Gilmar Mendes decide que apenas o Procurador-Geral da República pode pedir impeachment dos ministros do Supremo Tribunal Federal
Foto: Antonio Augusto/SECOM/PGR

Gilmar Mendes decide que apenas o Procurador-Geral da República pode pedir impeachment dos ministros do Supremo Tribunal Federal

O Supremo Tribunal Federal, através de decisão monocrática proferida pelo ministro Gilmar Mendes, decano da Corte, concedeu medida cautelar nas Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 1.259/DF e 1.260/DF e suspendeu a vigência de diversos trechos da Lei 1.079/1950 (Lei do Impeachment) relativos ao afastamento de ministros da Corte.

As ADPFs foram apresentadas ao Supremo Tribunal Federal pelo partido Solidariedade e pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e trouxe pedido de medida cautelar em relação aos arts. 39, itens 4 e 5; 41; 47; 54; 57, “a” e “c”; 70; 73 da Lei do Impeachment e também em relação ao art. 319, VI do Código de Processo Penal e do artigo 236, §1º do Código Eleitoral.

De acordo com o Ministro Gilmar Mendes diversos trechos da Lei 1.079/1950 não foram recepcionados pela atual Constituição da República. Alguns deles são a possibilidade de se interpretar o mérito de decisões judiciais como conduta típica de crime de responsabilidade, o quórum necessário para a abertura de processo de impeachment contra ministros do STF e ainda a legitimidade para apresentação de denúncias.

Deferimentos

Ao final, em sede de medida cautelar, o Ministro deferiu diversos pedidos dos autores:

  • Suspender, em relação aos membros do Poder Judiciário, a expressão “a todo cidadão” inscrita no art. 41 da Lei 1.079/1950;
  • Conferir, na parte remanescente, interpretação conforme à Constituição Federal ao art. 41 da Lei 1.079/1950, para estabelecer que somente o Procurador-Geral da República pode formular denúncia em face de membros do Poder Judiciário pela prática de crimes de responsabilidade;
  • Suspender, no que diz respeito aos membros do Poder Judiciário, o termo “simples” constante dos arts. 47 e 54 da Lei 1.079/1950;
  • Dar, na parte restante, interpretação conforme à Constituição Federal aos arts. 47 e 54 da Lei 1.079/1950, para fixar o quórum de 2/3 (dois terços) para aprovação do parecer a que se referem;
  • Suspender as alíneas “a” e “c” do art. 57 da Lei 1.079/1950;
  • Suspender a expressão “que voltará ao exercício do cargo, com direito à parte dos vencimentos de que tenha sido privado” presente no art. 70 da Lei 1.079/1950;
  • Excluir qualquer interpretação do art. 39, 4 e 5, da Lei 1.079/1950, que autorize enquadrar o mérito de decisões judiciais como conduta típica para efeito de crime de responsabilidade.

O capítulo mais impactante da decisão diz respeito à interpretação que o ministro relator das ADPFs acima referidas deu para o art. 41 da Lei 1.079/1950 na parte que autoriza qualquer cidadão a apresentar denúncia em face de Ministro do STF, pela prática de crime de responsabilidade.

Análise jurídica

O impeachment é um instituto de direito constitucional que consiste no processo de afastamento de autoridades públicas de seus cargos por cometimento de infrações político-administrativas graves, denominadas crimes de responsabilidade. Trata-se de um mecanismo de responsabilização política previsto nas democracias constitucionais como instrumento de controle e equilíbrio entre os Poderes.

É importante destacar que os crimes de responsabilidade não se confundem com os crimes comuns. Os crimes comuns são ilícitos penais ordinários, apurados e julgados pelo Poder Judiciário. Já os crimes de responsabilidade configuram infrações de natureza político-administrativa, que violam deveres inerentes ao exercício do cargo ou função pública, sendo apurados e julgados pelo Poder Legislativo em um processo de caráter essencialmente político.

