TST prevê gastar R$871 mil com vinhos, espumantes e buffet

TST prevê gastar R$871 mil com vinhos, espumantes e buffet

* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.

Entenda o que aconteceu

O Tribunal Superior do Trabalho (TST) abriu uma licitação no valor de R$ 871,2 mil para contratar um buffet que será responsável por servir coquetéis e “coffee breaks” em eventos na Corte.

No contrato, estão previstos salgados, doces, refrigerantes, sucos, cafés, vinhos e espumantes de marcas renomadas.

A licitação exige vinhos tintos das marcas “Cordero Con Piel de Lobo Malbec, Morandé, Santa Helena, Alta Vista, Argento ou superior” e espumantes das marcas “Casa Perini, Chandon, Miolo, Salton, Casa Valduga Arte Brut ou superior”.

Além disso, o cardápio inclui lascas de queijo parmesão com geleia de pimenta, creme de aspargos, filé mignon ao molho gorgonzola, risoto de tomate seco ou de alho-poró, lombo de porco ao molho de ervas e bombons recheados.

O edital faz a ressalva de que os rótulos reservados - vinhos jovens e, em geral, de menor qualidade - não serão aceitos.

Mas não para por aí. O edital exige que os garçons devem estar todos em “traje de gala”, “devidamente asseados, com uniformes limpos, sapatos engraxados, barbeados, cabelos limpos e aparados (homens)/presos (mulheres)”.

A empresa contratada deverá servir o coquetel para um total de 4.970 pessoas. Já o “coffee break”, que não inclui o serviço de bebidas alcoólicas, deverá ser fornecido para 14.750 pessoas.

Esses serviços deverão ser prestados em eventos institucionais da Corte, o que inclui solenidades da Ordem do Mérito Judiciário Trabalhista, posses de ministros, posses da nova administração do tribunal, seminários, congressos e demais eventos promovidos pelo TST.

Precedentes

Não é a primeira vez que um Tribunal prevê gastos, no mínimo, exóticos.

princípio da moralidade

Há pouco tempo o TRF da 3ª Região (que atende aos estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul), através de sua Escola de Magistrados, contratou uma palestra de etiqueta para seus novos juízes.

Entre as lições da palestra denominada “Etiqueta corporativa”, estava o “ABC da Mesa”, que ensinou a posição correta de pratos, copos e talheres na mesa. O curso de duas horas, que aconteceu entre as 14h e as 16h do dia 26 de junho de 2024, foi ministrado pela jornalista Cláudia Matarazzo.

Aliás, o TRF-3 justificou a aula como parte do treinamento corporativo, previsto em resoluções da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados, do Conselho Nacional de Justiça e do Código de Ética da magistratura.

Análise jurídica

O cerne da discussão jurídica é saber se esses gastos estão de acordo com o ordenamento jurídico brasileiro. Ou seja, há ou não uma afronta aos comandos insculpidos em nossa Carta Magna?

Princípios constitucionais

A Constituição Federal, em seu artigo 37, é clara ao impor ao Poder Público a obediência a uma série de princípios. Dentre eles estão o da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Estes princípios servem como alicerces para garantir uma gestão transparente e ética dos recursos públicos.

CF/88

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte...

O Brasil é um país com grande desigualdade social e econômica, e com enormes desafios em áreas como saúde, educação, segurança, habitação. Os serviços públicos são mal avaliados pela população e considerados precários pelos usuários. O orçamento público é limitado, e os recursos são escassos.

A pergunta que cabe é: nesse contexto de limitação orçamentária, gastos como o realizado para custear vinhos, espumantes e buffets obedecem à moralidade e à eficiência?

A alocação dos parcos recursos públicos é, portanto, uma questão que deve ser analisada sob o prisma dos princípios que regem a administração pública.

O país deve caminhar para uma gestão mais ética e democrática dos recursos públicos, que privilegiem uma boa prestação dos serviços públicos prestados aos cidadãos.

Em 2023, o Supremo Tribunal Federal julgou parcialmente procedente a ADI 5407. Nesse caso, o Plenário declarou, por unanimidade, a inconstitucionalidade de dispositivo de lei mineira que determinava o pagamento de auxílio-aperfeiçoamento profissional a juízes estaduais para a aquisição de livros jurídicos, digitais e material de informática, com fundamento de que as verbas instituídas pelas normas impugnadas ostentavam feição remuneratória e são incompatíveis com o regime de pagamento por meio de subsídio (CF, art. 39, § 4º), sendo indiferente que lei ou ato infralegal atribuam-lhes formalmente caráter de indenização.

