STF reafirma poder investigatório do MP: o que mudou com as ADIs 3034 e 3317

STF reafirma poder investigatório do MP: o que mudou com as ADIs 3034 e 3317

Prof. Gustavo Cordeiro

Introdução: a polêmica que não se encerra

Poucos temas dividem tanto as carreiras jurídicas quanto o poder investigatório do Ministério Público. De um lado, delegados de polícia sustentam a exclusividade constitucional da investigação criminal; de outro, promotores e procuradores defendem a legitimidade de conduzir apurações próprias como decorrência lógica de suas atribuições.

Em outubro de 2025, o Supremo Tribunal Federal encerrou o julgamento de duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade que reacenderam o debate: a ADI 3034 (Rio de Janeiro) e a ADI 3317 (Rio Grande do Sul). Ambas questionavam dispositivos estaduais que autorizavam o Ministério Público a conduzir investigações criminais.

O resultado? O STF confirmou o poder investigatório do MP, mas impôs balizas rigorosas que todo concurseiro precisa conhecer. E mais: essas decisões consolidam entendimento que vinha sendo construído desde o julgamento do RE 593.727 (Tema 184 da repercussão geral) e das ADIs 2.943, 3.309 e 3.318.

Se você está se preparando para Ministério Público, Magistratura, Delegado ou Defensor Público, este tema é absolutamente estratégico. Vamos destrinchá-lo de forma clara, objetiva e conectada com o que realmente cai nas provas.

O precedente fundamental: Tema 184 da Repercussão Geral

Antes de analisarmos as ADIs 3034 e 3317, você precisa entender o marco zero dessa discussão: o Tema 184 de Repercussão Geral, julgado no RE 593.727, sob relatoria do Min. Cezar Peluso.

O que foi discutido?

O recurso extraordinário questionava, à luz dos arts. 5º, LIV e LV; 129, III e VIII; e 144, IV e § 4º da Constituição Federal, a constitucionalidade da realização de procedimento investigatório de natureza penal pelo Ministério Público.

Em outras palavras: o MP pode ou não investigar crimes diretamente, sem depender da polícia?

A tese fixada pelo STF (decore!)

O Supremo Tribunal Federal fixou a seguinte tese, que se tornou vinculante para todo o Judiciário:

“O Ministério Público dispõe de competência para promover, por autoridade própria, e por prazo razoável, investigações de natureza penal, desde que respeitados os direitos e garantias que assistem a qualquer indiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado, observadas, sempre, por seus agentes, as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição e, também, as prerrogativas profissionais de que se acham investidos, em nosso País, os Advogados (Lei 8.906/1994, art. 7º, notadamente os incisos I, II, III, XI, XIII, XIV e XIX), sem prejuízo da possibilidade – sempre presente no Estado democrático de Direito – do permanente controle jurisdicional dos atos, necessariamente documentados (Súmula Vinculante 14), praticados pelos membros dessa Instituição.”

Traduzindo para linguagem de concurseiro

Vamos destrinchar essa tese ponto por ponto, porque ela cai em prova:

“Por autoridade própria”: O MP não precisa pedir autorização à polícia ou ao juiz para iniciar uma investigação. Ele tem poder investigatório autônomo.

“Por prazo razoável”: A investigação não pode ser eterna. Deve haver controle temporal (embora a tese não tenha fixado prazo específico naquele momento, as ADIs posteriores o fizeram).

“Respeitados os direitos e garantias fundamentais”: O investigado tem direito ao contraditório, à ampla defesa, a não se auto-incriminar, etc. O MP não pode violar garantias constitucionais sob pretexto de investigar.

“Reserva constitucional de jurisdição”: Há atos que só o juiz pode autorizar: interceptação telefônica, busca e apreensão domiciliar, quebra de sigilo bancário/fiscal/telefônico, prisão (salvo flagrante), etc. O MP não pode praticá-los por conta própria.

“Prerrogativas dos advogados”: O MP deve respeitar os direitos previstos no Estatuto da OAB (Lei 8.906/94), como o direito de entrevista reservada com o cliente, comunicação de prisão em flagrante, acesso aos autos, etc.