No Brasil, o impeachment está previsto na Constituição Federal e regulamentado pela Lei nº 1.079/1950. Na CF/88 o regramento do impeachment está nos artigos 85 e 86 e tem previsão expressa em relação ao Presidente da República.

Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:

I - a existência da União;
II - o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação;
III - o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;
IV - a segurança interna do País;
V - a probidade na administração;
VI - a lei orçamentária;
VII - o cumprimento das leis e das decisões judiciais.

Parágrafo único. Esses crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento.
Art. 86. Admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade.

§ 1º O Presidente ficará suspenso de suas funções:

I - nas infrações penais comuns, se recebida a denúncia ou queixa-crime pelo Supremo Tribunal Federal;
II - nos crimes de responsabilidade, após a instauração do processo pelo Senado Federal.

§ 2º Se, decorrido o prazo de cento e oitenta dias, o julgamento não estiver concluído, cessará o afastamento do Presidente, sem prejuízo do regular prosseguimento do processo.

§ 3º Enquanto não sobrevier sentença condenatória, nas infrações comuns, o Presidente da República não estará sujeito a prisão.

§ 4º O Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções.

É bom destacar que o processo pode ser instaurado contra o Presidente da República, Ministros de Estado, Ministros do Supremo Tribunal Federal e outras autoridades. A Lei 1.079/1950 prevê o seguinte:

Art. 2º Os crimes definidos nesta lei, ainda quando simplesmente tentados, são passíveis da pena de perda do cargo, com inabilitação, até cinco anos, para o exercício de qualquer função pública, imposta pelo Senado Federal nos processos contra o Presidente da República ou Ministros de Estado, contra os Ministros do Supremo Tribunal Federal ou contra o Procurador Geral da República.

O impeachment, quando legítimo, é instrumento democrático essencial. Contudo, quando utilizado de forma abusiva ou instrumentalizada para fins políticos espúrios, pode se transformar em ferramenta de erosão institucional, comprometendo a independência dos Poderes e a estabilidade democrática. Por isso, seu uso deve estar sempre pautado pela estrita observância dos pressupostos constitucionais e legais que o fundamentam.

Antes de avançarmos, importante jogar luz num dos fundamentos centrais usados pelo Ministro Gilmar Mendes em sua decisão: o constitucionalismo abusivo.

Se caísse este tema na sua prova você saberia dissertar sobre ele?

ministros do STF

O constitucionalismo moderno, fundamentado em princípios de democracia, liberalismo e separação de poderes, tem como um de seus pilares a independência do Poder Judiciário. Não se trata de mera expressão retórica, mas de necessário instrumento para um relacionamento institucional que busca evitar os abusos de poder.

Nos últimos tempos, conforme a visão do ministro Gilmar Mendes tem ocorrido a erosão da independência do Poder Judiciário através de instrumentos formalmente legais que, na prática, subordinam as Cortes Constitucionais aos demais Poderes. Esse fenômeno compromete funções essenciais como o controle de constitucionalidade, a proteção de direitos fundamentais e a responsabilização de agentes públicos.

Dois conceitos fundamentam a análise: o “legalismo autoritário” de Kim Lane Scheppele, que descreve reformas legais que expandem o poder de um dos Poderes enquanto minam os freios institucionais, e o “constitucionalismo abusivo” de David Landau, focado na desestabilização das instituições de controle horizontal. As estratégias incluem court packing (aumento artificial de membros), redução da idade de aposentadoria compulsória e impeachment abusivo de magistrados.

Impeachment infundado

O impeachment infundado é especialmente grave porque cria insegurança jurídica e pressiona juízes a alinharem-se com interesses políticos momentâneos, enfraquecendo sua independência. Embora o Executivo seja geralmente protagonista desse processo, experiências latino-americanas mostram que o Legislativo também pode atuar como vetor de retrocesso institucional.

