Sou o professor Marcos Gomes, Defensor Público do Estado de São Paulo, Coordenador da Coleção Defensoria Pública Ponto a Ponto e Especialista em Direito Público.
Trouxe abaixo uma análise para reflexão sobre o tema: Policiais do BOPE com câmeras corporais. Qual a sua opinião? Entenda a polêmica.
Entenda a polêmica:
Os policiais do Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE) começaram a utilizar câmeras corporais após decisão do Supremo Tribunal Federal[1]. A questão é extremamente polêmica e vem culminando em inúmeros debates entre os especialistas e gestores públicos.
No início de 2022, buscando minimizar a letalidade policial no Estado do Rio de Janeiro, o ministro Edson Fachin proferiu a seguinte decisão cautelar na ADPF n. 635:
ADPF 635 MC-ED – Emenda: Ementa: CONSTITUCIONAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM MEDIDA CAUTELAR EM ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. OMISSÃO ESTRUTURAL DO PODER PÚBLICO NA ADOÇÃO DE MEDIDAS DE REDUÇÃO DA LETALIDADE POLICIAL. GRAVE VIOLAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS. NECESSIDADE DE ELABORAÇÃO DE PLANO PARA A REDUÇÃO DA LETALIDADE. DECISÃO DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. MORA INCONSTITUCIONAL. NECESSIDADE DA MEDIDA ESTRUTURAL. DEFERIMENTO DO PEDIDO. TRANSPARÊNCIA E PUBLICIDADE DOS PROTOCOLOS DE ATUAÇÃO POLICIAL. IMPOSIÇÃO CONSTITUCIONAL. DEFERIMENTO DO PEDIDO. MEDIDAS CAUTELARES ADICIONAIS PARA A GARANTIA DA DECISÃO COLEGIADA. PREVISÃO LEGAL EXPRESSA. INSTALAÇÃO DE CÂMERAS E GPS. DEFERIMENTO. PRESENÇA DE SERVIÇO DE SAÚDE NA REALIZAÇÃO DE GRANDES OPERAÇÕES. DEFERIMENTO. PROCEDIMENTO DE INVESTIGAÇÃO NO CASO DE DESCUMPRIMENTO DA MEDIDA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL E DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. EMBARGOS ACOLHIDOS. (Grifos nosso).
O que diz o Estado do Rio de Janeiro e especialistas:
Após a referida decisão, o Estado do Rio de Janeiro se manifestou[2] no sentido da contraindicação do uso de câmeras corporais pelos policiais do BOPE, uma vez que eles participam de operações e intervenções de alto sigilo e nível extremo de criticidade. Ademais, alegaram que não seria prudente revelar suas técnicas, táticas e seus equipamentos aos criminosos.
Destaca-se que terceiros não deveriam ter ciência dos padrões de conduta em suas patrulhas de terreno, no embarque e desembarque de blindados, na progressão em áreas de alto risco, na utilização de atiradores de precisão para a segurança da equipe, equipamentos especiais, drones, aeronaves e outros, para fazer frente à criminalidade violenta organizada.
Também se apontou o risco de se revelar a identidade de policiais em determinadas operações, notadamente sem um estudo técnico e aprofundado, o que culminaria em colocar a vida de policiais em risco.
No referido processo, o Estado do Rio de Janeiro apontou unidades especiais do Brasil e do exterior que não utilizam câmeras corporais. Vejamos: Hostage Rescue Team (HRT) – FBI / USA; Navy Seal – Marinha / USA; Groupe d’Intervention de la Gendarmerie Nationale (GIGN) / França; Einsatzkommando Cobra (COBRA) / Áustria; Jednostka Wojskowa (GROM) / Polônia; Grupo Especial de Operaciones (GEO) / Espanha; Grenzschutzgruppe 9 der Bundespolizei (GSG9) / Alemanha; Grupo de Operações Especiais (GOE) / Portugal; Nationella Insatsstyrkan / Suécia; Comando de Operações Táticas (COT / PF) / Brasil.