“Permanente controle jurisdicional”: Todos os atos investigatórios estão sujeitos à fiscalização do Judiciário. O juiz pode, a qualquer momento, analisar a legalidade da investigação.

“Atos necessariamente documentados”: Referência à Súmula Vinculante 14 (“É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”). Todo ato investigatório deve ser registrado e acessível à defesa.

Por que o Tema 184 é tão importante?

Porque ele pacificou a discussão no STF. Depois desse julgamento, ficou definitivamente assentado que:

  1. O MP pode investigar crimes.
  2. Esse poder não é absoluto – há limites claros.
  3. A investigação ministerial não exclui a investigação policial – são concorrentes, não excludentes.

Todos os julgamentos posteriores (incluindo as ADIs 3034 e 3317) são desdobramentos e detalhamentos do Tema 184. É o precedente que você não pode errar em prova.

O contexto das ADIs: o que estava em jogo?

Com o Tema 184 já consolidado, por que surgiram novas ADIs questionando o poder investigatório do MP?

Simples: Estados e municípios editaram leis próprias conferindo expressamente aos Ministérios Públicos estaduais o poder de investigar. E as entidades de classe das polícias civis voltaram ao ataque, argumentando que essas normas estaduais violavam o art. 144 da CF.

ADI 3317 – Rio Grande do Sul

A Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol) ajuizou ação questionando dispositivos da Constituição estadual gaúcha, da Lei Orgânica do MP/RS e de resolução interna que conferiam ao Ministério Público poder para “investigação sumária de fatos típicos”.

O argumento central: a apuração de infrações penais é competência exclusiva das polícias (Civil e Federal), conforme previsto no art. 144 da Constituição Federal. Logo, qualquer norma estadual que ampliasse essa atribuição ao MP seria inconstitucional.

ADI 3034 – Rio de Janeiro

Já a Confederação Brasileira de Trabalhadores Policiais Civis (Cobrapol) questionou especificamente a expressão “ou criminal” do art. 35, XII, da Lei Complementar estadual 106/03, que autoriza o MP fluminense a conduzir investigações criminais.

A tese era a mesma: violação ao art. 144 da CF, que teria reservado privativamente à polícia judiciária a função investigativa.

Perceba: Embora o Tema 184 já tivesse sido julgado, as entidades policiais insistiram na tese da exclusividade, tentando invalidar legislações estaduais específicas.

As posições no STF: exclusividade policial x poder investigatório concorrente

Voto vencido: Ministro Marco Aurélio

Na ADI 3034, o relator, Ministro Marco Aurélio (aposentado), defendeu a tese da exclusividade policial. Para ele, a Constituição é clara ao atribuir à Polícia Civil e à Polícia Federal a apuração de infrações penais, não havendo espaço interpretativo para ampliar essa competência.

poder investigatório

Em suas palavras: “A concentração de poder é prejudicial ao bom funcionamento do Estado Democrático de Direito, razão por que interpretação ampliadora de poderes deve ser feita com reservas.”

Segundo Marco Aurélio, o MP deve atuar como fiscal da lei e exercer o controle externo da atividade policial (art. 129, VII, CF), requisitando diligências quando necessário, mas jamais substituindo o trabalho investigativo.

Posição majoritária: Ministro Gilmar Mendes

O voto divergente de Gilmar Mendes prevaleceu em ambas as ADIs, acompanhado por ampla maioria: Cármen Lúcia, Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Nunes Marques, André Mendonça, Luiz Fux, Luís Roberto Barroso e Cristiano Zanin.

A tese vencedora: o MP possui poder investigatório próprio, mas esse poder não é absoluto. Deve ser exercido sob controle judicial permanente e em estrita observância das garantias fundamentais.

Como sintetizou Gilmar: “O poder de investigar do Ministério Público é legítimo, mas deve ser exercido sob controle judicial e em estrita observância das garantias fundamentais.”

Importante: Gilmar Mendes não simplesmente “confirmou” o Tema 184. Ele foi além, estabelecendo balizas ainda mais detalhadas do que aquelas fixadas no RE 593.727. Veremos essas balizas adiante.

Voto de Alexandre de Moraes: fundamentação robusta

O Ministro Alexandre de Moraes apresentou voto-vista detalhado na ADI 3034, trazendo fundamentação que reforça a legitimidade constitucional do poder investigatório do MP.

