Prof. Gustavo Cordeiro
Introdução
O Superior Tribunal de Justiça, em novembro de 2025, fixou tese vinculante de extrema relevância para a execução penal brasileira. O Tema 1347 pacificou uma controvérsia que há muito gerava insegurança jurídica nos tribunais de todo o país: é necessária a prévia oitiva do apenado antes da decretação da regressão cautelar de regime prisional?
A resposta dada pela Terceira Seção do STJ foi negativa, consolidando entendimento que já vinha sendo aplicado de forma majoritária, mas que agora ganha força de precedente vinculante nos termos do art. 927, III, do CPC. Para o candidato de concursos jurídicos de alto nível, compreender esta distinção entre regressão definitiva e regressão cautelar é absolutamente essencial, pois o tema transita entre direito processual penal, execução penal e garantias constitucionais.
Neste artigo, vamos dissecar o julgamento, compreender seus fundamentos doutrinários e jurisprudenciais, e antecipar como o tema poderá ser cobrado nas próximas provas de Magistratura, Ministério Público, Defensoria Pública, Advocacia Pública e Delegado de Polícia.
O caso concreto e a controvérsia
Os recursos paradigmas que deram origem ao Tema 1347 foram os REsp 2.166.900-SP, REsp 2.153.215-RJ e REsp 2.167.128-RJ, todos de relatoria do Ministro Og Fernandes, julgados em 12 de novembro de 2025 pela Terceira Seção do STJ, por unanimidade.

A questão central era definir: quando há notícia de cometimento de falta disciplinar grave ou de fato definido como crime doloso pelo apenado que cumpre pena em regime mais benéfico, pode o juízo da execução determinar a suspensão cautelar (regressão provisória) desse regime sem antes ouvi-lo?
A dúvida decorria da redação do art. 118, § 2º, da Lei de Execução Penal, que expressamente exige a oitiva prévia do condenado para a regressão de regime. Contudo, a norma foi pensada para a regressão definitiva, de caráter sancionatório, e não para medidas de natureza cautelar.
Desenvolvimento técnico: a distinção fundamental
Regressão definitiva vs. regressão cautelar
O STJ estabeleceu com clareza pedagógica que existem duas situações distintas em que se pode cogitar a regressão de regime prisional:
| REGRESSÃO DEFINITIVA | REGRESSÃO CAUTELAR |
| Natureza: Sancionatória | Natureza: Processual/Cautelar |
| Fundamento: Art. 118, I e § 2º, LEP | Fundamento: Poder geral de cautela do juízo |
| Momento: Após apuração definitiva da falta | Momento: Imediato, durante a apuração |
| Prévia oitiva: OBRIGATÓRIA | Prévia oitiva: DESNECESSÁRIA |
| Efeitos: Consolidados e permanentes | Efeitos: Provisórios e precários |
| Analogia: Sentença condenatória | Analogia: Prisão preventiva |
O ponto central do julgamento reside na compreensão de que a regressão cautelar assemelha-se a uma prisão provisória, exigindo aplicação imediata para garantir a preservação do adequado cumprimento da pena e dos objetivos da execução penal, notadamente a ressocialização.
Fundamentos jurídicos da decisão
O STJ fundamentou a tese em três pilares essenciais:
🟠 Primeiro, a inaplicabilidade do art. 118, § 2º, da LEP à regressão cautelar. A norma foi construída para disciplinar a regressão definitiva, de caráter punitivo, que ocorre após a conclusão do procedimento administrativo disciplinar. A regressão cautelar, por sua vez, encontra fundamento no poder geral de cautela do juízo da execução, instituto processual que autoriza medidas urgentes para preservação da efetividade do processo.
🔶 Segundo, a necessidade de decisão judicial fundamentada. Embora dispensada a prévia oitiva, a regressão cautelar não pode ser arbitrária. O juízo deve demonstrar a necessidade da medida, podendo considerar elementos como o histórico do apenado, os riscos à disciplina carcerária e a gravidade do fato imputado.
🟧 Terceiro, o caráter provisório e precário da medida. A regressão cautelar vale apenas até a apuração definitiva da falta grave, momento em que deverá ser instaurado o procedimento cabível com plena observância do contraditório, ampla defesa e devido processo legal. A oitiva do reeducando deve ocorrer assim que possível, não sendo eliminada, mas apenas diferida.
A tese vinculante
"A regressão cautelar de regime prisional é medida de caráter provisório e está autorizada pelo poder geral de cautela do juízo da execução, podendo ser aplicada, mediante fundamentação idônea, até a apuração definitiva da falta."
