Prisão de procurador por estupro de vulnerável e pornografia infantil: o que a lei diz e quais as consequências

Prisão de procurador por estupro de vulnerável e pornografia infantil: o que a lei diz e quais as consequências

Explicação do caso[1]

Na última sexta-feira (8/8), a Polícia Federal prendeu preventivamente, em São Paulo, um procurador do Estado acusado de crimes gravíssimos contra crianças. Ele foi localizado em um hotel próximo ao aeroporto de Congonhas, depois de ser considerado foragido.

A prisão faz parte da segunda fase de uma operação iniciada em junho, quando a PF já havia apreendido computadores e outros equipamentos contendo imagens e vídeos de abuso sexual infantil.

As perícias revelaram algo ainda mais chocante: além de produzir e compartilhar o conteúdo ilegal, o investigado teria abusado sexualmente de sua própria filha, que tinha apenas oito meses na época.

E aqui não há espaço para dúvidas: pela lei brasileira, esse fato, por si só, já configura estupro de vulnerável. O artigo 217-A do Código Penal pune com reclusão de 8 a 15 anos qualquer ato libidinoso ou conjunção carnal com menor de 14 anos. Nesses casos, a violência é presumida — ou seja, não importa se houve ou não resistência, nem se a vítima aparentava entender a situação; a lei presume a incapacidade absoluta de consentimento.

Aspectos jurídicos relevantes

Além do estupro de vulnerável, há outros crimes envolvidos.

O Estatuto da Criança e do Adolescente separa claramente duas condutas: de um lado, adquirir, possuir ou armazenar, por qualquer meio, material pornográfico com crianças ou adolescentes — conduta descrita no art. 241-B, com pena de reclusão de 1 a 4 anos e multa.

De outro, oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar esse material, por qualquer meio, inclusive pela internet, conduta do art. 241-A, punida mais severamente, com reclusão de 3 a 6 anos e multa.

Concurso de crimes

    O Superior Tribunal de Justiça já deixou claro, no Tema Repetitivo 1.168, que esses dois crimes são independentes: guardar arquivos não é uma etapa normal de quem compartilha, e compartilhar não é um “desdobramento” automático de quem armazena. Resultado: se a pessoa pratica ambos, pode responder por dois crimes distintos, com penas somadas.

    Prisão de

    Tema Repetitivo 1168: Os tipos penais trazidos nos arts. 241-A e 241-B do Estatuto da Criança e do Adolescente são autônomos, com verbos e condutas distintas, sendo que o crime do art. 241-B não configura fase normal, tampouco meio de execução para o crime do art. 241-A, o que possibilita o reconhecimento de concurso material de crimes.

    Competência

      Outro ponto importante é a competência para julgamento. O Superior Tribunal de Justiça firmou que, quando há apenas armazenamento de material pornográfico infantil, sem qualquer prova de compartilhamento, a competência é da Justiça Estadual — entendimento expresso, por exemplo, no AgRg no HC 877289/SP.

      Já quando há compartilhamento pela rede mundial de computadores, inclusive em ambientes como fóruns da DarkWeb, a competência passa a ser da Justiça Federal. Esse foi exatamente o entendimento no AgRg no RHC 189.061/BA, caso em que o STJ reconheceu que a veiculação em fóruns virtuais atrai a competência federal. No caso em análise, como a PF apurou que houve divulgação online do material, o mandado foi expedido por um juiz federal.

      Prisão

        E por que prisão preventiva? Porque a lei, no artigo 312 do Código de Processo Penal, autoriza a medida quando presentes dois requisitos básicos: o fumus comissi delicti — isto é, indícios suficientes de autoria e materialidade do crime — e o periculum libertatis, que é o risco que a liberdade do acusado representa para a ordem pública, para a instrução processual ou para a aplicação da lei penal.

        O periculum libertatis se evidencia de várias formas: pela extrema gravidade em concreto das condutas (estupro de vulnerável, produção e compartilhamento de material pornográfico infantil), pelo modus operandi envolvendo rede mundial de computadores e, ainda, pela condição de foragido do investigado, que tentou se ocultar da ação da Justiça.

        O Superior Tribunal de Justiça, no AgRg no HC 997.342/BA, sintetizou essa compreensão ao afirmar que:

        “A prisão preventiva pode ser mantida quando fundamentada em elementos concretos que indicam risco à ordem pública e à aplicação da lei penal, evidenciada pelo modus operandi do delito e pela condição de foragido do agravante.”

        No presente caso, esses elementos se somam, tornando a prisão preventiva não apenas juridicamente possível, mas necessária para interromper a prática de crimes, proteger a vítima e garantir que o acusado responda ao processo.

        Consequências

        Se as acusações forem confirmadas e houver condenação, os efeitos vão além da pena de prisão.

        O Código Penal prevê, no artigo 92, que quem recebe pena superior a quatro anos perde o cargo público — e, nesse caso, a soma das penas pelos diferentes crimes certamente ultrapassaria esse limite. Isso significa que o réu não poderia mais ocupar seu cargo de procurador.

        Outro efeito é no campo familiar: pelo mesmo artigo 92, mas agora no inciso II, crimes dolosos com pena de reclusão cometidos contra filho ou filha retiram do condenado o poder familiar. Traduzindo: ele perderia, para sempre, qualquer autoridade legal sobre a vítima ou outros filhos, não podendo mais tomar decisões sobre suas vidas ou cuidados.

        Na prática, portanto, uma eventual condenação mudaria radicalmente a vida do acusado: não apenas significaria passar longos anos preso, mas também perder o cargo público e o vínculo jurídico com a filha, além da marca social e institucional deixada por crimes dessa natureza.

        Como isso vai cair na sua prova?

        Durante investigação, a Polícia Federal identificou que um servidor público possuía, em seu computador pessoal, milhares de arquivos contendo pornografia infantil. Constatou-se também que parte desse material havia sido divulgada em fóruns virtuais na internet. Com base no entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça no Tema Repetitivo 1.168 e na jurisprudência aplicável, assinale a alternativa correta:

        a) O crime de armazenar material pornográfico infantil configura fase normal do crime de compartilhamento, devendo o agente responder apenas por este último.

        b) Os crimes de armazenar e compartilhar material pornográfico infantil são autônomos, sendo possível o reconhecimento de concurso material.

        c) Quando houver compartilhamento pela internet, a competência para julgamento será da Justiça Estadual.

        d) Quando houver apenas armazenamento, a competência será da Justiça Federal.

        e) Em qualquer hipótese, independentemente de haver armazenamento ou compartilhamento, a competência é da Justiça Federal.

        Gabarito: b.

        Comentário: O STJ, no Tema Repetitivo 1.168, fixou a tese de que “os tipos penais trazidos nos arts. 241-A e 241-B do ECA são autônomos, com verbos e condutas distintas, sendo que o crime do art. 241-B não configura fase normal, tampouco meio de execução para o crime do art. 241-A, o que possibilita o reconhecimento de concurso material de crimes”. Ademais, a competência será da Justiça Estadual quando houver apenas armazenamento (AgRg no HC 877289/SP) e da Justiça Federal quando houver compartilhamento pela rede mundial de computadores (AgRg no RHC 189.061/BA).


        [1]https://www.conjur.com.br/2025-ago-10/pf-prende-procurador-por-suspeita-de-abuso-sexual-infantil-em-sp/


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