Racismo estrutural ou piada de mau gosto nas Olimpíadas?

Racismo estrutural ou piada de mau gosto nas Olimpíadas?

Ministério do Esporte faz post considerado racista sobre delegação brasileira na abertura dos Jogos Olímpicos.

* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.

A postagem

O Ministério do Esporte publicou, no dia da abertura das Olimpíadas, uma imagem considerada por muitos de cunho racista em alusão à delegação brasileira nos Jogos Olímpicos.

Racismo

A publicação feita na rede social X (antigo Twitter) mostrava um macaco, com um chapéu, dentro de uma embarcação. “Todo mundo aguardando o nosso barco”, dizia o post, que acompanhava um emoji com a bandeira do Brasil.

A postagem fez referência ao desfile das delegações na cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos, que aconteceu em Paris, haja vista que os atletas participaram do desfile em barcos no rio Sena.

Logo após a repercussão negativa a publicação foi apagada, e o Ministério do Esporte afirmou que ela foi um erro e lamentou o ocorrido. Segundo a pasta, a imagem tem “conotação insensível e ofensiva”. Prossegue a nota:

“Entendemos que a imagem carrega conotações racistas históricas e perpetua estereótipos prejudiciais. O Ministério do Esporte reconhece que essa publicação foi um erro grave e incompatível com os valores que defendemos. Lamentamos profundamente por qualquer ofensa causada e estamos empenhados em garantir que algo semelhante não ocorra novamente…

O Ministério está implementando medidas rigorosas para garantir que nossa comunicação institucional seja sempre guiada por princípios de respeito, inclusão e diversidade. Estamos revisando nossos processos internos e oferecendo treinamento contínuo a nossa equipe para garantir que todas as nossas comunicações futuras reflitam nosso compromisso com a justiça social e a igualdade”.

Ademais, a pasta informou que demitiu a pessoa responsável pelo post e abriu um processo administrativo disciplinar (PAD) para apurar o caso.

Posteriormente o ministro do Esporte, André Fufuca, que está em Paris para acompanhar os Jogos Olímpicos, arrematou no X:

“Reitero minha posição de total repúdio a atitudes e ações racistas e discriminatórias no Ministério do Esporte e em qualquer outro lugar. Finalizo dizendo que todos aqueles funcionários que cometerem atos semelhantes serão imediatamente demitidos.”

Muitos internautas ficaram revoltados com a postagem, afirmando que o grande destaque do Brasil na abertura dos jogos foi esse vexame, com os próprios brasileiros se comparando a macacos.

O Brasil sofre desde a sua fundação com o racismo, em especial no período de vigência da escravidão, que teve sua abolição oficialmente em 13 de maio de 1888, quando a princesa Isabel assinou a Lei Áurea.

Mas os efeitos nefastos da discriminação racial em nosso país se arrastam até hoje, o que motiva e reforça a necessidade da luta contra essa prática que insiste em nos envergonhar, e que acaba se consolidando como um racismo estrutural.

Racismo estrutural

O que é o racismo estrutural? Vejamos:

O racismo estrutural consiste em uma cultura enraizada de discriminação racial por toda a sociedade, relegando os negros a uma situação de inferioridade social, econômica, política. Ou seja, é o racismo que está impregnado em todas as estruturas da sociedade, tais como instituições, consciente coletivo, arte, academia, esporte. O racismo estrutural não se manifesta, necessariamente, através de atos isolados de discriminação ou de preconceito, mas decorre de um processo histórico discriminatório que é alimentado pela falta de políticas públicas voltadas a inclusão de pessoas negras no protagonismo social.

Essa luta contra o racismo se intensificou após a Constituição Federal de 1988, quando foi incluído o crime de racismo como inafiançável e imprescritível. Outro avanço é o advento da Lei 11.645/2008, que tornou obrigatório o estudo da história e cultura indígena e afro-brasileira nas escolas.

CF/88

Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:

...

VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo;

...

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

...

XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;
Lei nº 9.394/96

Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena. (Redação dada pela Lei nº 11.645, de 2008).

§ 1º O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil. (Redação dada pela Lei nº 11.645, de 2008).

A Lei nº 7.716/89 é conhecida como a Lei do Crime Racial, pois ela define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor.

Além disso, a Lei nº 14.532/2023 equiparou a injúria racial ao crime de racismo, alterando a Lei do Crime Racial e o Código Penal para tipificar como racismo a injúria racial. A mudança aprofunda a ação de combate ao racismo, criando elementos para interpretação dos contextos e evidenciando algumas modalidades de racismo que não eram evidentes.

“A agressão a atletas, juízes, torcedores e torcidas, em um ambiente de prática de esportes, é compreendido como racismo esportivo. O deboche ou as piadas ofensivas disfarçadas de humor caracterizam o racismo recreativo. O preconceito e a desqualificação das religiões afrobrasileiras é racismo religioso.”1

Portanto, atitudes racistas já são, por si só, detestáveis. Mas quando praticadas por agentes públicos, através da comunicação governamental, é ainda pior, haja vista que o Poder Público tem o poder-dever de liderar esse processo de conscientização pública e de combate ao racismo.

Que o episódio nos sirva de lição para não tolerarmos mais gestos, piadas, olhares, condutas, que, mesmo sem percebermos de forma consciente, sejam discriminatórios, vexatórios ou humilhantes contra quem quer que seja.

O tema não poderia ser mais atual, e é uma ótima pedida para provas discursivas de direito constitucional, direitos humanos e direito penal. Fiquem atentos!


  1. Disponível em: <1 https://www.gov.br/secom/pt-br/assuntos/noticias/2023/01/lei-que-tipifica-injuria-racial-como-crime-de-racismo-entra-em-vigor>. ↩︎

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