MP quase nunca pede absolvição porque quase nunca o réu merece

MP quase nunca pede absolvição porque quase nunca o réu merece

“MP quase nunca pede absolvição porque quase nunca o réu merece”. Essa foi a frase dita pelo Min. Alexandre de Moraes no julgamento do Tema 1087, no qual se discute a possibilidade de o MP interpor recurso contra decisão absolutória no tribunal do júri.

O Ministério Público (MP)

Vamos lá! O MP é uma função essencial à justiça, ao lado das Advocacias Pública e Privada, e da Defensoria Pública. É instituição permanente, responsável pela defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis

O MP detém parcela da soberania estatal justamente porque lhe foi reservada a função de promover, privativamente, a ação penal pública. Trata-se de poder-dever da instituição (ou obrigação funcional) e que não se reduz ao simples oferecimento da denúncia, abrangendo, é certo, a atuação em todas as etapas da persecução penal, levando o processo aos seus ulteriores termos.

O membro do MP recebe os autos da investigação, quando não é ele o próprio investigante, e é o responsável por deliberar a respeito dos rumos da persecução, decidindo se pede o arquivamento, se propõe alguma solução negociada, nas hipóteses em que cabível, ou ainda se oferece denúncia. E no curso do processo, cabe a ele propor provas, argumentar, interpor recursos etc.

Princípio da obrigatoriedade

Nas ações penais públicas temos o princípio da obrigatoriedade, significando que o MP não pode escolher entre denunciar ou não. Diante de elementos indicativos de materialidade e autoria, e não sendo o caso de oferecimento de algum acordo, ele é obrigado a denunciar. 

E vejam: nesse momento ele já realiza um filtro para evitar acusações infundadas, examinado o expediente investigatório para só então, se for o caso, provocar o Judiciário. 

Além disso, o MP não pode desistir da ação penal que houver proposto (artigo 42, do CPP). Isso não significa que ele esteja vinculado à solução condenatória, consoante se depreende da leitura do artigo 385, do CPP.

É que, antes de ser parte, o MP é fiscal da ordem jurídica, interessando-lhe tanto e na mesma medida, a condenação do culpado, quanto a absolvição do inocente.

Percebe-se, assim, um equívoco na afirmação de que o Promotor de Justiça é um Promotor de Acusação - e isso também é referido na fala do Ministro. 

Ele não é obrigado a sustentar uma acusação a qualquer custo. Ao contrário, deve-se observar os elementos de informação contidos no inquérito para decidir se deve ou não oferecer denúncia. Ao fim da instrução, deve-se analisar as provas constantes dos autos para decidir se vai ou não pedir a condenação.

Diz-se que o MP é parte apenas em sentido formal, pois, embora ocupe o polo ativo da relação processual, ele nem sempre defende uma tese de quem ocupa essa posição, diferentemente do que sucede no cível. Trata-se de uma parte imparcial, que não se vincula ao pedido inicial.

Não é raro que Promotores e Procuradores formulem pedidos absolutórios nos feitos em que oficiem, no entanto, desde que numa das situações do artigo 386, do CPP, que cuida da sentença absolutória.

Sobre a fala do Ministro

Quase nunca

Mas então, de onde vem a afirmação do Ministro, que já foi membro do Ministério Público, no sentido de que “quase nunca o réu merece”.

A sua fala se dá, ao que tudo indica, no sentido de que pedidos de absolvição no Júri são menos recorrentes. Isso se deveria ao fato de que temos ali dois importantes filtros que impedem que acusações infundadas sejam submetidas a júri.

O primeiro deles ocorre por ocasião do recebimento da denúncia. O juiz verifica se estão presentes os requisitos da denúncia (artigo 41) e se estão ausentes as situações do artigo 395, incluindo aqui a justa causa, que levam à rejeição da denúncia.  

O segundo, ainda mais rigoroso, ocorre com o judicium accusationis que é a primeira fase do júri. Vamos lembrar que essa etapa, que antecede o plenário do júri, desenvolve-se quase que nos moldes do procedimento ordinário: sob o manto das garantias constitucionais, possibilitando-se que a defesa alegue as teses que julgar pertinentes, produção de provas etc. 

Há uma necessária maturação das teses e das provas para a formação do convencimento do juiz. O seu escrutínio é rigorosíssimo, não havendo espaço mais à afirmação de que, em caso de dúvida, deve o juiz pronunciar (o famigerado in dubio pro societate). O STJ tem afirmado a aplicação, nesse momento processual, do standard probatório da prova clara e convincente.

Depois de passar por esses dois filtros, pode-se afirmar que ficam retidas eventuais acusações infundadas. Assim, pode o juiz impronunciar o acusado (artigo 414), absolvê-lo sumariamente (artigo 415), ou ainda desclassificar a infração (artigo 419).

Dessa forma, ao afirmar que “os réus quase nunca merecem” parece-nos que o sentido que se deve atribuir à fala é que, depois de dois filtros rigorosos, e ainda uma avaliação inicial do MP acerca do oferecimento da denúncia (quando recebe os autos da investigação), quase não sobra espaço para pedidos de absolvição, que podem até ser pouco frequentes, mas possíveis, diante desse caráter peculiar do MP.

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