Plano para sequestrar e matar Sérgio Moro: presos acusados são mortos a facadas dentro de penitenciária. Qual a responsabilidade do Estado?

Plano para sequestrar e matar Sérgio Moro: presos acusados são mortos a facadas dentro de penitenciária. Qual a responsabilidade do Estado?

Hoje veremos acerca do caso envolvendo o Senador Sérgio Moro, bem como as suas implicações no campo da responsabilidade do Estado.

* Marcos Vinícius Manso Lopes Gomes. Defensor Público do estado de São Paulo. Professor de Direito Constitucional do Estratégia Carreiras Jurídicas.

Sérgio Moro

Sérgio Moro: entenda o caso

Em março de 2023, durante a Operação Sequaz, dois indivíduos foram presos, acusados de integrar facção criminosa e planejar matar o senador Sérgio Moro e outras autoridades de segurança pública no Brasil [1].

De acordo com as notícias[2], integrantes do PCC executaram, em junho de 2024, os suspeitos de planejar o sequestro e a morte de Sérgio Moro. A execução foi realizada a facadas na penitenciária de Presidente Venceslau (SP).

Responsabilidade do Estado

No caso envolvendo o Sérgio Moro, aplica-se a responsabilidade civil objetiva do Estado (Teoria do Risco Administrativo), atraindo-se o art. 37, §6º, da Constituição Federal. Vejamos:

Constituição Federal, art. 37, § 6º – “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.

O princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF) e o princípio da humanização das penas (art. 5º, XLIX, CF) são garantias dos presos nos sistemas prisionais. Assim, busca-se garantir não apenas o mínimo existencial ao preso (atendendo-se as suas necessidades básicas), mas também assegurar sua integridade física e moral. Sérgio moro

O dever de proteção e garantia mínima de segurança pessoal, física e psíquica, dos detentos, trata-se de uma obrigação estatal com fundamento na normativa nacional e internacional. Vejamos:

– Constituição Federal, art. 5º, XLVII, “e”; XLVIII; XLIX;
– Lei 7.210/84 (LEP);
– Arts. 10; 11; 12; 40; 85; 87; 88; Lei 9.455/97 – crime de tortura;
– Lei 12.874/13 – Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, como, também, –
– Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas, de 1966, arts. 2; 7; 10; e 14;
– Convenção Americana de Direitos Humanos, de 1969, arts. 5º; 11; 25;
– Convenção da ONU contra Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, de 1984;
– Regras Mínimas para o Tratamento de Prisioneiros – adotadas no 1º Congresso das Nações Unidas para a Prevenção ao Crime e Tratamento de Delinquentes, de 1955.

Sérgio Moro: jurisprudência do STF

Assim, no caso de falta ou ineficiência em assegurar condições básicas de encarceramento, é de responsabilidade do Estado, nos termos do art. 37, §6º, da Constituição Federal, a obrigação de ressarcir os danos, inclusive morais. Nesse sentido, se encontra a jurisprudência do STF:

“Considerando que é dever do Estado, imposto pelo sistema normativo, manter em seus presídios os padrões mínimos de humanidade previstos no ordenamento jurídico, é de sua responsabilidade, nos termos do art. 37, § 6.º, da Constituição, a obrigação de ressarcir os danos, inclusive morais, comprovadamente causados aos detentos em decorrência da falta ou insuficiência das condições legais de encarceramento. Com essa orientação, o Tribunal (…) deu provimento a recurso extraordinário para restabelecer o juízo condenatório nos termos e limites do acórdão proferido no julgamento da apelação, a qual fixara indenização no valor de dois mil reais a favor de detento. Consoante o acórdão restabelecido, estaria caracterizado o dano moral porque, após laudo de vigilância sanitária no presídio e decorrido lapso temporal, não teriam sido sanados os problemas de superlotação e de falta de condições mínimas de saúde e de higiene do estabelecimento penal. Além disso, não sendo assegurado o mínimo existencial, seria inaplicável a teoria da reserva do possível”. [RE 580.252, rel. p/ o ac. Ministro Gilmar Mendes, j. 16/2/2017, P, Informativo 854, com repercussão geral].

