Explicação do caso
Em recente decisão, o STJ manteve a proibição do uso de redes sociais como medida cautelar contra uma investigada que utilizava o Instagram, WhatsApp e Telegram para promover plataformas de jogos de azar.
Ela divulgava links, instruções de acesso e fazia postagens incentivando a participação em atividades ilegais, com isso, auferindo lucro e adquirindo bens. Mesmo após a imposição de medida cautelar anterior — que vedava qualquer tipo de divulgação sobre jogos online — a acusada prosseguiu com a prática, valendo-se de perfis ocultos ou alternativos para contornar a restrição.

A defesa alegou ausência de fundamentação suficiente para a medida, mas os tribunais entenderam que, diante da gravidade concreta da conduta e da reiteração delitiva, a proibição era necessária, adequada e proporcional.
A medida não foi considerada desproporcional nem violadora da liberdade de expressão ou do direito ao trabalho, pois tais garantias constitucionais não são absolutas. Segundo o STJ (AgRg no RHC 183.527/ES, DJe 07/03/2024), é legítima a imposição de medidas cautelares que assegurem a ordem pública e a aplicação da lei penal.
O caso suscita uma importante reflexão sobre os limites das cautelares diversas da prisão e a possibilidade de se impor restrições tecnológicas como forma de evitar a reiteração criminosa, ainda mais em um cenário onde os crimes virtuais têm se sofisticado.
Aspectos jurídicos
Com a minirreforma processual penal de 2011 (Lei 12.403/2011), o modelo de cautela penal deixou de ser bipolar (prisão x liberdade) e passou a adotar uma estrutura tricotômica, também chamada de polimorfologia cautelar.
Assim, além da prisão preventiva, o Código de Processo Penal passou a prever outras medidas alternativas no art. 319, sendo a prisão considerada a ultima ratio, conforme determina o §6º do art. 282 do CPP: “A prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar.”
Nesse contexto, surge a dúvida: o rol do art. 319 do CPP é taxativo ou exemplificativo?
A doutrina e jurisprudência divergem:
• 1ª Corrente (mais restritiva): afirma que apenas as medidas expressamente previstas em lei podem ser aplicadas (passando por madura discussão legislativa), invocando o princípio da legalidade estrita em matéria penal (reserva legal).
• 2ª Corrente (adotada pelo STJ): defende o chamado poder geral de cautela do juiz criminal, inspirado no art. 297 do CPC. Essa visão compreende que o juiz pode aplicar medidas não previstas no rol do art. 319, desde que sejam necessárias, adequadas e proporcionais, como forma de evitar a prisão.
A decisão analisada ilustra esse posicionamento mais flexível, ao manter a proibição do uso de redes sociais como forma de impedir a continuidade da prática criminosa.
Ainda que tal medida não esteja expressamente prevista no art. 319, sua imposição encontra amparo no art. 282, §1º do CPP, que exige que toda cautelar seja necessária, adequada e proporcional, constituindo via alternativa à prisão.
Além disso, não houve violação à liberdade de expressão ou de trabalho, pois, como afirmou o tribunal, não existem direitos absolutos. A restrição buscou tutelar a ordem pública e evitar a reiteração delitiva em ambiente virtual, sendo devidamente fundamentada na gravidade concreta da conduta e no histórico de descumprimento de cautelares anteriores.
Consequências
A decisão reforça uma tendência importante no processo penal contemporâneo: a ampliação das possibilidades de medidas cautelares alternativas à prisão, inclusive por meio de restrições tecnológicas.
Trata-se de uma resposta do Judiciário à crescente sofisticação dos delitos praticados por meios digitais, que exigem instrumentos cautelares adaptados à realidade.
O caso também consolida a interpretação jurisprudencial segundo a qual o juiz criminal pode impor medidas cautelares não expressamente previstas na lei, desde que observados os critérios constitucionais e legais de necessidade, adequação e proporcionalidade (art. 282, CPP). Essa flexibilização permite ao Judiciário reagir com maior eficiência diante de novos tipos de condutas criminosas, sem violar garantias fundamentais.
Por outro lado, a decisão alerta para a importância da fundamentação qualificada na imposição de medidas cautelares, especialmente as que restringem o uso de tecnologias e redes sociais. A banalização dessas restrições pode gerar tensões com direitos fundamentais, como a liberdade de expressão e o exercício profissional.
Por fim, o caso evidencia a transição do sistema processual penal para um modelo mais dinâmico, no qual a prisão não é o único caminho viável e o foco se desloca para o controle de risco e a tutela da coletividade.
Como isso vai cair na sua prova?
Com base na jurisprudência recente e no sistema processual penal brasileiro, assinale a alternativa correta:
a) As medidas cautelares diversas da prisão têm caráter excepcional e não podem restringir direitos fundamentais.
b) O juiz criminal só pode aplicar medidas cautelares previstas taxativamente no art. 319 do CPP.
c) O poder geral de cautela do juiz criminal não é admitido no processo penal, apenas no processo civil.
d) É admissível a imposição de medida cautelar não prevista expressamente no CPP, desde que seja necessária, adequada e proporcional.
e) A liberdade de expressão é direito absoluto e não pode sofrer restrições por decisão judicial.
Gabarito: d)
Justificativa:
A jurisprudência atual admite que o juiz criminal, ao aplicar medidas cautelares, pode se valer do poder geral de cautela — desde que respeite os critérios de necessidade, adequação e proporcionalidade, conforme art. 282 do CPP. A liberdade de expressão, embora fundamental, não é absoluta e pode ser restringida com base em decisão fundamentada.
Quer saber quais serão os próximos concursos?
Confira nossos artigos para Carreiras Jurídicas!