A inadmissão da apelação pelo juízo de primeiro grau e a medida processual cabível: análise do tema 1267/STJ

A inadmissão da apelação pelo juízo de primeiro grau e a medida processual cabível: análise do tema 1267/STJ

Introdução

O Código de Processo Civil (CPC) de 2015 introduziu significativa modificação no sistema recursal, ao estabelecer, em seu artigo 1.010, § 3º, que o juízo de admissibilidade da apelação seria realizado exclusivamente pelo tribunal, diferentemente do que ocorria sob a égide do CPC/1973, onde tal análise era bipartida.

Contudo, a despeito dessa clara diretriz normativa, observou-se na prática forense que magistrados de primeiro grau continuaram, indevidamente, a exercer juízo negativo de admissibilidade, obstando o processamento de apelações.

Diante dessa persistente anomalia procedimental, surgiu um cenário de incerteza jurídica quanto à medida processual adequada para combater tal proceder. Isso motivou a afetação da questão ao rito dos recursos repetitivos pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

O presente artigo objetiva analisar o Tema 1267/STJ, fixado no julgamento do REsp 2.072.867/MA, que pacificou a controvérsia ao definir qual instrumento processual é cabível contra decisão do juiz de primeiro grau que, exercendo juízo de admissibilidade, não admite apelação.

Contextualização histórica: do CPC/1973 ao CPC/2015

O sistema recursal no CPC/1973

No regime processual anterior, o magistrado de primeiro grau detinha competência expressa para exercer juízo de admissibilidade da apelação.

O art. 518 do CPC/1973 previa que, interposta a apelação, o juiz declararia os efeitos em que a recebia e mandaria dar vista ao apelado para responder.

Além disso, o § 1º do referido dispositivo estabelecia a chamada “súmula impeditiva de recurso”. Ela autorizava o juiz a não receber o recurso de apelação quando a sentença estivesse em conformidade com súmula do STJ ou do STF.

O novo paradigma do CPC/2015

A partir da vigência do CPC/2015, houve uma opção legislativa por unificar o juízo de admissibilidade da apelação. Eliminou-se, assim, a etapa prévia realizada pelo juízo a quo.

De acordo com o § 3º do artigo 1.010, "após as formalidades previstas nos §§ 1º e 2º, os autos serão remetidos ao tribunal pelo juiz, independentemente de juízo de admissibilidade".

A mudança visou dar maior celeridade ao procedimento recursal. Dessa forma, se evitaria a interposição de agravo de instrumento contra decisões que não admitiam apelação e reduziria o número de recursos e otimizando a prestação jurisdicional.

O caso concreto que originou o Tema 1267/STJ

O Tema 1267/STJ originou-se de situação processual ocorrida no Tribunal de Justiça do Maranhão. O caso envolvia um advogado que pleiteou o cumprimento individual de sentença coletiva relacionada a honorários de sucumbência.

Em síntese, o profissional optou por fracionar a totalidade da verba honorária (à qual tinha direito em razão da procedência de ação coletiva) pelo número de professores substituídos pelo sindicato, ajuizando cumprimentos de sentença distintos.

O juízo de primeiro grau extinguiu o cumprimento de sentença sem resolução de mérito, fundamentando sua decisão no Tema 1.142/STF ("Os honorários advocatícios constituem crédito único e indivisível, de modo que o fracionamento da execução de honorários advocatícios sucumbenciais fixados em ação coletiva contra a Fazenda Pública, proporcionalmente às execuções individuais de cada beneficiário, viola o § 8º do art. 100 da Constituição Federal").

Contra essa sentença, o advogado interpôs apelação.

Contudo, o magistrado de primeiro grau, a despeito da previsão do art. 1.010, § 3º, do CPC, negou seguimento ao recurso. Por isso, determinou o arquivamento dos autos.

Diante desse cenário, o advogado apresentou correição parcial ao TJMA com amparo no art. 686 de seu Regimento Interno. O Tribunal não a conheceu sob o fundamento de que o recurso cabível seria o agravo de instrumento, nos termos do parágrafo único do art. 1.015 do CPC.

As medidas processuais aventadas e a divergência doutrinária e jurisprudencial

A falta de previsão normativa específica sobre o meio de impugnação adequado contra a decisão do juiz que inadmite apelação gerou intenso debate na doutrina e jurisprudência. Assim, quatro possíveis medidas processuais acabaram sendo aventadas:

Reclamação (Art. 988, I, do CPC)

Uma primeira corrente defendia o cabimento de reclamação, com fundamento no art. 988, I, do CPC, por entender que a inadmissão da apelação pelo juízo a quo caracterizaria usurpação da competência do tribunal.

Nesse sentido, o Fórum Permanente de Processualistas Civis chegou a editar o Enunciado nº 207:

"Cabe reclamação, por usurpação da competência do tribunal de justiça ou tribunal regional federal, contra a decisão de juiz de 1º grau que inadmitir recurso de apelação".

