Prof. Gustavo Cordeiro
O prazo para conclusão do inquérito policial é um dos temas mais clássicos do Direito Processual Penal e, ao mesmo tempo, um dos mais mal compreendidos pelos candidatos. A razão é simples: enquanto o art. 10 do CPP estabelece prazos aparentemente rígidos, a jurisprudência consolidou que tais prazos são “impróprios” quando o investigado está solto — o que gera a falsa impressão de que a investigação pode se arrastar indefinidamente.
O Superior Tribunal de Justiça, contudo, vem construindo uma sólida linha jurisprudencial que impõe limites concretos a essa eternização investigativa. O caso mais recente é o RHC 206.245/MT, julgado pela 6ª Turma em outubro de 2025, no qual a Corte determinou o trancamento de inquérito policial que tramitava há mais de quatro anos e meio sem conclusão. A decisão reforça que o princípio da razoável duração do processo, previsto no art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal, aplica-se também à fase pré-processual.
Este tema tem altíssima incidência em provas de Magistratura, Ministério Público, Defensoria Pública e Delegado de Polícia — especialmente porque exige do candidato a compreensão de que regras aparentemente flexíveis encontram limites nos princípios constitucionais.
O regramento legal: prazos do art. 10 do CPP
O Código de Processo Penal estabelece, em seu art. 10, a regra geral sobre a duração do inquérito policial:
🟠 Investigado preso: 10 dias, podendo ser prorrogado por até 15 dias adicionais. Trata-se de prazo peremptório, vinculado à manutenção da custódia cautelar.
O art. 3º-B, § 2º, do CPP (inserido pela Lei nº 13.964/2019 — Pacote Anticrime) estabelece que, se o investigado estiver preso, o juiz das garantias poderá, mediante representação da autoridade policial e ouvido o Ministério Público, prorrogar a duração do inquérito por até 15 dias.
Atenção: A redação original do dispositivo previa que a prorrogação seria limitada a uma única vez e que, não concluída a investigação, a prisão seria imediatamente relaxada. Contudo, o STF declarou a inconstitucionalidade dessas restrições. A Corte entendeu que a prorrogação não está limitada a uma única vez e que a prisão não será automaticamente relaxada pelo simples decurso do prazo. (STF. Plenário. ADI 6.298/DF, ADI 6.299/DF, ADI 6.300/DF e ADI 6.305/DF, Rel. Min. Luiz Fux, julgados em 24/08/2023, Info 1106).
Assim, o prazo para conclusão do inquérito com investigado preso permanece como 10 dias + 15 dias, mas a prorrogação pode ocorrer mais de uma vez, desde que fundamentada, e o relaxamento da prisão dependerá de análise judicial caso a caso, não sendo consequência automática.
🟢 Investigado solto: 30 dias, podendo ser prorrogado quando o fato for de difícil elucidação (art. 10, § 3º, CPP).
Existem, ainda, regras especiais em leis extravagantes. Na Justiça Federal, por exemplo, o prazo com investigado preso é de 15 dias, prorrogável por igual período (art. 66 da Lei nº 5.010/66). Na Lei de Drogas, o prazo é de 30 dias (preso) ou 90 dias (solto), ambos duplicáveis (art. 51, parágrafo único, da Lei nº 11.343/2006).
A doutrina majoritária classifica o prazo do investigado solto como prazo impróprio, ou seja, seu descumprimento não acarreta consequências processuais imediatas — como nulidade ou arquivamento automático. Essa característica, porém, não significa carta branca para investigações intermináveis.
A construção jurisprudencial: limites à eternização do inquérito
O princípio da razoável duração do processo
A Emenda Constitucional nº 45/2004 inseriu expressamente no art. 5º da Constituição Federal o inciso LXXVIII, assegurando a todos, no âmbito judicial e administrativo, a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
Esse direito fundamental não se restringe ao processo judicial propriamente dito — aplica-se também à fase investigativa. Como destacou o Min. Og Fernandes no RHC 206.245/MT, a garantia visa evitar a perpetuação indevida de inquéritos e assegurar o respeito aos direitos fundamentais do investigado.