Moralidade

Importante frisar que o princípio da moralidade possui autonomia. Sua ofensa ocorre sempre que, embora em conformidade com a lei, o comportamento da Administração Pública viola a moral, os bons costumes, as regras de boa administração, os princípios de justiça e de equidade, e a ideia de honestidade.

Nessa toada, o princípio da moralidade se evidencia na possibilidade de anulação de atos legais que, mesmo em conformidade com a lei, revelam-se imorais. Esse controle, inclusive pelo Poder Judiciário, destaca a dimensão jurídica da moralidade administrativa.

Perspectivas

Como bem apontado pela doutrina1, o princípio da moralidade pode ser entendido sob três perspectivas:

Probidade

Dever de atuação ética (princípio da probidade): este primeiro sentido destaca o dever de atuação ética, conhecido como o princípio da probidade. Ele impõe ao agente público a obrigação de conduzir suas atividades de maneira transparente, honesta e íntegra.

A ética aqui transcende a mera conformidade com a legalidade. Ou seja, ela exige um comportamento que vai além do simples cumprimento da lei, incluindo a honestidade e a transparência na interação com os administrados.

O agente público, ao aderir ao princípio da probidade, compromete-se, por exemplo, a não sonegar informações, violar normas ou prestar informações incompletas com o intuito de enganar os administrados.

O respeito a esse dever ético é crucial para manter a confiança da sociedade na administração pública e assegurar uma atuação que vá além do mero cumprimento formal da lei.

Valores

Concretização dos valores consagrados na lei: o segundo sentido destaca a concretização dos valores consagrados na lei como parte integrante do princípio da moralidade. Aqui, o agente público não deve limitar-se estritamente à aplicação literal da lei, mas buscar atingir os valores subjacentes a ela.

Por exemplo, quando a Constituição estabelece o concurso público para garantir a isonomia na busca por um cargo público, o agente que organiza um concurso seguindo esses princípios está, simultaneamente, cumprindo o princípio da moralidade.

Assim, a aplicação do direito não é vista apenas como um cumprimento formal, mas como um esforço para realizar os valores e objetivos que a lei visa atingir.

Costumes administrativos

Observância dos costumes administrativos: o terceiro sentido do princípio da moralidade destaca a observância dos costumes administrativos. Isso significa que a validade da conduta administrativa está vinculada não apenas à lei, mas também às regras que surgem informalmente no dia a dia administrativo, derivadas de práticas repetidas.

Desde que essas práticas não infrinjam a lei, espera-se que a Administração se vincule a elas, pois representam uma espécie de “legislação informal” criada a partir das interações diárias.

Assim, a conformidade com esses costumes fortalece a legalidade das ações administrativas e contribui para a estabilidade e previsibilidade no ambiente administrativo.

Em resumo, os três sentidos do princípio da moralidade formam uma tríade essencial que orienta a conduta dos agentes públicos, promovendo uma administração pautada pela ética, legalidade e tradição.

Esses princípios, quando aplicados em conjunto, fortalecem a legitimidade dos atos administrativos e contribuem para a construção de uma administração pública íntegra e confiável.

Foco nos cidadãos

Enfim, a previsão e o pagamento de todas essas benesses corporativas devem passar, necessariamente, pelo crivo da observância dos princípios da moralidade, da eficiência, da legalidade, da impessoalidade, e devem levar em conta, sempre, o impacto que irão causar no orçamento e seus efeitos na prestação dos serviços públicos.

O Brasil precisa caminhar, cada vez mais, para um uso dos recursos públicos de forma ética, transparente, legal. Deve-se sempre ter em vista as reais necessidades dos cidadãos.

Tema pertinente às provas de direito administrativo e constitucional.


  1. CANDIDO, Levi. Entenda o princípio da moralidade na Administração Pública. Lance Fácil. Disponível em: <https://blog.lancefacil.com/principio-da-moralidade-na-administracao-publica/#:~:text=Benef%C3%ADcios%20do%20princ%C3%ADpio%20da%20moralidade%20em%20licita%C3%A7%C3%B5es&text=Sua%20autonomia%2C%20ligada%20aos%20preceitos,confian%C3%A7a%20da%20sociedade%20nas%20institui%C3%A7%C3%B5es.>. ↩︎

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