Recusa ao Bafômetro gera multa e suspensão do direito de dirigir

Recusa ao Bafômetro gera multa e suspensão do direito de dirigir

Uma recente decisão da 12ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) no processo 0012441-96.2015.4.01.3500 reacendeu o debate jurídico sobre as implicações da recusa em se submeter ao teste do bafômetro.

O caso em questão, julgado em 23 de agosto de 2024, manteve a sentença que aplicou multa e suspensão do direito de dirigir por 12 meses a um condutor que se recusou a realizar o teste de alcoolemia durante uma abordagem policial.

Em síntese, o cerne da questão reside na interpretação do artigo 165-A do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), introduzido pela Lei 13.281/2016, que equipara a recusa em realizar o teste do bafômetro à própria infração de dirigir sob influência de álcool. Veja como diz o artigo:

"Recusar-se a ser submetido a teste, exame clínico, perícia ou outro procedimento que permita certificar influência de álcool ou outra substância psicoativa, na forma estabelecida pelo art. 277:

Infração - gravíssima;

Penalidade - multa (dez vezes) e suspensão do direito de dirigir por 12 (doze) meses;

Medida administrativa - recolhimento do documento de habilitação e retenção do veículo, observado o disposto no § 4º do art. 270."

Análise jurídica

Em breve síntese, a decisão do TRF1 baseou-se no entendimento consolidado dos Tribunais Superiores, que tem reiteradamente afirmado que a mera recusa em realizar o teste do bafômetro seria suficiente para a aplicação das sanções administrativas previstas no artigo 165-A do CTB.

No meio jurídico, há quem duvide de sua constitucionalidade em razão da possível violação de princípios fundamentais.

De um lado, os defensores da aplicação rigorosa do artigo 165-A argumentam que a medida é necessária para a efetividade da fiscalização de trânsito e a prevenção de acidentes causados por condutores alcoolizados.

Isto porque, sustentam que o direito à vida e à segurança no trânsito, amparados pelo artigo 5º, caput, da Constituição Federal, justificam a restrição de certos direitos individuais em prol do bem coletivo.

Por outro lado, os críticos da norma alegam que sua aplicação pode violar princípios constitucionais fundamentais, como o da presunção de inocência (art. 5º, LVII, CF) e o da não autoincriminação (nemo tenetur se detegere).

Ademais, argumentam que a imposição de sanções pela mera recusa em realizar o teste, sem outras evidências de embriaguez, poderia configurar uma inversão indevida do ônus da prova, ferindo o devido processo legal (art. 5º, LIV, CF).

A decisão do TRF1

Recusa

A relatora do caso no TRF1, desembargadora federal Ana Carolina Roman, ao fundamentar sua decisão, enfatizou que a sanção possui natureza meramente administrativa, sem projeção na esfera penal.

Isto é, este entendimento busca harmonizar a aplicação da norma com o princípio da presunção de inocência, reservando as consequências penais apenas para os casos em que há comprovação efetiva da embriaguez ao volante.

É importante ressaltar que o artigo 277, §3º, do CTB reforça a equiparação da recusa à infração, estabelecendo que “serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no art. 165-A deste Código ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos previstos no caput deste artigo”.

Nesse sentido, esse disposição legal visa dar efetividade à fiscalização, criando um desestímulo à recusa do teste.

Isto porque, era muito comum que antigamente todo mundo rejeitasse o bafômetro e não havia sanções administrativas para tanto.

E o STF já decidiu algo?

Sim.

É inadmissível qualquer nível de alcoolemia por condutores de veículos automotivos.
A eventual recusa de motoristas na realização de “teste do bafômetro”, ou dos demais procedimentos previstos no CTB para aferição da influência de álcool ou outras drogas, por não encontrar abrigo no princípio da não autoincriminação, permite a aplicação de multa e a retenção/apreensão da CNH validamente.

Tese fixada pelo STF:

“Não viola a Constituição a previsão legal de imposição das sanções administrativas ao condutor de veículo automotor que se recuse à realização dos testes, exames clínicos ou perícias voltados a aferir a influência de álcool ou outra substância psicoativa (art. 165-A e art. 277, §§ 2º e 3º, todos do Código de Trânsito Brasileiro, na redação dada pela Lei 13.281/2016)”.

STF. Plenário. RE 1224374/RS, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 18 e 19/5/2022 (Repercussão Geral – Tema 1079) (Info 1055).

O que acontece se o indivíduo dirigir veículo automotor sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência?

