ADI 7721 – STF proíbe que dinheiro do Bolsa Família seja gasto com apostas online

ADI 7721 – STF proíbe que dinheiro do Bolsa Família seja gasto com apostas online

Que as Bets são uma realidade no mundo real, isto é fato. Você percebe ela no “arrasta para cima” de qualquer influencer, ou às vezes na rifa online divulgada pelo grande jogador de futebol que você admira.

Ou seja, ela está presente. Não tem como negar. Não que isso seja um problema, porque conta meus tios que os cigarros dominavam as mídias também recentemente, e foi só regulamentar a publicidade que eles pararam de estar tão presente em todo lugar…

Veja, no caso das Bets, o grande problema é que não tivemos uma legislação sobre isso, de maneira que a maneira informal sempre trouxe grandes problemas. Falando em problemas, vamos enumerá-los:

1) Primeiro problema, algumas empresas tinham sede no exterior o que facilitava a evasão de divisas e dificultando o cumprimento das normas brasileiras.
2) Segundo problema, eles não pagavam, muitas vezes, tributos, uma vez que havia meios de subterfugio para programa de tributos como o imposto sobre a renda.
3) Terceiro problema, há sempre a intensa fiscalização da lavagem de dinheiro, isto é, o caso Deolane Bezerra que está sendo investigada e Gustavo Lima, no fundo, demonstram justamente que por vezes, a lavagem de dinheiro é muito fácil implementadas nas Bets.

Você pode se aprofundar aqui nossas postagens anteriores:

Revogação da prisão domiciliar do caso Deolane Bezerra – Análise jurídica

Prisão cautelar de Deolane Bezerra em operação contra lavagem de dinheiro e jogos ilegais

A prisão preventiva de Gusttavo Lima é proporcional?

Então, o que aconteceu? O Congresso editou a Lei 14.790/2023 para tentar regulamentar o setor de apostas.

O que, em síntese, trouxe essa lei?

  1. Liberação de apostas de quota fixa em jogos online: a lei permite apostas de quota fixa em competições online, desde que os eventos reais sigam as regras pré-existentes. Essas apostas envolvem resultados futuros aleatórios, e a nova regulamentação visa restringir a participação de atletas menores de idade e competições de categorias de base.
  2. Regras de concessão para empresas operadoras: a operação no setor exige autorização do Ministério da Fazenda. Perceba, somente empresas constituídas no Brasil, com sede e administração nacionais, podem se candidatar, sendo necessário atender a requisitos patrimoniais e funcionais. A taxa de concessão é de até R$ 30 milhões, válida por cinco anos. Exige-se também que ao menos 20% do capital social seja de um brasileiro.
  3. Proteção ao consumidor e serviços de atendimento: a lei impõe que as empresas ofereçam atendimento gratuito aos consumidores por canais eletrônicos ou físicos. Informações detalhadas sobre a empresa e seus serviços devem ser claramente visíveis nos locais de atendimento, atendendo ao direito à informação do consumidor.
  4. Identificação e proteção dos apostadores: o reconhecimento facial e a verificação de identidade tornaram-se obrigatórios para garantir a autenticidade dos apostadores. Isso visa evitar fraudes e assegurar a transparência.
  5. Atenção aos hipervulneráveis e jogadores patológicos: a lei restringe a participação de jogadores diagnosticados com ludopatia e exige a implementação de mecanismos de monitoramento para identificar comportamentos de risco, como limite de gastos e uso. Empresas são obrigadas a adotar políticas de jogo responsável.
  6. Regras Publicitárias: publicidade que promova apostas como solução financeira, fonte de renda ou alternativa ao emprego é proibida. Empresas não podem sugerir que jogos de azar contribuam para sucesso pessoal ou social, preservando os consumidores contra promessas enganosas.

Ok, mas ainda assim, tem gente achando que a lei é inconstitucional?

Sim.

Há mais de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) tramitando no STF.

O Supremo Tribunal Federal foi chamado a se manifestar sobre a constitucionalidade da Lei 14.790/2023.

Isto porque, o caso ganhou especial relevância após dados alarmantes divulgados pelo Banco Central revelarem que somente em agosto de 2024, cerca de 5 milhões de beneficiários do Bolsa Família movimentaram R$ 3 bilhões em apostas utilizando a plataforma Pix.

Assim, a ADI 7.721, foi proposta pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), enquanto a segunda, ADI 7.723, foi ajuizada pelo partido Solidariedade.

Ambas questionavam aspectos fundamentais da regulamentação das apostas online, apontando insuficiência na proteção de direitos constitucionalmente assegurados.

Diante da complexidade da matéria e seus impactos sociais, o Ministro Luiz Fux, relator das ações, convocou audiência pública realizada em 11 e 12 de novembro de 2024.

O encontro reuniu mais de 40 especialistas, incluindo representantes do setor público, da academia, de clubes de futebol e da sociedade civil, que apresentaram diferentes perspectivas sobre o tema, e você pode conferir aqui na íntegra:

Audiência pública no STF ouviu diferentes pontos de vista sobre impactos das apostas online

Eduardo Rocha Dias, representante da Universidade de Fortaleza (Unifor):

O professor do Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD) falou de pesquisas em andamento na instituição sobre prevenção e consequências do jogo patológico, que tratam a questão como um problema de saúde pública. Ele explicou que o vício em jogo é um transtorno de dependência comportamental, com implicações como endividamento, negligência parental, violência e criminalidade, depressão e alta taxa de suicídio. Por isso, sugeriu a proibição total da publicidade das apostas e de patrocínios desportivos.