Principais argumentos:

  1. Ampliação das funções do MP pela CF/88: A Constituição de 1988 transformou o Ministério Público em verdadeiro “defensor da sociedade”, conferindo-lhe papel ativo no combate à criminalidade.
  2. Teoria dos poderes implícitos: Órgãos públicos detêm todas as funções necessárias ao cumprimento de suas finalidades constitucionais, desde que não expressamente vedadas. Negar ao MP o poder de investigar seria esvaziar sua eficácia institucional.
  3. Direito comparado: Alemanha, França, Itália, Portugal, Espanha, Colômbia, México, Japão e Coreia do Sul conferem aos promotores poderes de direção ou condução da investigação criminal. Essa tendência global reflete a necessidade de cooperação institucional no enfrentamento da criminalidade complexa.
  4. Formação da opinio delicti: O MP pode produzir provas necessárias à formação de sua convicção sobre a existência de crime e autoria, sem que isso retire atribuições da polícia judiciária.

As balizas impostas pelo STF: o que o concurseiro precisa memorizar

Aqui está o coração do julgamento das ADIs 3034 e 3317. O STF não simplesmente “liberou” o MP para investigar sem limites. A Corte fixou parâmetros rigorosos que vão além do que foi estabelecido no Tema 184.

Comparação: Tema 184 x ADIs 3034 e 3317

AspectoTema 184 (RE 593.727)ADIs 3034 e 3317
Autoridade própria✅ Sim✅ Sim
Prazo razoável✅ Mencionado genericamente✅ Especificado: prazos do CPP (10 ou 30 dias)
Comunicação ao juiz❌ Não mencionado expressamente✅ Obrigatório: comunicação imediata
Prorrogação❌ Não detalhado✅ Só com autorização judicial
Distribuição processual❌ Não mencionado✅ Por dependência ao mesmo juízo
Controle judicial✅ Permanente✅ Permanente e detalhado

Balizas Obrigatórias (interpretação conforme à Constituição):

Comunicação imediata ao juiz competente: A instauração e o encerramento de cada procedimento investigatório devem ser comunicados ao Judiciário. Isso não estava expresso no Tema 184.

Observância dos prazos do CPP: O MP deve seguir os mesmos prazos aplicáveis aos inquéritos policiais:

  • 10 dias para investigado preso
  • 30 dias para investigado solto

Autorização judicial para prorrogação de prazo: Qualquer extensão temporal depende de decisão judicial motivada. O MP não pode prorrogar unilateralmente.

Distribuição por dependência: Os procedimentos investigatórios devem ser distribuídos ao mesmo juízo, evitando:

  • Duplicidade de apurações (MP e polícia investigando simultaneamente)
  • Forum shopping (escolha conveniente de juízo)

Controle jurisdicional permanente: Todos os atos investigatórios ficam sujeitos à fiscalização judicial, assegurando transparência e legalidade.

Respeito às garantias fundamentais e à reserva de jurisdição: O MP não pode praticar atos que dependam de autorização judicial:

  • Interceptação telefônica
  • Busca e apreensão domiciliar
  • Quebra de sigilo bancário/fiscal/telefônico
  • Prisão (salvo flagrante)

Respeito às prerrogativas da defesa: Aplicação do art. 7º do Estatuto da OAB (Lei 8.906/94).

Modulação dos efeitos

O STF determinou que:

  • Procedimentos já concluídos: Mantidos válidos.
  • Procedimentos em curso: Devem ser registrados judicialmente no prazo de 60 dias.

Isso significa que investigações antigas não serão anuladas, mas todas as em andamento devem se adequar às novas exigências rapidamente.

A evolução jurisprudencial: do Tema 184 às ADIs

Para você não se perder em prova, guarde esta linha do tempo:

RE 593.727 (Tema 184): Reconheceu o poder investigatório do MP pela primeira vez, fixando balizas genéricas.

ADIs 2.943, 3.309 e 3.318: Reafirmaram o entendimento e começaram a detalhar limites.

