O Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar os Recursos Especiais nº 2.147.578/SP e 2.147.583/SP, pacificou importante controvérsia acerca da prescrição intercorrente em processos administrativos que apuram infrações à legislação aduaneira.
Vale ressaltar que a tomada da decisão foi por unanimidade pela Primeira Seção sob a relatoria do Ministro Paulo Sérgio Domingues. A tese fixada foi:
"incide a prescrição intercorrente prevista no art. 1º, § 1º, da Lei n. 9.873/1999 quando paralisado o processo administrativo de apuração de infrações aduaneiras, de natureza não tributária, por mais de 3 anos".
Nessa linha, vamos entender esse julgamento firmado no tema 1293 do STJ. Também vamos te mostrar como isso acabou consolidando o entendimento sobre a aplicabilidade da prescrição intercorrente em procedimentos fiscalizatórios aduaneiros, fortalecendo precedentes anteriores já estabelecidos pela Corte Superior em 2023 e 2024.
Entretanto, vale destacar a importância de entender o conteúdo para não confundir com a prescrição intercorrente em processos de natureza tributária que estejam tramitando na esfera administrativa.
Contexto da decisão e o Tema 1293
A controvérsia, catalogada como Tema 1293 no sistema de precedentes qualificados do STJ, buscava definir se incide ou não a prescrição intercorrente prevista no art. 1º, § 1º, da Lei n. 9.873/1999 quando paralisado o processo administrativo de apuração de infrações aduaneiras, de natureza não tributária, por mais de 3 anos.
Para os operadores do direito aduaneiro e administrativo, essa definição representa um precedente seguro em razão das discussões permeavam os tribunais regionais federais e instâncias administrativas do país.
O aspecto nuclear da decisão reside na consolidação de um critério claro para determinar quando a prescrição intercorrente será aplicável: a natureza jurídica da norma que foi violada.
De acordo com o entendimento fixado, não é o rito ou procedimento escolhido pelo legislador para apuração da infração que importa, mas sim a natureza da obrigação descumprida.
Nesse diapasão, a Corte Superior estabeleceu que a prescrição intercorrente será aplicável quando a infração tiver natureza administrativa (não tributária), ou seja, quando a norma infringida tiver como objetivo primordial o controle do trânsito internacional de mercadorias ou a regularidade do serviço aduaneiro.
Como bem pontuou o relator no acórdão, mesmo que a norma indiretamente colabore para a fiscalização tributária, se seu objetivo principal for o controle aduaneiro em si, a natureza administrativa prevalecerá, atraindo a incidência da prescrição intercorrente.
As teses firmadas e seu alcance prático
Foram fixadas três teses jurídicas que, doravante, deverão ser observadas em todo o território nacional, com a fundamentação abaixo adotada pelo STJ:
1. Incide a prescrição intercorrente prevista no art. 1º, § 1º, da Lei n. 9.873/1999 quando paralisado o processo administrativo de apuração de infrações aduaneiras, de natureza não tributária, por mais de 3 anos.
2. A natureza jurídica do crédito correspondente à sanção pela infração à legislação aduaneira é de direito administrativo (não tributário) se a norma infringida visa primordialmente ao controle do trânsito internacional de mercadorias ou à regularidade do serviço aduaneiro, ainda que, reflexamente, possa colaborar para a fiscalização do recolhimento dos tributos incidentes sobre a operação.
3. Não incidirá o art. 1º, § 1º, da Lei n. 9.873/1999 apenas se a obrigação descumprida, conquanto inserida em ambiente aduaneiro, destinava-se direta e imediatamente à arrecadação ou à fiscalização dos tributos incidentes sobre o negócio jurídico realizado.
Direito aduaneiro vs direito tributário
No fundo, é como se o STJ tivesse realizado uma diferenciação do “direito aduaneiro” vs “direito tributário”. Indo em posição oposta ao que pensa a Procuradoria da Fazenda Nacional, entretanto, foi utilizado de pareceres da PGFN para fazer uma distinção. Isto porque, notadamente o Parecer SEI 943/2024/MF, que faz remissão ao Parecer SEI 6.898/2020/ME, as infrações aduaneiras podem ter natureza:
- Aduaneira (não tributária): quando a norma infringida visa primordialmente ao controle do trânsito internacional de mercadorias ou à regularidade do serviço aduaneiro, ainda que, reflexamente, possa colaborar para a fiscalização do recolhimento dos tributos.
- Tributária: quando a obrigação descumprida, embora inserida em ambiente aduaneiro, destina-se direta e imediatamente à arrecadação ou à fiscalização dos tributos incidentes sobre a operação.
Qual a razão disso? A diferenciação é importante porque, conforme o art. 5º da Lei nº 9.873/1999, suas disposições não se aplicam “às infrações de natureza funcional e aos processos e procedimentos de natureza tributária”. Logo, se houver natureza “tributária” não podemos falar em prescrição intercorrente na esfera administrativa.
Dessa maneira, o STJ esclareceu que o procedimento de apuração escolhido pelo legislador não determina a natureza jurídica da infração.
Noutras palavras, o fato de a apuração de uma infração aduaneira não tributária ocorrer pelo rito do processo administrativo fiscal previsto no Decreto nº 70.235/1972 não transforma a natureza da infração em tributária. É como se ela ainda assim tivesse natureza “administrativa”:
"o rito estabelecido para a apuração ou constituição definitiva do crédito correspondente à sanção pelo descumprimento de uma norma aduaneira não é importante para a definição da natureza jurídica da norma descumprida"
Qual a razão disso? Historicamente, o Decreto nº 70.235/1972 foi feito para reger o processo administrativo fiscal de determinação e exigência dos créditos tributários da União.
Entretanto, durante tempo, passou-se a aplicá-lo, por remissões legais expressas, a outros casos distintos da constituição de créditos tributários, inclusive às multas decorrentes de infrações aduaneiras.
O que é mais importante saber?

Em suma, cabe ressaltar que cada infração aduaneira deverá ser analisada individualmente para verificar se sua natureza é tributária ou não tributária, considerando a finalidade principal da norma infringida.
Isto porque, se a finalidade da “infração” for aplicar um TRIBUTO, por exemplo, aplicar o imposto de importação, não podemos ter prescrição intercorrente na esfera administrativa.
Por outro lado, se a finalidade da “infração” for apenas aplicar uma MULTA DE CARÁTER ADMINISTRATIVO, por não ter enviado um documento, por exemplo, é possível que haja a prescrição intercorrente na esfera administrativa no prazo de 3 anos se o julgamento desse processo demorar.
Vale salientar que conforme destacado no REsp 2.120.479/SP, “a simples concessão de efeito suspensivo ao recurso administrativo, nos termos do art. 129 do Decreto-Lei 37/1966 e do art. 33 do Decreto 70.235/1972, não suspende e nem interrompe a fluência do prazo de prescrição intercorrente previsto no § 1º do art. 1º da Lei 9.873/1999”.
Por fim, caberá à parte interessada demonstrar que a infração aduaneira tem natureza não tributária para fins de aplicação da prescrição intercorrente trienal da Lei nº 9.873/1999.
Ademais, custa salientar que a Fazenda Nacional restou vencida na tese definida pelo STJ.
Referências
CAVALCANTE, Márcio André Lopes. É possível reconhecer a prescrição intercorrente no âmbito do processo administrativo fiscal relativo à penalidade aduaneira administrativa, não tributária. Buscador Dizer o Direito. Manaus. Disponível em: <https://buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/6b45b57b849fe8c82ea4358a949a753d>. Acesso em: 24/03/2025.
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