Explicação
A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o AgRg no AREsp 2.712.504-MG (DJEN 15/09/2025), enfrentou relevante controvérsia no campo do direito penal: se a receptação qualificada pode ser imputada a corréus que, embora tenham concorrido para o crime, não sejam proprietários nem exerçam atividade comercial no local onde os bens foram receptados.
O Tribunal de origem havia entendido que a receptação qualificada (art. 180, § 1º, do Código Penal) não poderia ser aplicada a todos os envolvidos, limitando sua incidência à corré que era proprietária do estabelecimento comercial e exercia a atividade de forma habitual. Aos demais acusados, que participaram da prática delitiva mas não eram comerciantes, foi mantida a condenação apenas pelo tipo simples de receptação (art. 180, caput, do CP).
Contudo, o STJ reformou esse entendimento: A Corte reconheceu que todos os corréus atuaram em concurso de agentes, com divisão de tarefas e liame subjetivo. Sendo assim, os elementos típicos da receptação qualificada — como o exercício de atividade comercial — devem ser comunicados a todos os envolvidos, nos termos do art. 30 do Código Penal, por se tratar de elementar do tipo penal e não de circunstância de caráter pessoal.
Portanto, mesmo que apenas um dos réus explore formalmente o comércio em que os bens foram receptados, os demais partícipes também respondem pelo tipo qualificado, desde que tenha havido concurso de vontades e contribuição efetiva ao resultado comum.
Aspectos jurídicos relevantes
Para compreender o alcance da decisão, é necessário distinguir receptação simples (caput do art. 180 do CP) e receptação qualificada (§ 1º do mesmo artigo).
Receptação
- Receptação comum (art. 180, caput, CP): “Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte.”
Essa modalidade é punível com pena de reclusão de 1 a 4 anos, e multa, e se caracteriza por uma conduta pontual, sem habitualidade ou vínculo com atividade econômica.
- Receptação qualificada (art. 180, § 1º, CP): “Adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar, montar, remontar, vender, expor à venda, ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, coisa que deve saber ser produto de crime.”
Aqui, a reprovabilidade da conduta é agravada porque o agente atua como elo sistemático da cadeia criminosa, utilizando-se de estrutura comercial ou industrial para fazer circular bens ilícitos. A pena é reclusão de 3 a 8 anos, e multa.
Trata-se, portanto, de um tipo derivado.
A diferença entre as duas modalidades não está apenas na pena, mas na gravidade da conduta e no contexto em que ela se insere: Enquanto a receptação comum pode ser praticada por qualquer pessoa, a qualificada pressupõe que o agente utilize a atividade econômica como meio de execução.
Comunicação da elementar
Nesse contexto, o STJ examinou se essa elementar da receptação qualificada — “no exercício de atividade comercial ou industrial” — deve ser exigida individualmente de cada um dos corréus, ou se, uma vez presente no crime, ela se comunica a todos os envolvidos.
A resposta veio com base na aplicação dos arts. 29 e 30 do Código Penal. O art. 29 consagra a teoria monista, segundo a qual todos os que concorrem para o crime respondem por ele, na medida de sua culpabilidade. O art. 30, por sua vez, esclarece que as elementares do crime comunicam-se entre os corréus, ao contrário das condições de caráter pessoal, que são incomunicáveis.

A jurisprudência do STJ reafirmou que, no caso julgado, estavam presentes os requisitos do concurso de pessoas: pluralidade de agentes, unidade de desígnios e relevância causal das condutas. Assim, mesmo que apenas uma das corrés explorasse formalmente o comércio, todos os participantes devem responder pela receptação qualificada, pois concorreram para o mesmo delito, dotado dessa elementar típica.
Logo, exigir que cada coautor comprove vínculo comercial para responder pelo § 1º do art. 180 contraria a lógica do concurso de agentes e da própria definição do tipo penal qualificado.
Consequências
A decisão do STJ no AgRg no AREsp 2.712.504-MG reforça a compreensão de que a receptação qualificada é um tipo penal derivado, cuja elementar — o exercício de atividade comercial ou industrial — se comunica entre os agentes, desde que presente a coautoria.
Esse entendimento tem reflexos diretos na responsabilização penal em crimes praticados em concurso de agentes. Evita-se, assim, que coautores escapem da responsabilização mais gravosa apenas porque não figuram formalmente como sócios ou gestores do negócio.
Além disso, o julgado fortalece a correta aplicação do art. 30 do Código Penal, distinguindo circunstâncias pessoais incomunicáveis (como antecedentes criminais, idade, motivação individual) de elementares típicas, que integram a própria definição legal do crime e, por isso, se comunicam a todos os coautores.
Como isso vai cair na sua prova?
Com relação ao crime de receptação qualificada e o concurso de agentes, assinale a alternativa correta:
a) A receptação qualificada exige que todos os envolvidos sejam comerciantes ou exerçam atividade industrial.
b) O exercício de atividade comercial é uma circunstância pessoal, não se comunicando aos demais corréus.
c) A elementar “atividade comercial” comunica-se aos corréus quando há concurso de agentes e unidade de desígnios.
d) Cada partícipe deve responder apenas pela forma de receptação que se adequa à sua posição no fato.
e) A receptação qualificada é apenas uma majorante, e não um tipo penal derivado.
Gabarito: c)
Justificativa:
Nos termos do art. 30 do Código Penal e da decisão do STJ no AREsp 2.712.504-MG, a elementar do tipo penal qualificado se comunica entre os coautores, desde que estejam presentes os pressupostos do concurso de pessoas. A receptação qualificada é um tipo penal autônomo, e não se exige que todos os réus sejam formalmente comerciantes.
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