Neste caso, ele poderá responder por duas sanções:

1) INFRAÇÃO DE TRÂNSITO (infração administrativa) prevista no art. 165 do Código de Trânsito, que sujeita o infrator a pagar multa e a ficar sem dirigir pelo período de 12 meses.

Durante a blitz, ao constatar a embriaguez, a autoridade de trânsito já recolhe o documento de habilitação do condutor.

O veículo só poderá sair do local se uma outra pessoa com habilitação for até lá para retirá-lo.

Veja a redação do dispositivo:

Art. 165. Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência:

Infração - gravíssima;

Penalidade - multa (dez vezes) e suspensão do direito de dirigir por 12 (doze) meses.

Medida administrativa - recolhimento do documento de habilitação e retenção do veículo, observado o disposto no § 4º do art. 270 da Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997 - do Código de Trânsito Brasileiro.

Parágrafo único. Aplica-se em dobro a multa prevista no caput em caso de reincidência no período de até 12 (doze) meses.

2) CRIME previsto no art. 306 do CTB:

Art. 306. Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência:

Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

Qual é o meio de se provar a embriaguez do condutor?

O principal instrumento para isso é o etilômetro, mais popularmente conhecido como “bafômetro”, que mede o teor alcoólico no ar alveolar.

No entanto, o CTB prevê que é possível essa constatação por outros meios, como por exemplo:

  • exame clínico;
  • perícia;
  • vídeo;
  • prova testemunhal.

Onde esse tema está previsto no CTB?

Regras para comprovar a prática da infração de trânsito do art. 165 do CTB:

Art. 277. O condutor de veículo automotor envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito poderá ser submetido a teste, exame clínico, perícia ou outro procedimento que, por meios técnicos ou científicos, na forma disciplinada pelo Contran, permita certificar influência de álcool ou outra substância psicoativa que determine dependência.

(...)

§ 2º A infração prevista no art. 165 também poderá ser caracterizada mediante imagem, vídeo, constatação de sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo Contran, alteração da capacidade psicomotora ou produção de quaisquer outras provas em direito admitidas.

Regras para comprovar a prática do crime do art. 306 do CTB:

Art. 306 (...)

§ 1º As condutas previstas no caput serão constatadas por:

I - concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar; ou

II - sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo Contran, alteração da capacidade psicomotora.

§ 2º A verificação do disposto neste artigo poderá ser obtida mediante teste de alcoolemia ou toxicológico, exame clínico, perícia, vídeo, prova testemunhal ou outros meios de prova em direito admitidos, observado o direito à contraprova.

§ 3º O Contran disporá sobre a equivalência entre os distintos testes de alcoolemia ou toxicológicos para efeito de caracterização do crime tipificado neste artigo.

§ 4º  Poderá ser empregado qualquer aparelho homologado pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia - INMETRO - para se determinar o previsto no caput.

Com o advento da Lei nº 12.760/2012, o art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro foi alterado de forma a tornar dispensável a realização do teste do bafômetro para a constatação do estado de embriaguez do condutor do veículo.

Assim, a alteração da capacidade psicomotora do condutor do veículo poderá ser verificada mediante exame clínico, vídeo, prova testemunhal ou outros meios de provas admitidos, observado o direito à contraprova (STJ. 5ª Turma. HC 322.611/RS, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 01/10/2015).

Sob o ponto de vista da sanção administrativa (INFRAÇÃO DE TRÂNSITO), o que acontece caso o condutor se recuse a fazer o teste do “bafômetro” e/ou os exames clínicos?

Depois da Lei 13.281/2016 (entrou em vigor no dia 01/11/2016), dessa forma, o CTB prevê que esta recusa configura uma infração de trânsito autônoma, prevista no art. 165-A (já citado no início)

Qual foi a razão desta mudança?

O objetivo velado do legislador foi o de evitar questionamentos judiciais que anulavam as antigas autuações.

Explico. Antes da Lei nº 13.281/2016, o condutor era punido pela infração do art. 165 do CTB (dirigir sob a influência de álcool/substância psicoativa) mesmo sem prova de que ele estava sob a influência dessas substâncias. A punição era feita com base em uma presunção legal absoluta. Recusou-se a fazer o teste, então, presumo que praticou o art. 165 e determino a aplicação de suas sanções.

Ocorre que esse sistema de presunção era de constitucionalidade extremamente duvidosa, o que gerava questionamentos junto ao Poder Judiciário que, em não raras oportunidades, anulou autuações administrativas firmadas neste dispositivo.