A história brasileira ilustra esses riscos: na Era Vargas, houve redução do número de ministros do STF e aposentadorias forçadas em 1931, além da redução da idade de aposentadoria pela Carta de 1937. Na ditadura militar, o AI-2 aumentou os ministros de 11 para 16 em 1965, e após o AI-5 foram cassados três ministros em 1969, provocando outras aposentadorias.

Após trabalhar o tema o ministro decano do STF conclui que tais expedientes são absolutamente incompatíveis com a ordem constitucional vigente. Medidas de intimidação ou retaliação contra membros do Supremo são flagrantemente inconstitucionais, e o futuro da democracia depende da preservação da autonomia dos Tribunais Constitucionais para atuarem sem pressões externas.

Legitimidade

Feito esta contextualização geral, o trecho da decisão do STF que será analisada neste texto trata da legitimidade para denúncia pela prática de crime de responsabilidade por Ministro do Supremo Tribunal Federal. O tema está regulado pelo artigo 41 da Lei 1.079/1950 e merece transcrição:

Art. 41. É permitido a todo cidadão denunciar perante o Senado Federal, os Ministros do Supremo Tribunal Federal e o Procurador Geral da República, pêlos crimes de responsabilidade que cometerem (artigos 39 e 40).

Pelo texto da Lei do Impeachment todo cidadão tem legitimidade para denunciar perante o Senado Federal os Ministros do Suprem Tribunal Federal.

Ademais, importante aqui levantar alguns pontos importantes na decisão do Ministro Gilmar Mendes que trazem especificidades para a denúncia por crime de responsabilidade em face dos Ministros do STF:

  1. A ampla legitimidade para denúncia por crime de responsabilidade contra Ministros do STF abre brecha para que denúncias desarrazoadas, motivadas por interesses políticos-partidários e sem nenhum substrato técnico sejam apresentadas com objetivos de amedrontar e intimidar os membros da Corte;
  2. A atividade desempenhada pelos Ministros do STF tem natureza eminentemente técnica e especializada, sendo necessário um filtro rigoroso para o oferecimento de denúncia por crime de responsabilidade;
  3. O processo de impeachment é absolutamente excepcional, especialmente em relação aos membros do Poder Judiciário e sua abertura não pode ser feita por  qualquer cidadão sem a devida estrutura técnica e jurídica, o que poderia resultar em uso indevido da norma como instrumento de retaliação e intimidação política.

Em um paralelo com o processo de impeachment em face do Presidente da República, a sua deflagração em face do Chefe do Poder Executivo está sujeito à aprovação pela Câmara dos Deputados, atuação essa que tem por objetivo mitigar a instrumentalização do processo de impedimento.

Transitoriedade

Outro ponto que deve ser levado em consideração é que o cargo de Presidente da República é eminentemente político, decorrente do processo eleitoral majoritário e, por isso, sujeito a avaliação política periódica pela sociedade. O seu cargo é transitório e sujeito ao crivo popular e ampla fiscalização social. Este motivo, que nitidamente diferencia o Chefe do Poder Executivo dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, justifica a autorização constitucional para admitir-se que qualquer cidadão apresente denúncia de crime de responsabilidade contra o Chefe do Executivo.

Por outro lado, os ministros do STF possuem garantias constitucionais específicas, como a vitaliciedade e a inamovibilidade, que lhes conferem autonomia e estabilidade no exercício de suas funções, visando, ao fim e ao cabo, possibilitar o exercício das funções jurisdicionais com ampla liberdade.

Com tais fundamentos, na decisão cautelar da lavra do Ministro Gilmar Mendes foi suspensa, em relação aos membros do Poder Judiciário, a expressão “a todo cidadão” inscrita no art. 41 da Lei 1.079/1950. Dessa forma, restringiu-se a legitimidade para formular denúncia em face de membros do Poder Judiciário pela prática de crimes de responsabilidade ao Procurador-Geral da República.


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