Decisão judicial determina limites à exposição excessiva de crianças nas redes sociais, visando proteger a intimidade, a imagem e o desenvolvimento saudável dos filhos.
* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.

A juíza da 3ª vara da Família de Rio Branco/AC vedou a superexposição do filho pelos pais nas redes sociais, prática conhecida como sharenting.
A decisão, que proibiu os pais de divulgarem imagens do filho nas redes sociais de forma excessiva, tem por objetivo proteger a intimidade e a dignidade do menor.
Sharenting: combinação das palavras inglesas “share” (compartilhar) e “parenting” (paternidade/maternidade), refere-se à prática de pais que compartilham, de forma excessiva, informações, fotos ou vídeos de seus filhos nas redes sociais.
Essa prática, embora possa estar motivada pelo desejo de externar momentos importantes ou alegres da vida familiar, pode trazer riscos à privacidade e segurança das crianças, além de gerar consequências psicológicas.
Dentre os principais riscos à criança exposta ao Sharenting, podemos citar:
- Privacidade e segurança: o conteúdo compartilhado pode cair em mãos erradas, ser usado para fins maliciosos, ou se tornar permanente na internet, mesmo que o pai ou mãe apague a publicação.
- Identidade digital: a exposição excessiva pode afetar a construção da identidade digital da criança, que pode ter sua imagem definida pelos pais, em vez de construí-la por si só.
- Impacto psicológico: crianças podem sofrer bullying, constrangimento ou ter sua privacidade invadida ao terem suas vidas expostas publicamente.
- Riscos de exploração: a exposição excessiva pode aumentar o risco de crianças serem alvo de exploração infantil online, como a distribuição de imagens íntimas ou a criação de perfis falsos.
- Conflitos familiares: a exposição de conflitos intrafamiliares, mesmo que não intencional, pode gerar desconforto e prejudicar o relacionamento da criança com os pais.
Ao prolatar a sentença, a magistrada determinou que a divulgação da imagem do menino deve se limitar ao “normal“, como em datas comemorativas e momentos com a família.
Segundo a juíza, a conduta dos pais configurou o sharenting, prática que compromete a segurança, a honra e a vida privada da criança ao tornar públicas informações de cunho pessoal.
A julgadora destacou:
“Reconheço a prática de sharenting pela requerida, conforme os argumentos expostos na fundamentação, razão pela qual determino a proibição da divulgação da relação paterno-filial, devendo qualquer conflito familiar ser tratado somente no âmbito processual, bem como de divulgação da imagem do filho menor para além do normal, salvo em datas especiais e momentos com a família, sob pena de multa, bem como a avaliação de eventual revisão das condições de guarda e convivência.”
Análise Jurídica – Superexposição de filhos
É dever de todos (família, comunidade, sociedade, poder público) assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida e à saúde de todas as crianças e adolescentes.
Dessa forma, a superexposição do filho pode configurar uma violação desses direitos fundamentais (saúde, vida, privacidade, imagem).
Inclusive o sharenting, em casos extremos, pode chegar a se configurar como descumprimento dos deveres inerentes ao poder familiar.
A autonomia dos pais não é absoluta e essa superexposição do filho pode ser considerada uma forma de abuso da imagem e da privacidade do menor, passível de sanção do Estado, como multa e revisão das condições de guarda e convivência.
Importante ressaltar que a perda e a suspensão do poder familiar serão decretadas judicialmente, em procedimento contraditório, nos casos previstos na legislação, bem como na hipótese de descumprimento injustificado dos deveres e obrigações de sustento, guarda e educação dos filhos menores.
Autonomia dos pais x Direito à Privacidade e Imagem
A autonomia dos pais é um direito garantido pela legislação, mas encontra limites.
Os pais têm o dever de sustento, guarda e educação dos filhos, e devem buscar o melhor interesse da criança, assegurando seus direitos e proteção. A autonomia dos pais, no entanto, não é absoluta e pode ser restringida em casos de abuso, negligência ou quando o bem-estar da criança estiver em risco.
A Constituição Federal protege tanto o direito à liberdade de expressão quanto o direito à privacidade e à imagem.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes...
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
...
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
...
Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
...
§ 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.
Já o artigo 17, do Estatuto da Criança e do Adolescente, prevê que o direito ao respeito do menor consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.
É aqui que a prática do sharenting entra de forma a violar o respeito ao menor, expondo-o a situações vexatórias, degradantes ou perigosas.
“É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.”

Importante:
A liberdade de expressão e a autonomia dos pais, integrante das liberdades públicas, não pode ser exercida de maneira a ofender a dignidade humana do menor.
E para impedir que os pais exponham os filhos de forma excessiva e prejudicial ao seu desenvolvimento, o Conselho Tutelar pode e deve intervir.
O ECA prevê, em seu artigo 13, que os casos de suspeita ou confirmação de castigo físico, de tratamento cruel ou degradante e de maus-tratos contra criança ou adolescente serão obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar da respectiva localidade, sem prejuízo de outras providências legais.
O sharenting pode ser enquadrado como prática prejudicial e degradante, apto a ensejar a atuação do Conselho Tutelar para a proteção dos direitos fundamentais do menor.
Mas o que vem a ser o Conselho Tutelar? Simples:
O Conselho Tutelar é órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente.
As decisões do Conselho Tutelar somente poderão ser revistas pela autoridade judiciária a pedido de quem tenha legítimo interesse.
O tema é atual, e pode ser cobrado em provas de ECA. Portanto, muita atenção!
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