* Marcos Vinícius Manso Lopes Gomes. Defensor Público do estado de São Paulo. Professor de Direito Constitucional do Estratégia Carreiras Jurídicas.
Entenda o caso
Está em discussão no Congresso Nacional1 o Projeto de Lei nº 1.904/2024, o qual, dentre outras medidas, dispõe que, se a gravidez resultar de estupro e houver viabilidade fetal, presumida em gestações acima de 22 semanas, não se aplicará a excludente de punibilidade prevista no art. 128.
Direito a Vida
A doutrina propõe um duplo sentido do direito a vida, abrangendo não somente o direito de viver (não morrer), bem como o direito de viver dignamente (notadamente garantindo-se o mínimo existencial).
Importante destacar que nem mesmo o direito a vida possui caráter absoluto. A flexibilização ocorre, por exemplo, em casos de legítima defesa, estado de necessidade e em algumas situações envolvendo o aborto, tema que será analisado no presente artigo.
O tema inerente ao aborto está intimamente relacionado ao direito à vida. Vejamos a disciplina existente no Código Penal:
Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento: Art. 124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lhe provoque: Pena - detenção, de um a três anos. Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico: Aborto necessário: I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante; Aborto no caso de gravidez resultante de estupro: II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.
Prazo para o aborto em caso de estupro
Conforme se verifica, atualmente, não existe prazo para a mulher realizar o aborto em caso de estupro. Assim, a legislação penal atual não estabelece limites máximos de tempo gestacional para a realização da interrupção da gestação. Dessa forma, o aborto poderia ser praticado em qualquer idade gestacional, mesmo quando o nascituro já seja viável.
O projeto de lei estabelece que, após a 22ª semana, existiria uma presunção de viabilidade fetal e, por isso, não se aplicará a excludente de punibilidade.
Em seguida, destacaremos alguns dos principais argumentos contrários e favoráveis acerca da imposição de prazo para o aborto. Vejamos:
Argumentos Favoráveis ao Prazo |
Trata-se de uma forma de proteger os direitos das mulheres e o direito a vida do feto, por meio da estipulação de prazo razoável para a realização do aborto. |
O direito à vida possui um peso muito forte na colisão com outros direitos, uma vez que os demais direitos fundamentais pressupõem esse direito, sendo certo que o feto também possui direito à vida, em especial após a 22ª semana. |
A partir da 22ª semana, o feto possui plenas condições em viver fora do útero materno, sendo certo que a Organização Mundial da Saúde define abortamento como interrupção da gravidez antes das 22 semanas de gestação2. |
Argumentos Contrários ao Prazo |
Direitos fundamentais da gestante, tal como a autonomia e o direito ao próprio corpo, existindo uma violação a vedação ao retrocesso social. |
O projeto ignora a complexa realidade social do país, na qual muitas vítimas são forçadas a seguir com a gravidez, seja por conta da idade, seja por medo em denunciar o agressor. |
A proibição do aborto leva as gestantes para um mundo clandestino, colocando em risco a sua vida e saúde, sendo um retrocesso para a saúde pública do país. |
Aborto equiparado a homicídio
Com efeito, o caso é extremamente polêmico e vem gerando inúmeros debates jurídicos, políticos, ideológicos e religiosos.
Além do referido prazo para aborto em caso de estupro, o projeto de lei ainda equipara o aborto praticado após 22 semanas ao homicídio simples. Ademais, o documento também prevê um aumento de pena para o crime.
Nesse sentido, vejamos trechos do projeto:
Art. 2º O art. 124 do Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, passa a vigorar acrescido dos seguintes parágrafos: "Art. 124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque: [...]” “§ 1º Quando houver viabilidade fetal, presumida em gestações acima de 22 semanas, as penas serão aplicadas conforme o delito de homicídio simples previsto no art. 121 deste Código”. “§ 2º O juiz poderá mitigar a pena, conforme o exigirem as circunstâncias individuais de cada caso, ou poderá até mesmo deixar de aplicá-la, se as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária.” Art. 3º O art. 125 do Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafo único: "Art. 125 - Provocar aborto, sem o consentimento da gestante: [...]” Parágrafo único. Quando houver viabilidade fetal, presumida gestações acima de 22 semanas, as penas serão aplicadas conforme o delito de homicídio simples previsto no art. 121 deste Código”. Art. 5º O art. 128 do Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafo único: "Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico: [...]” “Parágrafo único. Se a gravidez resulta de estupro e houver viabilidade fetal, presumida em gestações acima de 22 semanas, não se aplicará a excludente de punibilidade prevista neste artigo. ”
- Disponível em https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2425262&filename=PL%201904/2024. Acesso em 13 de junho de 2024. ↩︎
- Nesse sentido, https://www.me.ufrj.br/images/pdfs/protocolos/obstetricia/abortamento.pdf. Acesso em 13 de junho de 2024. Ou, então, https://www.migalhas.com.br/quentes/409250/camara-aprova-urgencia-para-pl-que-equipara-aborto-a-homicidio. Acesso em 13 de junho de 2024. ↩︎
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