(Tema 1347 do STJ – REsp 2.166.900-SP, REsp 2.153.215-RJ e REsp 2.167.128-RJ)
A tese foi fixada sob o rito dos recursos repetitivos, nos termos dos arts. 1.036 e 1.037 do CPC, constituindo precedente vinculante para juízes e tribunais (art. 927, III, CPC). O STJ ressaltou que a decisão reafirma entendimento já consolidado, atendendo ao propósito de manutenção de jurisprudência “estável, íntegra e coerente” (art. 926, CPC), razão pela qual não houve necessidade de modulação de efeitos.
Como o tema pode aparecer em concursos
(Simulado – Estilo CESPE/CEBRASPE) João, condenado a 12 anos de reclusão por roubo qualificado, cumpria pena em regime semiaberto quando foi surpreendido pela administração penitenciária portando aparelho celular no interior do estabelecimento prisional. Diante da notícia do fato, que configura falta disciplinar grave nos termos do art. 50, VII, da LEP, o juízo da execução determinou a imediata regressão cautelar de João ao regime fechado, sem sua prévia oitiva, fundamentando a decisão na necessidade de preservação da disciplina carcerária e no risco de reiteração. Inconformado, a defesa de João impetrou habeas corpus alegando nulidade da decisão por violação ao contraditório e à ampla defesa. Considerando a situação hipotética e a jurisprudência do STJ, assinale a alternativa correta:
A) A decisão é nula, pois a LEP exige expressamente a prévia oitiva do condenado antes de qualquer regressão de regime.
B) A regressão cautelar é válida, pois prescinde de prévia oitiva do apenado, estando amparada no poder geral de cautela do juízo da execução, desde que devidamente fundamentada.
C) O habeas corpus deve ser concedido, pois a posse de celular não configura falta grave apta a ensejar regressão de regime.
D) A regressão de regime só poderia ser determinada após o trânsito em julgado de eventual condenação criminal pelo fato.
E) A defesa deveria ter ajuizado agravo em execução, sendo o habeas corpus via inadequada para impugnar regressão de regime.
GABARITO: B
Comentários às alternativas
Alternativa A – INCORRETA. A exigência de prévia oitiva do art. 118, § 2º, da LEP aplica-se apenas à regressão definitiva, não à regressão cautelar, que tem natureza processual e se fundamenta no poder geral de cautela.
Alternativa B – CORRETA. Conforme o Tema 1347 do STJ, a regressão cautelar é medida de caráter provisório, autorizada pelo poder geral de cautela do juízo da execução, podendo ser aplicada mediante fundamentação idônea até a apuração definitiva da falta, dispensando prévia oitiva do apenado.
Alternativa C – INCORRETA. A posse de aparelho de telefonia celular em estabelecimento prisional configura falta grave, nos termos do art. 50, VII, da LEP, com redação dada pela Lei 11.466/2007.
Alternativa D – INCORRETA. A regressão de regime, seja cautelar ou definitiva, não depende de condenação criminal pelo novo fato. A falta grave, por si só, é suficiente para fundamentar a medida, nos termos do art. 118, I, da LEP.
Alternativa E – INCORRETA. O habeas corpus é via adequada para impugnar regressão de regime quando há alegação de constrangimento ilegal à liberdade de locomoção, conforme jurisprudência pacífica do STJ e STF.
Fechamento estratégico: o que memorizar
Para fixar o tema em sua preparação, guarde os seguintes pontos-chave:
| PONTOS DE MEMORIZAÇÃO |
| ▶ Regressão DEFINITIVA = sanção + prévia oitiva obrigatória (art. 118, § 2º, LEP) |
| ▶ Regressão CAUTELAR = medida processual + poder geral de cautela + dispensa prévia oitiva |
| ▶ A cautelar é provisória e precária, válida até apuração definitiva da falta |
| ▶ Exige decisão judicial fundamentada (não é automática) |
| ▶ Tema 1347/STJ: precedente vinculante (art. 927, III, CPC) |
A decisão do STJ equilibra dois valores fundamentais: de um lado, a necessidade de preservação da ordem e disciplina no sistema prisional; de outro, as garantias constitucionais do apenado. A solução encontrada – permitir a medida cautelar imediata, mas exigir a oitiva posterior e a instauração de procedimento regular – representa aplicação do princípio da proporcionalidade e da concordância prática entre direitos fundamentais aparentemente em conflito.
Bons estudos e rumo à aprovação!
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