Agravo de Instrumento (Art. 1.015 do CPC)

Uma segunda vertente sustentava o cabimento de agravo de instrumento.

Para os que defendiam essa tese, haveria duas possibilidades de fundamentação:

a) Se a decisão fosse proferida em fase de liquidação, cumprimento de sentença, execução ou inventário, o cabimento estaria amparado no parágrafo único do art. 1.015 do CPC;
b) Se a decisão fosse proferida na fase de conhecimento, o cabimento decorreria da aplicação da tese fixada no Tema 988/STJ ("O rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação").

Correição Parcial

Uma terceira corrente defendia o cabimento de correição parcial. Este é um sucedâneo recursal previsto nos regimentos internos de diversos tribunais, destinado a corrigir erro ou abuso que importasse em inversão tumultuária da ordem processual, quando não houvesse recurso específico.

Mandado de Segurança

Por fim, também era cogitada a impetração de mandado de segurança contra o ato judicial, à luz da teratologia da decisão que negava seguimento à apelação em afronta direta ao texto legal.

A tese fixada no Tema 1267/STJ

Após amplo debate, a Corte Especial do STJ, no julgamento do REsp 2.072.867/MA, firmou as seguintes teses jurídicas para o Tema 1267:

1. "A decisão do juiz de primeiro grau que obsta o processamento da apelação viola o § 3º do artigo 1.010 do CPC, caracterizando usurpação da competência do Tribunal, o que autoriza o manejo da reclamação prevista no inciso I do artigo 988 do CPC;"

2. "Na hipótese em que o juiz da causa negar seguimento à apelação no âmbito de execução ou de cumprimento de sentença, também será cabível agravo de instrumento, por força do disposto no parágrafo único do artigo 1.015 do CPC."

3. "Modulação: Até a data da publicação dos acórdãos referentes ao Tema Repetitivo n. 1.267/STJ, é possível, com base no princípio da fungibilidade e em caráter excepcional, o recebimento da correição parcial (ou do agravo de instrumento previsto no caput do artigo 1.015 do CPC ou de mandado de segurança) como a reclamação apta a impugnar a decisão do juiz de primeiro grau que inadmite a apelação, desde que não tenha ocorrido o seu trânsito em julgado."

Análise crítica da tese do Tema 1267/STJ

A reclamação como instrumento principal

Em breve síntese, a opção pela reclamação como instrumento processual principal para impugnar a inadmissão de apelação pelo juízo a quo está em consonância com a natureza jurídica da violação processual.

Com efeito, ao negar seguimento à apelação, o juiz de primeiro grau usurpa competência que é exclusiva do tribunal, qual seja, a de realizar o juízo de admissibilidade recursal.

A reclamação, nos termos do art. 988, I, do CPC, é precisamente o instrumento previsto para preservar a competência de tribunal quando houver usurpação por autoridade judiciária ou administrativa.

Além disso, sua tramitação é célere e sua decisão, quando procedente, implica a cassação da decisão exorbitante e a adoção de medida adequada à solução da controvérsia, nos termos do art. 992 do CPC.

O agravo de instrumento no âmbito da execução

No tocante à segunda tese, o STJ reconheceu que, no âmbito da execução, do cumprimento de sentença ou da liquidação, além da reclamação, também é cabível o agravo de instrumento, conforme previsão expressa do parágrafo único do art. 1.015 do CPC.

Isto porque, tal posicionamento reconheceu a existência de uma duplicidade de vias impugnativas nas fases executivas, privilegiando a especificidade da previsão normativa que determina a recorribilidade imediata de todas as decisões interlocutórias proferidas nesses procedimentos.

A modulação dos efeitos da decisão

Por fim, a terceira tese estabeleceu uma modulação temporal dos efeitos da decisão. Reconheceu-se que havia fundada dúvida objetiva sobre o meio processual adequado para impugnar a decisão que inadmite apelação.

Ora, ao aplicar o princípio da fungibilidade, o STJ demonstrou sensibilidade para com a segurança jurídica e para com as expectativas legítimas dos jurisdicionados que, antes da pacificação da controvérsia, utilizaram outros meios processuais que não a reclamação.

Concluindo

Reclamação

Em resumo, segundo o entendimento da Corte Especial, a decisão do juiz a quo que barra o processamento da apelação viola o §3º do artigo 1.010 do CPC/153. Caracteriza, assim, usurpação de competência do tribunal autorizando assim, o manejo da reclamação, conforme prevista no inciso I do art. 988.

Por outro lado, se a negativa de seguimento se der no âmbito de execução ou cumprimento de sentença, além da reclamação ainda caberá a interposição de agravo de instrumento, nos termos do parágrafo único do artigo 1.015 do CPC.

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