O caso paradigma: RHC 206.245/MT (STJ, 2025)
No julgamento do RHC 206.245/MT, a 6ª Turma do STJ enfrentou a seguinte situação: um ex-secretário de saúde de Cuiabá era investigado no âmbito da “Operação Curare”, deflagrada em julho de 2021, para apurar possíveis irregularidades na contratação emergencial de leitos de UTI durante a pandemia de Covid-19.
O inquérito tramitava há mais de quatro anos e meio sem apresentação de relatório final, mesmo após o juízo de primeiro grau ter fixado prazo de 60 dias para conclusão — determinação que foi descumprida. Além disso, diligências permaneciam pendentes há mais de um ano sem justificativa plausível.

A defesa impetrou habeas corpus alegando excesso de prazo. O TRF da 1ª Região denegou a ordem, entendendo que a complexidade das apurações justificava a dilação temporal.
O STJ, contudo, por unanimidade, deu provimento ao recurso e determinou o trancamento do inquérito. O Min. Og Fernandes consignou que a eventual complexidade da investigação, por si só, não pode servir como fundamento para o prolongamento indefinido do procedimento, sobretudo diante da inércia na realização de diligências pendentes.
A tese firmada foi clara: o prolongamento injustificado de inquérito policial, sem conclusão e com descumprimento de prazo judicial fixado, configura constrangimento ilegal, ensejando o trancamento do procedimento investigatório.
Critérios para aferição do excesso de prazo
A jurisprudência do STJ estabelece que o reconhecimento do excesso de prazo não decorre de mero critério matemático. Deve-se realizar análise ponderada com base nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, considerando as circunstâncias concretas do caso.
Os principais critérios utilizados são: o número de investigados envolvidos; a quantidade de testemunhas e a necessidade de expedição de cartas precatórias ou rogatórias; a complexidade da matéria, incluindo a necessidade de perícias; e a ocorrência de razões de força maior.
No AgRg no HC 690.299-PR, julgado em 2022, a 6ª Turma analisou um inquérito instaurado em 2008 para apurar crimes de tortura e estupro de vulnerável em instituição filantrópica. Após 14 anos sem conclusão, o STJ determinou o trancamento, consignando que não havia número acentuado de investigados, complexidade extraordinária ou força maior que justificasse tamanha demora.
Inquéritos de longa duração trancados pelo STJ
A jurisprudência recente apresenta diversos casos em que o STJ determinou o trancamento por excesso de prazo:
No HC 653.299-SC (2022), um inquérito de nove anos foi trancado. O caso envolvia advogado suspeito de desviar valores de cliente idosa. O delegado havia concluído pela inexistência de prova, mas o MP pediu continuidade. O Min. Sebastião Reis Júnior afirmou que admitir essa demora seria passar o pano para um evidente desinteresse do Estado.
No HC 903.562/DF (2024), investigações de dez anos foram encerradas. O caso tratava de lavagem de dinheiro com sucessivos conflitos de competência entre Justiça Federal e Distrital. O STJ entendeu que o trancamento era a solução que melhor ajustava os interesses da persecução penal com os direitos fundamentais do cidadão.
No AgRg no HC 941.935/PE (2025), um inquérito de cerca de nove anos foi trancado diante de conflito de atribuições entre Polícia Civil e órgão militar, gerando absoluta imprevisibilidade quanto ao término da investigação.
Questões sensíveis: pontos de atenção para concursos
O trancamento impede o oferecimento de denúncia?
Não necessariamente. O STF, no HC 194.023 AgR (2021), de relatoria do Min. Gilmar Mendes, fixou entendimento de que o eventual trancamento de inquérito policial por excesso de prazo não impede, sempre e de forma automática, o oferecimento da denúncia.