ADIs 3034 e 3317 (2025): Consolidaram e detalharam definitivamente as balizas, especialmente quanto a:

  • Prazos específicos
  • Comunicação obrigatória ao juiz
  • Autorização judicial para prorrogação
  • Distribuição por dependência

A tendência é clara: o STF reconhece o poder investigatório, mas aumenta progressivamente os mecanismos de controle.

Conexão com concursos públicos: como o tema pode cair?

Questão Simulada (Estilo CESPE/CEBRASPE)

(Promotor de Justiça – Estado Hipotético – 2026)

O Ministério Público estadual instaurou procedimento investigatório criminal (PIC) para apurar suposta prática de peculato por servidor público. Após 30 dias de investigações, o promotor de Justiça responsável decidiu prorrogar o prazo por mais 30 dias, mediante despacho fundamentado nos autos, e determinou a quebra de sigilo bancário do investigado. Não houve comunicação ao Poder Judiciário sobre a instauração do procedimento.

À luz da jurisprudência consolidada do STF (Tema 184 e ADIs 3034 e 3317), assinale a alternativa correta.

(A) O procedimento é válido, pois o MP possui poder investigatório próprio e independente, não necessitando de comunicação ao Judiciário, conforme fixado no Tema 184 da repercussão geral.

(B) A quebra de sigilo bancário pode ser determinada diretamente pelo promotor de Justiça, desde que fundamentada, pois se trata de ato investigatório inerente ao poder do MP reconhecido pelo STF.

(C) O procedimento é irregular, pois a investigação criminal é competência exclusiva da polícia judiciária, conforme art. 144 da CF, sendo vedada a atuação investigativa direta do MP.

(D) O procedimento é irregular por ausência de comunicação ao juiz competente e pela prorrogação unilateral do prazo, além de a quebra de sigilo bancário depender de autorização judicial, por configurar hipótese de reserva de jurisdição.

(E) O MP pode conduzir investigações sem controle judicial desde que observe os prazos previstos no Código de Processo Penal, sendo dispensável a comunicação ao Judiciário se houver fundamentação adequada.

🎯 Gabarito: Letra D

Por que a alternativa D está correta?

O STF, nas ADIs 3034 e 3317, aperfeiçoou o entendimento fixado no Tema 184, impondo balizas ainda mais estritas. Dentre elas:

  1. Obrigatoriedade de comunicação imediata ao juiz competente sobre a instauração do procedimento (requisito não expresso no Tema 184, mas detalhado nas ADIs).
  2. Prorrogação de prazo depende de autorização judicial: O promotor não pode, unilateralmente, prorrogar o prazo de investigação. Essa é uma das principais inovações das ADIs em relação ao Tema 184.
  3. Quebra de sigilo bancário é ato sujeito à reserva de jurisdição, exigindo sempre autorização judicial prévia. O MP não pode determiná-la por conta própria.

Portanto, o procedimento descrito contém três irregularidades graves: ausência de comunicação ao juiz, prorrogação unilateral e quebra de sigilo sem autorização judicial.

Por que as demais estão incorretas?

(A) Errada. Embora o Tema 184 reconheça o poder investigatório “por autoridade própria”, as ADIs 3034 e 3317 deixaram claro que a comunicação ao Judiciário é obrigatória. O poder é próprio, mas não independente de controle.

(B) Errada. A quebra de sigilo bancário é ato sujeito à reserva constitucional de jurisdição (expressão usada tanto no Tema 184 quanto nas ADIs). Apenas o juiz pode autorizá-la, mediante decisão fundamentada.

(C) Errada. O STF afastou definitivamente a tese da exclusividade policial tanto no Tema 184 quanto nas ADIs posteriores. O MP pode conduzir investigações criminais, desde que observe os limites constitucionais.

(E) Errada. O controle judicial permanente é requisito essencial fixado tanto no Tema 184 quanto nas ADIs. Não há investigação ministerial sem fiscalização do Judiciário, independentemente da fundamentação.

7. Quadro comparativo para revisão

Tema 184ADIs 3034 e 3317
Poder investigatório reconhecido✅ Mantido
“Prazo razoável” (genérico)✅ Especificado: 10 ou 30 dias (CPP)
Controle judicial permanente✅ Mantido e reforçado
Comunicação ao juiz❌ Não expresso
Prorrogação❌ Não detalhada
Distribuição❌ Não mencionada


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