Brasil ratifica Protocolo da OIT contra o trabalho forçado

Brasil ratifica Protocolo da OIT contra o trabalho forçado

* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.

Ratificação do Protocolo

O Brasil ratifica Protocolo da OIT e reforça combate ao trabalho forçado. O Senado Federal aprovou o Projeto de Decreto Legislativo (PDL 323/2023) que ratifica o Protocolo de 2014 à Convenção nº 29 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre o Trabalho Forçado. O expediente, já aprovado anteriormente pela Câmara dos Deputados, segue agora para promulgação.

OIT (Organização Internacional do Trabalho)

É uma agência especializada das Nações Unidas que se dedica à promoção da justiça social e dos direitos humanos e trabalhistas internacionalmente reconhecidos. A OIT busca garantir que homens e mulheres tenham acesso a um trabalho decente e produtivo, em condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade.

A OIT possui uma estrutura tripartida, envolvendo representantes de governos, empregadores e trabalhadores de seus estados-membros. Essa estrutura permite que as decisões e políticas da OIT sejam tomadas de forma equilibrada, considerando os interesses de todas as partes envolvidas no mundo do trabalho.

A OIT foi fundada em 1919, e vem desempenhando um papel fundamental na formulação de normas internacionais do trabalho, no desenvolvimento de políticas e na implementação de programas que promovem o trabalho digno.

Com essa medida, o Brasil reafirma seu compromisso com a erradicação de formas modernas de escravidão, como o tráfico de pessoas e a exploração de trabalhadoras e trabalhadores em condições degradantes.

Adequação à realidade contemporânea

O Protocolo de 2014, adotado durante a 103ª Conferência Internacional do Trabalho, atualiza a Convenção 29 da OIT, de 1930, adequando-a à realidade contemporânea.

O documento é importante porque:

  • Propõe medidas eficazes de prevenção e proteção às vítimas;
  • Propõe ações contra o recrutamento fraudulento;
  • Propõe campanhas educativas; e
  • Destaca especialmente a vulnerabilidade de mulheres, meninas, trabalhadores migrantes e crianças.

Portanto, o Protocolo também incorpora a perspectiva de gênero, ao reconhecer a maior vulnerabilidade de mulheres e meninas, e estabelece medidas específicas de proteção a crianças.

O ministro Augusto César, coordenador do Programa de Enfrentamento ao Trabalho Escravo, Tráfico de Pessoas e Proteção ao Trabalho do Migrante da Justiça do Trabalho, destacou:

“O protocolo exige um compromisso mais robusto dos Estados-membros com a prevenção. Isso respalda e amplia a atuação das instituições que já estão na linha de frente, como a auditoria fiscal, o Ministério Público do Trabalho e a Polícia Federal.”

Com essa ratificação, o Brasil se junta a outros 61 países que também assumiram formalmente o compromisso de implementar o Protocolo de 2014 e se submeter ao sistema de supervisão da OIT, reforçando seu papel na luta global contra a escravidão moderna.

Ademais, por se tratar de um instrumento juridicamente vinculante, que impõe obrigações claras aos países que o ratificam, incluindo ações de prevenção, proteção às vítimas, reparação e cooperação internacional, o país tem o dever de observar e implementar suas diretrizes.

Assim, o Protocolo de 2014 da OIT estabelece que os países-membros devem:

  • Adotar medidas eficazes para prevenir e eliminar o trabalho forçado;
  • Proteger as vítimas e garantir seu acesso à justiça e à reparação, inclusive compensações;
  • Aplicar sanções aos responsáveis;
  • Desenvolver políticas nacionais com consulta a organizações de empregadores e de trabalhadores;
  • Combater práticas abusivas no recrutamento, especialmente de migrantes;
  • Promover campanhas educativas e ações de devida diligência nos setores público e privado;
  • Assegurar que vítimas não sejam punidas por atos cometidos sob coerção;
  • Fortalecer a cooperação internacional na erradicação do trabalho forçado.