A Procuradoria do Estado do Rio de Janeiro ainda destaca a possibilidade das câmeras serem danificadas ou perdidas com frequência e, também, a possibilidade de ficarem encobertas por armamentos ou equipamentos, bem como a possibilidade de ruídos, sons ou luzes advindas das câmeras, colocando-se em dúvida se essa medida realmente estaria adequado ao princípio da eficiência que rege a Administração Pública, uma vez que tais medidas não alcançariam as finalidades desejadas.
De forma mais pragmática, muitos doutrinadores apontam que a decisão não poderia desrespeitar a discricionariedade administrativa. Por isso, muitos estudiosos argumentam que, se a ideia seria minimizar a letalidade policial, o ideal seria investir mais em capacitação e formação dos policiais e não apenas em medidas de controle e fiscalização. Paralelamente a esse debate, há quem sustente que seria melhor investir em presídios, em tornozeleiras eletrônicas, em viaturas, salários e equipamentos aos policiais do que em câmeras corporais para policiais do BOPE.
Por fim, existem argumentos de ordem subjetiva (inibição da atividade policial), no sentido de que os policiais poderiam deixar de atuar em determinadas situações, por se sentirem constrangidos pelo uso da câmera e pela possibilidade de análises equivocadas pelos órgãos correcionais. Levando o presente argumento ao extremo, bastaria imaginar a polêmica se políticos, médicos de hospitais públicos, professores públicos e outros servidores fossem obrigados a utilizar câmeras corporais durante suas atividades.
O que dizem os defensores das câmeras policiais:
Por outro lado, há quem sustente que as câmeras policiais reduzem a letalidade policial. Na ADPF n. 635, verificou-se uma situação generalizada de violação de direitos humanos em virtude da letalidade policial no estado do Rio de Janeiro. Assim, diante da omissão estrutural dos três Poderes, seriam necessárias soluções plurais e complexas, dentre elas a utilização de câmeras corporais por policiais.
Há bastante tempo, o Estado brasileiro não responderia a contento o problema inerente a letalidade policial[3], o que culminaria em uma mora inconstitucional. Assim, em caso de omissão e inadequação do Poder Executivo, o Judiciário, por meio da cláusula da inafastabilidade da jurisdição, poderia apreciar as mais diversas situações apresentadas em juízo.
A tecnologia seria uma forma de prestigiar os bons policiais. Conforme decisão na ADPF n. 635, os protocolos de atuação policiais devem ser públicos e transparentes, gerando confiabilidade na atuação das instituições.
Em relação ao argumento de ordem subjetiva, busca-se combater essa tese no sentido de que a câmera corporal serviria justamente para dar mais segurança ao policial, garantindo ainda sua proteção em eventual procedimento administrativo disciplinar, o que culminaria em incentivar sua atuação. Assim, além de salvaguardar direitos da população – notadamente aquela mais vulnerável – também estaria resguardando a atuação do prudente policial.
Seguindo esse raciocínio, pleiteia-se que as gravações possam ser disponibilizadas para o Ministério Público, vítimas e seus familiares, bem como para a Defensoria Pública, o que permitiria até mesmo melhor investigação defensiva.
Concurso Público: conclusão.
Como se observa, o tema é extremamente divergente. Nesse sentido, recomenda-se que os alunos tenham conhecimento dos argumentos de ambas as correntes, possibilitando até mesmo a realização da dialética no momento da prova. Oportunamente, a partir da carreira jurídica desejada, ao final, o aluno saberá o viés defendido por eventual instituição e poderá direcionar sua resposta para a corrente que entender mais pertinente.
[1] Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2024/01/bope-comeca-a-utilizar-cameras-corporais-no-rj-apos-decisao-judicial.shtml. Acesso em 02 de fevereiro de 2024.
[2] Disponível em https://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqobjetoincidente=5816502. Acesso em 02 de fevereiro de 2024.
[3] Precedente Caso Favela Nova Brasília – Corte Interamericana de Direitos Humanos.