Reconhecimento Peniano?

Reconhecimento Peniano?

No presente artigo analisaremos a conduta de policiais de submeter um homem, investigado por praticar o crime de importunação sexual, consistente em expor as suas partes íntimas a uma funcionária da loja, a um “reconhecimento peniano”.

*Guilherme Carneiro de Rezende: Promotor de Justiça; Doutorando em direito e professor de Processo Penal.

Reconhecimento peniano

Reconhecimento peniano: entenda o caso

Uma notícia no mínimo inusitada ganhou as manchetes dos sites jurídicos essa semana: um homem foi indenizado por ter sido submetido a um reconhecimento peniano.

Vamos ao caso. Um homem foi tomar um sorvete numa loja da Cacau Show, e foi acusado pelo dono do estabelecimento de ter exposto o seu pênis para uma funcionária.

Apesar de sua negativa, a Polícia Militar foi acionada e ele, além de ser preso, teve que mostrar o pênis aos policiais para que verificassem se o órgão correspondia ao descrito pela mulher.

Reconhecimento peniano: análise jurídica

Vamos aproveitar a narrativa para estudar o caso sob diversas perspectivas: do direito penal, do direito processual penal e do direito civil.

Código Penal

Sobre o reconhecimento peniano, o Código Penal estabelece que a exposição da genitália a terceira pessoa, se feita com propósitos libidinosos, é dizer, com a finalidade de satisfazer a sua lascívia, constitui crime contra a liberdade sexual, nos termos do artigo 215-A, do CP, que é punido com uma pena de reclusão de 1 a 5 anos.

Informação importante

Primeira informação importante: é necessário que exista a intenção sexual, pois do contrário, teríamos crime diverso, quem sabe o delito de ato obsceno, previsto no artigo 233, do CP. É a conduta daquele que, por exemplo, urina em via pública, expondo a sua genitália, mas não com fins lascivos.

Bom, admitindo que exista esse propósito, teríamos o crime do artigo 215-A, do CP, que admite (em tese) todas as modalidades de flagrante previstas no artigo 302, do CPP, de modo que qualquer do povo poderia, e a autoridade policial e seus agentes deveriam, prendê-lo em flagrante delito (artigo 301, do CPP:

  • flagrante facultativo e flagrante obrigatório, respectivamente), encaminhando-o à autoridade policial para os procedimentos de praxe (artigos 304 e seguintes do CPP).

Vejam que interessante, além de acionar a polícia, qualquer pessoa que estivesse por ali e presenciasse a conduta, incluindo a própria vítima, poderia efetuar o flagrante, é dizer, capturar o rapaz e encaminhá-lo à presença do Delegado de Polícia.

Conduta do Delegado

Ao receber o preso, o Delegado deve lavrar o auto de prisão em flagrante, verificando se a custódia foi regular. E essa regularidade pressupõe a análise sobre a prova da existência do crime, indícios de autoria e, ainda, se a prisão ocorreu numa das situações do artigo 302, do CPP.

Após, o próximo passo seria a expedição de nota de culpa, comunicações, e encaminhamento do auto ao judiciário para a realização da audiência de custódia.

Atenção, pois nessa hipótese não poderia a autoridade policial arbitrar fiança, já que a pena máxima abstratamente cominada ao crime suplanta o limite de 4 anos, cabendo exclusivamente ao magistrado o seu arbitramento, se for o caso. reconhecimento peniano

Ok. Agora imaginem que a vítima tenha dúvidas quanto a autoria da infração. Isso pode ocorrer?

Sim. Nesse caso, não caberia a lavratura do flagrante, senão a liberação do suspeito e a instauração de inquérito por meio de portaria, para que fossem adotadas as diligências necessárias ao esclarecimento dos fatos.

Diligências cabíveis

Quais seriam as diligências cabíveis?

Temos no Código de Processo Penal um rol aberto das provas que podem ser utilizadas, previsão tomada de empréstimo do CPC, que, em seu artigo 369, dispõe que “As partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz”.

Provas admitidas

Todas as provas são admitidas, desde que não sejam ilegais. A ilegalidade (em sentido amplo) conduz à inadmissibilidade da prova, levando à regra da exclusão (a prova inadmissível deve ser desentranhada dos autos, não podendo servir à formação do convencimento do juiz).

Nesse aspecto, é bom lembrar da necessidade de observância também das situações que se submetem à cláusula de reserva jurisdicional: aquelas matérias que somente podem ser deferidas pelo juiz, como por exemplo o contido no artigo 3º-B, XI, do CPP:

  • a) interceptação telefônica, do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática ou de outras formas de comunicação;
  • b) afastamento dos sigilos fiscal, bancário, de dados e telefônico; 
  • c) busca e apreensão domiciliar;
  • d) acesso a informações sigilosas;
  •  e) outros meios de obtenção da prova que restrinjam direitos fundamentais do investigado.

Reconhecimento de pessoas

O CPP contempla o reconhecimento de pessoas e coisas como prova (mas não o reconhecimento peniano), conforme artigos 226/228, que trazem minudente disciplina sobre o procedimento a ser adotado.

Esse procedimento foi alvo de muita discussão jurisprudencial no âmbito do STJ. As providências do artigo 226, antes tidas como meras formalidades, passaram a ser de observância obrigatória, sob pena de nulidade da prova.

Resultou, inclusive, na edição da Resolução 484, do CNJ, que estabelece etapas a serem seguidas pela autoridade: entrevista prévia com a vítima ou testemunha para a descrição da pessoa investigada ou processada, alinhamento de pessoas ou fotografias padronizadas a serem apresentadas à vítima ou testemunha para fins de reconhecimento, dentre outras.

Reconhecimento peniano

Não temos em nosso ordenamento o “reconhecimento peniano”. Poderíamos pensar, nesse caso, na aplicação analógica do reconhecimento pessoal, caso em que recomendável a adoção dos procedimentos previstos no ato do CNJ, o que seria absolutamente estranho.

Por outro lado, o artigo 369, do CPC, faz ressalva expressa de que o meio empregado deve ser “moralmente legítimo”, e aí vem a pergunta: seria esse reconhecimento um meio moralmente legítimo? E mais, seria a providência útil a que os policiais verificassem se o órgão correspondia ao descrito pela ofendida?

Reflexão para o leitor

Deixamos essas reflexões para você, leitor. Mas o mais importante disso tudo foi que você conseguiu, a partir de uma matéria inusitada, estudar institutos de direito penal e processual penal.

Ah, e antes que me esqueça. A matéria diz também que o suspeito anunciou que não seria possível que ele tivesse adotado essa conduta, pois usava um macaquinho. Porém, ainda assim, foi feita a diligência. Parece-nos que há evidente constrangimento em submeter alguém a um reconhecimento dessa natureza.

Desta forma, violado direito e causado dano, ainda que exclusivamente moral, resta caracterizado o ilícito (artigo 186, do CC), passível de reparação, na forma do artigo 927, do CC.

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