Pontos relevantes acerca do trabalho forçado

Legitimidade ativa do Ministério Público do Trabalho

O artigo 127, da CF, confere ao Ministério Público a competência para defender interesses sociais e individuais indisponíveis.

CF/88

Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

E a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho é firme no sentido de reconhecer que o Ministério Público do Trabalho detém legitimidade para ajuizar ação civil pública para tutelar interesses difusos, direitos coletivos e individuais homogêneos, desde que demonstrada relevância social da defesa de direitos assegurados constitucionalmente.

Conferir (ED-AIRR-213-47.2019.5.08.0016, 7ª Turma, Relator Ministro Claudio Mascarenhas Brandao, DEJT 14/06/2024).

Prescrição

Não se aplica a prescrição em relação ao trabalho escravo e tráfico de pessoas. Isso porque tais práticas ofendem gravemente o núcleo duro dos direitos humanos que o Estado Brasileiro se comprometeu a respeitar perante a comunidade internacional, motivo pelo qual, consoante entendimento já consolidado na Corte Interamericana de Direitos Humanos, os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras vitimados/sobreviventes são indisponíveis.

Reconhecimento do trabalho escravo

O código penal tipifica como crime de “Redução a condição análoga à de escravo” o fato de “Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto”. A pena-base é de reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência.

Portanto, os elementos que caracterizam o crime de escravidão moderna são:

  • Submissão a trabalhos forçados;
  • Submissão a jornadas exaustivas;
  • Sujeição a condições degradantes de trabalho; e
  • Restrição de locomoção do trabalhador.

Não é necessária a cumulação de todos os quatro requisitos acima. Basta um deles para a configuração do trabalho escravo.

Escravo contemporâneo é todo aquele submetido a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, a condições degradantes de trabalho ou que tenha seu direito de locomoção cerceado pelo empregador.

Há, ainda, a Instrução Normativa 2 do Ministério do Trabalho e Previdência, que dispõe sobre os procedimentos os quais a Auditoria-Fiscal do Trabalho deve observar nas situações elencadas, em especial os arts. 23 e 24:

Art. 23. Considera-se em condição análoga à de escravo o trabalhador submetido, de forma isolada ou conjuntamente, a:

I - trabalho forçado;

II - jornada exaustiva;

III - condição degradante de trabalho;

IV - restrição, por qualquer meio, de locomoção em razão de dívida contraída com empregador ou preposto, no momento da contratação ou no curso do contrato de trabalho; ou

V - retenção no local de trabalho em razão de:

a) cerceamento do uso de qualquer meio de transporte;

b) manutenção de vigilância ostensiva; ou

c) apoderamento de documentos ou objetos pessoais.

Art. 24. Para os fins previstos no presente Capítulo:

I - trabalho forçado é aquele exigido sob ameaça de sanção física ou psicológica e para o qual o trabalhador não tenha se oferecido ou no qual não deseje permanecer espontaneamente;

II - jornada exaustiva é toda forma de trabalho, de natureza física ou mental que, por sua extensão ou por sua intensidade, acarrete violação de direito fundamental do trabalhador, notadamente os relacionados à segurança, saúde, descanso e convívio familiar e social;

III - condição degradante de trabalho é qualquer forma de negação da dignidade humana pela violação de direito fundamental do trabalhador, notadamente os dispostos nas normas de proteção do trabalho e de segurança, higiene e saúde no trabalho;

IV - restrição, por qualquer meio, da locomoção do trabalhador em razão de dívida é a limitação ao direito fundamental de ir e vir ou de encerrar a prestação do trabalho, em razão de débito imputado pelo empregador ou preposto ou da indução ao endividamento com terceiros;


V - cerceamento do uso de qualquer meio de transporte é toda forma de limitação ao uso de meio de transporte existente, particular ou público, possível de ser utilizado pelo trabalhador para deixar local de trabalho ou de alojamento;

VI - vigilância ostensiva no local de trabalho é qualquer forma de controle ou fiscalização, direta ou indireta, por parte do empregador ou preposto, sobre a pessoa do trabalhador que o impeça de deixar local de trabalho ou alojamento; e

VII - apoderamento de documentos ou objetos pessoais é qualquer forma de posse ilícita do empregador ou preposto sobre documentos ou objetos pessoais do trabalhador.