Assim, a nova redação do § 3º do art. 277, promovida pela Lei nº 13.281/2016, não mais pune o condutor com base em uma presunção. Ele criou nova infração administrativa e passou a sancionar o indivíduo que se recusa a cumprir a obrigação legal prevista no art. 277.

Melhor explicando. O art. 277 do CTB impõe uma obrigação legal a todos os condutores de veículos automotores: em caso de uma fiscalização de trânsito (blitz), você poderá, a critério da autoridade, “ser submetido a teste, exame clínico, perícia ou outro procedimento que, por meios técnicos ou científicos” permita certificar influência de álcool ou outra substância psicoativa que determine dependência.

Caso não cumpra esse dever, receberá uma punição administrativa, não por ter dirigido sob a influência de álcool, mas sim por não ter atendido à determinação da autoridade de trânsito.

Direito à não autoincriminação

A nova infração de trânsito prevista no art. 165-A do CTB continuou gerando polêmica. Isso porque surgiram vozes defendendo a sua inconstitucionalidade pela suposta violação ao princípio da ampla defesa.

Trata-se do princípio do nemo tenetur se detegere.

Por força desse princípio, a doutrina e a jurisprudência entendem que o Estado não pode constranger a pessoa a produzir provas contra si próprio.

O que o STF decidiu? O art. 165-A do CTB é inconstitucional?

NÃO.

A eventual recusa de motoristas na realização de “teste do bafômetro”, ou dos demais procedimentos previstos no CTB para aferição da influência de álcool ou outras drogas, por não encontrar abrigo no princípio da não autoincriminação, permite a aplicação de multa e a retenção/apreensão da CNH validamente.

Tese fixada pelo STF:

Não viola a Constituição a previsão legal de imposição das sanções administrativas ao condutor de veículo automotor que se recuse à realização dos testes, exames clínicos ou perícias voltados a aferir a influência de álcool ou outra substância psicoativa (art. 165-A e art. 277, §§ 2º e 3º, todos do Código de Trânsito Brasileiro, na redação dada pela Lei 13.281/2016).

STF. Plenário. RE 1224374/RS, ADI 4017/DF e ADI 4103/DF, Rel. Min. Luiz Fux, julgados em 18 e 19/5/2022 (Repercussão Geral – Tema 1079) (Info 1055).

Como o tema já caiu em provas

CESPE - 2013 - TJ-DFT - Analista Judiciário - Área Judiciária

Se o teste em etilômetro (teste do bafômetro) for realizado voluntariamente, sem qualquer irregularidade, não haverá violação do princípio do nemo tenetur se detegere (direito de não produzir prova contra si mesmo), ainda que o policial não tenha feito advertência ao examinado sobre o direito de se recusar a realizar ao exame. (Certo)
CESPE - 2018 - Polícia Federal - Perito Criminal Federal - Área 12

Dois motoristas, Pedro e José, foram levados à central de flagrantes da polícia civil após terem sido parados em uma blitz no trânsito. Segundo a polícia civil, Pedro, de trinta e dois anos de idade, foi submetido ao teste do bafômetro, durante a blitz, e o resultado mostrou 0,68 miligramas de álcool por litro de ar expelido. Ele pagou fiança e deverá responder em liberdade por crime de trânsito. Conforme os policiais, José, de vinte e dois anos de idade, se recusou a submeter-se ao teste do bafômetro, mas o médico legista do Instituto Médico Legal (IML) que o examinou comprovou alteração da capacidade psicomotora em razão do consumo de substância psicoativa que determina dependência. José também pagou fiança para ser liberado.

Com relação a essa situação hipotética, julgue o item a seguir. 

José cometeu infração administrativa, mas não crime, ao se recusar a fazer o teste do bafômetro. (Certo)

Voltando ao caso do TRF1

Portanto, a decisão do TRF1 no processo 0012441-96.2015.4.01.3500, ao alinhar-se com a jurisprudência do STF, reafirma uma tendência de priorização da segurança viária sobre certas garantias individuais, no contexto específico da fiscalização de alcoolemia no trânsito.

Esta interpretação, embora ainda polêmica, tem se consolidado nos tribunais superiores, refletindo uma política judiciária de combate aos acidentes de trânsito relacionados ao consumo de álcool.

Dessa maneira, pode-se dizer que a decisão do TRF1 é uma consequência da decisão do STF no tema 1.079 de Repercussão Geral.


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