Isso porque o Ministério Público pode oferecer denúncia mesmo sem inquérito policial, bastando que disponha de elementos suficientes de autoria e materialidade. O indiciamento é conclusão do delegado, mas não é requisito para a ação penal.
Consequências do inquérito prolongado
Mesmo sem prisão ou medidas cautelares, a manutenção prolongada do inquérito gera constrangimento ilegal. Como destacou o STJ no RHC 135.299, o prolongamento do inquérito por prazo indefinido revela inegável constrangimento ao indivíduo, especialmente pela estigmatização decorrente da condição de suspeito.
Além disso, a existência de inquérito consta da folha de antecedentes criminais, produzindo consequências morais negativas ao investigado — o que reforça a necessidade de observância do prazo razoável.
Questão simulada (estilo CESPE/CEBRASPE)
Enunciado: Em 2018, foi instaurado inquérito policial para apurar suposto crime de peculato praticado por servidor público estadual. O investigado permaneceu solto durante toda a tramitação. Em 2025, a defesa impetrou habeas corpus alegando excesso de prazo, uma vez que, após sete anos, o inquérito ainda não havia sido concluído, inexistindo qualquer diligência pendente ou complexidade que justificasse a demora. O Ministério Público manifestou-se pelo prosseguimento das investigações, argumentando que o prazo do art. 10 do CPP é meramente impróprio.
Assinale a alternativa correta:
(A) O habeas corpus deve ser denegado, pois o prazo para conclusão do inquérito com investigado solto é impróprio, não gerando qualquer consequência processual seu descumprimento.
(B) O habeas corpus deve ser concedido para determinar o trancamento do inquérito, pois o prolongamento injustificado da investigação configura constrangimento ilegal, em violação ao princípio da razoável duração do processo.
(C) O habeas corpus deve ser denegado, pois o trancamento do inquérito somente é cabível quando há prisão preventiva decretada.
(D) O habeas corpus deve ser concedido apenas para fixar prazo peremptório de 30 dias para conclusão, sob pena de arquivamento automático.
(E) O habeas corpus é incabível para discutir excesso de prazo em inquérito policial, por se tratar de procedimento administrativo.
Gabarito: B
Comentários:
(A) Incorreta. Embora o prazo seja impróprio, isso não significa que a investigação possa se prolongar indefinidamente. O STJ entende que a duração deve pautar-se pelo princípio da razoabilidade.
(B) Correta. Conforme jurisprudência consolidada do STJ (RHC 206.245/MT, AgRg no HC 690.299-PR), o prolongamento injustificado do inquérito configura constrangimento ilegal, ensejando seu trancamento.
(C) Incorreta. O constrangimento ilegal pode configurar-se mesmo sem prisão, pela estigmatização decorrente da condição de suspeito.
(D) Incorreta. O trancamento é a consequência adequada, não a mera fixação de novo prazo. Ademais, não existe arquivamento automático no sistema processual brasileiro.
(E) Incorreta. O habeas corpus é cabível para cessar constrangimento ilegal à liberdade de locomoção, incluindo aquele decorrente de inquérito indevidamente prolongado.
Fechamento estratégico: o que memorizar
Para sua prova, leve consigo estas premissas fundamentais:
O prazo do art. 10 do CPP para investigado solto é impróprio, mas isso não autoriza investigações eternas.
O prazo para investigado preso é de 10 dias + 15 dias. O STF afastou a limitação de prorrogação única e o relaxamento automático da prisão (ADIs 6.298, 6.299, 6.300 e 6.305/DF).
O princípio da razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, CF) aplica-se à fase investigativa.
O excesso de prazo é aferido por critérios de razoabilidade e proporcionalidade, considerando complexidade, número de investigados, diligências pendentes e força maior.
O trancamento do inquérito por habeas corpus é medida excepcional, cabível quando demonstrada demora injustificada.
A inexistência de prisão ou medidas cautelares não afasta o constrangimento ilegal.
O trancamento do inquérito não impede automaticamente o oferecimento de denúncia, se o MP dispuser de elementos suficientes.
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