Arcabouço normativo internacional relacionado ao trabalho escravo

No âmbito internacional, podemos citar algumas normas aplicáveis ao combate a escravidão contemporânea.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada pela Assembleia Geral da ONU em 1948, sendo fonte dos sistemas de direitos humanos e o principal regramento de universalização da proteção do ser humano, dispõe, em seus artigos IV e XXIII, que:

Artigo 4

Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas.

Artigo 23

1. Todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.

A Convenção nº 105, da OIT, ratificada pelo Brasil, e promulgada pelo Decreto nº 58.822, de 14/07/1966, obrigam os países signatários a suprimir o trabalho forçado.

Além disso, com a assinatura da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) também foi reforçado o compromisso brasileiro de que “Ninguém poderá ser submetido a escravidão ou servidão e tanto estas como o tráfico de escravos e o tráfico de mulheres são proibidos em todas as suas formas”.

Por fim, o Brasil tem, desde 1995, o compromisso com a erradicação do trabalho escravo, tratando-se de uma política de Estado, e não de governo.

PEC do Trabalho Escravo

Em 2014, tivemos a promulgação da Emenda Constitucional nº 81, conhecida como PEC do Trabalho Escravo, que prevê o confisco de propriedades rurais e urbanas que possuem trabalhadores submetidos à escravidão.

CF/88

Art. 243. As propriedades rurais e urbanas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo na forma da lei serão expropriadas e destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei, observado, no que couber, o disposto no art. 5º.         

Parágrafo único. Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e da exploração de trabalho escravo será confiscado e reverterá a fundo especial com destinação específica, na forma da lei.

Tráfico de pessoas

O tráfico de pessoas concretiza-se por meio de ações que caracterizam o recrutamento, o deslocamento ou acolhimento de pessoas.

Nos termos da legislação, configura-se por meio de ações voltadas a agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa, utilizando-se de formas de coerção, como a força, fraude, engano, abuso, violência ou outras, com o propósito de explorá-las em condições de trabalho análogo ao de escravo, em todas as suas formas, ou para finalidades diversas tais como exploração sexual, remoção de tecidos, órgãos ou partes do corpo ou para fins de adoção ilegal.

Sob o viés da exploração laboral, traduz-se num ato complexo para tirar vantagem injusta do trabalho de uma pessoa. Assim, consubstancia-se pela existência de condições de trabalho inconsistentes com a dignidade humana, particularmente duras e abusivas.

Geralmente o tráfico humano é praticado para fins de exploração sexual, trabalho escravo ou retirada de órgãos ou tecidos.

O que caracteriza o tráfico humano é a retirada da pessoa de seu ambiente (cidade, estado, país), ficando com sua liberdade de locomoção limitada e submetida a exploração (sexual, laboral, retirada de órgãos).

Nesse sentido, a limitação da liberdade é obtida de várias formas, em especial através da retenção de documentos, passaporte, celulares, agressões, ameaças psicológicas, risco de morte de familiares.

A dinâmica do tráfico de pessoas é a seguinte:

Trabalho forçado

No tráfico para trabalho escravo, os aliciadores são chamados de “gatos”, e geralmente fazem propostas irrecusáveis de trabalho.

Conclusão

Infelizmente, ainda é comum encontrar trabalhadores submetidos a condição análoga à escravidão, também conhecida como escravidão contemporânea.

Estima-se que, de 1995 a 2023, foram encontrados 63.516 trabalhadores em condições análogas à escravidão.

Por isso é imprescindível que o Estado brasileiro continue aplicando recursos e esforços no combate a essa praga social que ainda nos aflige, e acaba por ferir de morte a dignidade desses trabalhadores.

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