembrar que o Superior Tribunal de Justiça já havia, em outra ocasião, reconhecido a atividade de amamentação como forma de remição de pena.

O fato de a amamentação não possuir expressão econômica, não se caracterizando como um trabalho formal, não impede o reconhecimento do direito da detenta de ver sua pena reduzida pela remição.

A Defensoria Pública de São Paulo, à época, celebrou a decisão, já que foi a primeira vez que um tribunal superior reconhecia a economia do cuidado como causa de redução da pena de uma mãe que amamentou o filho na prisão.

remição de pena

Economia do cuidado (care economy): Trabalho não remunerado, de pouco visibilidade social, que envolve predominantemente mulheres, relacionado ao lar ou ao cuidado e ao suporte de crianças, idosos ou pessoas com deficiência.

Apesar de invisível e subvalorizado, a economia do cuidado é fundamental para o funcionamento da sociedade e da economia, permitindo que outras atividades e serviços sejam prestados.

A amamentação, portanto, deve ser entendida no contexto do trabalho moderno, sendo um trabalho que qualifica e dignifica a mulher.

Se atividades como costurar bolas, bolsas, fabricar cadeiras, mesas, consertar equipamentos, montar antenas ou a simples leitura de livros são consideradas como aptas a reduzirem a pena do detento, por que não incluir, também, a nobre função do cuidado com o recém-nascido através da amamentação?

O enquadramento da amamentação como atividade apta a gerar redução de pena pode ser visto como uma política pública voltada a garantir os direitos das crianças, que são as mais beneficiadas com a medida.

Voltando ao caso do TEMA 1.278, o relator, ministro Og Fernandes, reafirmou que a leitura deve ser enquadrada como forma de estudo com valor ressocializador, estando abarcada pelas hipóteses do art. 126 da LEP.

“A leitura é reconhecida como uma forma de estudo e, portanto, pode gerar remissão de pena por interpretação do art. 126 da lei de execução penal, o que atende à finalidade de ressocialização dos apenados conforme pacífica jurisprudência do STJ e do STF.”

Entretanto, o voto rejeitou a possibilidade de remição com base em declarações emitidas por profissionais contratados pelo próprio apenado, havendo a necessidade de um controle qualitativo da leitura, conforme previsto na resolução CNJ 391/21, que exige a atuação de comissão de validação instituída pelo juízo da execução penal.

Assim disparou o ministro relator:

“Nos termos da regulamentação atual, dada pela resolução 391 do CNJ, o controle qualitativo da leitura deve ser realizado por uma comissão de validação instituída pelo juízo da execução para garantir a imparcialidade da avaliação, não sendo válida para fins de remissão, a leitura atestada por profissional contratado pelo apenado.”

Ao final, o voto foi acolhido por unanimidade, reformando o acórdão do Tribunal de Justiça Paulista e concedendo o direito à remição pela leitura no caso concreto.

A tese aprovada foi a seguinte:

TEMA 1.278 STJ: “Em decorrência dos objetivos da execução penal, a leitura pode resultar na remição da pena com fundamento no art. 126 da lei de execução penal, desde que observados os requisitos previstos para sua validação, não podendo ser acolhido o atestado realizado por profissional contratado pelo próprio apenado.”

Análise Jurídica – Remição de pena pela leitura

O artigo 2º, da Resolução CNJ 391/21, estabelece procedimentos e diretrizes a serem observados pelo Poder Judiciário para o reconhecimento do direito à remição de pena por meio de práticas sociais educativas em unidades de privação de liberdade. 

O reconhecimento do direito à remição de pena por meio de práticas sociais educativas considerará:

  • As atividades escolares;
  • As práticas sociais educativas não-escolares; e 
  • A leitura de obras literárias. 

Nos termos da Resolução, terão direito à remição de pena pela leitura as pessoas privadas de liberdade que comprovarem a leitura de qualquer obra literária, independentemente de participação em projetos ou de lista prévia de títulos autorizados, considerando-se que:

  1. A atividade de leitura terá caráter voluntário e será realizada com as obras literárias constantes no acervo bibliográfico da biblioteca da unidade de privação de liberdade;
  2. O acervo bibliográfico poderá ser renovado por meio de doações de visitantes ou organizações da sociedade civil, sendo vedada toda e qualquer censura a obras literárias, religiosas, filosóficas ou científicas, nos termos dos art. 5º, IX, e 220, § 2º, da Constituição Federal;
  3. O acesso ao acervo da biblioteca da unidade de privação de liberdade será assegurado a todas as pessoas presas ou internadas cautelarmente e àquelas em cumprimento de pena ou de medida de segurança, independentemente do regime de privação de liberdade ou regime disciplinar em que se encontrem;
  4. Para fins de remição de pena pela leitura, a pessoa em privação de liberdade registrará o empréstimo de obra literária do acervo da biblioteca da unidade, momento a partir do qual terá o prazo de 21 (vinte e um) a 30 (trinta) dias para realizar a leitura, devendo apresentar, em até 10 (dez) dias após esse período, um relatório de leitura a respeito da obra, conforme roteiro a ser fornecido pelo Juízo competente ou Comissão de Validação;
  5. Para cada obra lida corresponderá a remição de 4 (quatro) dias de pena, limitando-se, no prazo de 12 (doze) meses, a até 12 (doze) obras efetivamente lidas e avaliadas e assegurando-se a possibilidade de remir até 48 (quarenta e oito) dias a cada período de 12 (doze) meses.

Comissão de Validação

Deverá ser instituída, pelo juízo competente, uma Comissão de Validação, com atribuição de analisar o relatório de leitura, considerando-se, conforme o grau de letramento, alfabetização e escolarização da pessoa privada de liberdade, a estética textual (legibilidade e organização do relatório), a fidedignidade (autoria) e a clareza do texto (tema e assunto do livro lido), observadas as seguintes características:  

I – A Comissão de Validação será composta por membros do Poder Executivo, especialmente aqueles ligados aos órgãos gestores da educação nos Estados e Distrito Federal e responsáveis pelas políticas de educação no sistema prisional da unidade federativa ou União, incluindo docentes e bibliotecários que atuam na unidade, bem como representantes de organizações da sociedade civil, de iniciativas autônomas e de instituições de ensino públicas ou privadas, além de pessoas privadas de liberdade e familiares;  

II – A participação na Comissão de Validação terá caráter voluntário e não gerará qualquer tipo de vínculo empregatício ou laboral com a Administração Pública ou com o Poder Judiciário; e

III – A validação do relatório de leitura não assumirá caráter de avaliação pedagógica ou de prova, devendo limitar-se à verificação da leitura e ser realizada no prazo de 30 (trinta) dias, contados da entrega do documento pela pessoa privada de liberdade.

O Poder Público zelará pela disponibilização de livros em braile ou audiobooks para pessoas com deficiências visual, intelectual e analfabetas, prevendo-se formas específicas para a validação dos relatórios de leitura.

A participação da pessoa privada de liberdade em atividades de leitura e em práticas sociais educativas não-escolares para fins de remição de pena não afastará as hipóteses de remição pelo trabalho ou educação escolar, sendo possível a cumulação das diferentes modalidades.

A decisão do Superior Tribunal de Justiça, portanto, deve ser comemorada por toda a sociedade, já que reconhece a leitura como importante atividade concretizadora da individualização da pena e a educação como fator de garantia da dignidade humana.

Ótimo tema para provas de Defensoria Pública, Magistratura e Ministério Público. Portanto, muita atenção!


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