Leonardo Ribeiro Pessoa, do Instituto Brasileiro de Estudos de Direito Empresarial e Tributário (Ibedet):

O presidente do instituto defendeu o aperfeiçoamento da Lei das Bets para proteger populações economicamente vulneráveis. Segundo ele, dados apontam para o endividamento significativo dessas pessoas, afetando especialmente a população negra. Também observou que os jogos online repercutem na saúde mental, com aumento dos níveis de ansiedade e depressão, especialmente entre os jovens.

Ione Amorim, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec):

A consultora em serviços financeiros e endividamento apresentou dados dos últimos cinco anos que explicam a multiplicação das bets no Brasil, como o isolamento causado pela pandemia da covid-19, o avanço da tecnologia, a regulamentação “tardia e fraca” da matéria, a propaganda “enganosa e abusiva” e a participação de influenciadores digitais na divulgação. Ela disse que as bets lideram o ranking de denúncias nos órgãos de defesa do consumidor, com mais de 366 mil reclamações em seis meses.

A decisão do Ministro Fux

Em breve síntese, o ministro Luiz Fux, determinou que o Ministério da Fazenda tome medidas imediatas para impedir o uso de benefícios sociais, como Bolsa Família e Benefício de Prestação Continuada (BPC), em apostas online.

Além disso, determinou que a portaria do governo que proíbe publicidade de sites de apostas direcionada a crianças e adolescentes entre em vigor imediatamente, antecipando a data prevista de janeiro de 2025.

Agora, vamos entender a fundamentação da decisão liminar do Ministro Fux:

Proteção à saúde mental e ao desenvolvimento de crianças e adolescentes

O ministro reconheceu, com base nas evidências apresentadas na audiência pública, que a publicidade indiscriminada das apostas online representa risco substancial à saúde mental do público infanto-juvenil.

Isto porque, especialistas demonstraram como o bombardeio publicitário, especialmente durante transmissões esportivas e nas redes sociais, tem contribuído para a normalização do jogo entre jovens.

Já o Instituto Locomotiva apresentou dados indicando que cerca de 103 milhões de brasileiros conhecem pessoas viciadas em apostas esportivas, sendo os jovens particularmente vulneráveis a esse tipo de dependência.

Preservação do mínimo existencial e proteção aos beneficiários de programas sociais

O Relator expôs frontalmente a questão do uso de recursos de programas sociais em apostas, e que os benefícios como Bolsa Família e BPC têm natureza alimentar e destinação constitucional específica, visando garantir o mínimo existencial a famílias em situação de vulnerabilidade.

Assim, como os dados do Banco Central evidenciaram o desvio dessa finalidade, com expressiva parcela dos recursos sendo direcionada a apostas online, isso seria algo danoso aos beneficiários.

Dever estatal de proteção e proporcionalidade

Por fim, Fux fundamentou sua decisão no princípio da proporcionalidade em sua dimensão de proibição da proteção insuficiente. Reconheceu que, embora a atividade de apostas tenha sido legalizada, o Estado não pode se eximir de seu dever constitucional de proteger direitos fundamentais.

Nesse sentido, a regulamentação atual, ao postergar a implementação de medidas protetivas para janeiro de 2025, mostrou-se inadequada diante dos danos imediatos e concretos já em curso.

Face ao exposto, a decisão determinou duas medidas principais:

1) Aplicação imediata das restrições publicitárias previstas na Portaria SPA/MF 1.231/2024, especialmente quanto à proteção do público infanto-juvenil, sem aguardar o prazo inicialmente previsto para janeiro de 2025.
2) Determinação ao Ministério da Fazenda para implementação urgente de mecanismos que impeçam o uso de recursos provenientes de programas sociais em apostas online.

O que isso representa?

Obviamente, a liminar será submetida a referendo do Plenário do STF, mas torna importante ressaltar o cuidado que o STF teve para que, antes de tomar uma decisão, escute através de audiências públicas as autoridades quanto ao tema.

Uma outra ação do MPF correndo

Vale ressaltar que o procurador-geral da República, Paulo Gonet, entrou no dia 11/11/2024 com uma ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal questionando pontos de duas leis que regulamentaram as apostas online, as chamadas bets.

Em síntese, com a declaração de inconstitucionalidade, Gonet pede que volte a valer a legislação que reconhece como ilícitas as apostas (Decreto-Lei 3.688/1941).

apostas online, MPF

O MPF argumenta que a lei é inconstitucional ao permitir a exploração do serviço de apostas por meio de simples autorização administrativa. Segundo a petição, por se tratar de serviço público, a Constituição Federal exige que sua delegação a particulares ocorra necessariamente por meio de concessão ou permissão, sempre precedida de licitação (art. 175, CF).

A autorização seria um instrumento mais precário e inadequado para atividade de tamanha relevância.

Além disso, o MPF sustenta que a lei delegou excessivamente ao Poder Executivo a regulamentação de questões essenciais que deveriam ser disciplinadas diretamente pelo legislador, bem como houve proteção insuficiente da regulação sobre publicidade.

Referências bibliográficas

SILVA, Joseane Suzart Lopes da. Lei 14.790/23 protege consumidores das apostas esportivas e da ludopatia. Consultor Jurídico. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2024-abr-29/lei-14-790-23-protege-os-consumidores-diante-das-apostas-esportivas-e-da-ludopatia/#:~:text=Com%20o%20fito%20de%20dirimir,de%20acesso%20e%20uso%20gratuitos.>.


Quer saber quais serão os próximos concursos?

Confira nossos artigos para Carreiras Jurídicas!

0 Shares:
Você pode gostar também