No caso do Senador Sérgio Moro, ao que se tem notícias, durante a soltura dos presos para o banho de sol [3], fora realizada a execução dos indivíduos acusados e presos por planejar o sequestro e a morte do senador Sérgio Moro. Assim, bastará demonstrar os requisitos da responsabilidade civil (ação, nexo de causalidade e resultado).

Importante consignar que, conforme o STF, “a morte do detento pode ocorrer por várias causas, como, v. g., homicídio, suicídio, acidente ou morte natural, sendo que nem sempre será possível ao Estado evitá-la, por mais que adote as precauções exigíveis. (…) A responsabilidade civil estatal resta conjurada nas hipóteses em que o Poder Público comprova causa impeditiva da sua atuação protetiva do detento, rompendo o nexo de causalidade da sua omissão com o resultado danoso” (RE 841526).

Seguindo essa linha de raciocínio, o STF fixou a seguinte Tese de Repercussão Geral, que pode ser aplicável no caso envolvendo o Sérgio Moro: “em caso de inobservância do seu dever específico de proteção previsto no artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal, o Estado é responsável pela morte do detento” (RE 841526 – Repercussão Geral – Mérito: Tema 592). Vejamos o paradigmático julgado da Suprema Corte:

RE 841526 – Repercussão Geral – Mérito (Tema 592) – Órgão julgador: Tribunal Pleno – Relator(a): Min. LUIZ FUX – Julgamento: 30/03/2016 – Publicação: 01/08/2016 – EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR MORTE DE DETENTO. ARTIGOS 5º, XLIX, E 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. A responsabilidade civil estatal, segundo a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37, § 6º, subsume-se à teoria do risco administrativo, tanto para as condutas estatais comissivas quanto paras as omissivas, posto rejeitada a teoria do risco integral. 2. A omissão do Estado reclama nexo de causalidade em relação ao dano sofrido pela vítima nos casos em que o Poder Público ostenta o dever legal e a efetiva possibilidade de agir para impedir o resultado danoso. 3. É dever do Estado e direito subjetivo do preso que a execução da pena se dê de forma humanizada, garantindo-se os direitos fundamentais do detento, e o de ter preservada a sua incolumidade física e moral (artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal). 4. O dever constitucional de proteção ao detento somente se considera violado quando possível a atuação estatal no sentido de garantir os seus direitos fundamentais, pressuposto inafastável para a configuração da responsabilidade civil objetiva estatal, na forma do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal. 5. Ad impossibilia nemo tenetur, por isso que nos casos em que não é possível ao Estado agir para evitar a morte do detento (que ocorreria mesmo que o preso estivesse em liberdade), rompe-se o nexo de causalidade, afastando-se a responsabilidade do Poder Público, sob pena de adotar-se contra legem e a opinio doctorum a teoria do risco integral, ao arrepio do texto constitucional. 6. A morte do detento pode ocorrer por várias causas, como, v. g., homicídio, suicídio, acidente ou morte natural, sendo que nem sempre será possível ao Estado evitá-la, por mais que adote as precauções exigíveis. 7. A responsabilidade civil estatal resta conjurada nas hipóteses em que o Poder Público comprova causa impeditiva da sua atuação protetiva do detento, rompendo o nexo de causalidade da sua omissão com o resultado danoso. 8. Repercussão geral constitucional que assenta a tese de que: em caso de inobservância do seu dever específico de proteção previsto no artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal, o Estado é responsável pela morte do detento. 9. In casu, o tribunal a quo assentou que inocorreu a comprovação do suicídio do detento, nem outra causa capaz de romper o nexo de causalidade da sua omissão com o óbito ocorrido, restando escorreita a decisão impositiva de responsabilidade civil estatal. 10. Recurso extraordinário DESPROVIDO. 

Princípio da reserva do possível

Por fim, destaca-se que o STF possui entendimento no sentido de que o princípio da reserva do possível não pode ser aplicado para o Estado se eximir de cumprir suas obrigações constitucionais, notadamente quando se está diante do mínimo existencial da dignidade da pessoa humana.

Visto isso, concluímos a análise envolvendo o caso do Senador Sérgio Moro.

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REFERÊNCIAS:

[1] Disponível em https://g1.globo.com/sp/presidente-prudente-regiao/noticia/2024/06/19/detentos-utilizaram-short-canivete-e-punhal-artesanal-para-assassinar-presos-acusados-de-planejar-morte-de-sergio-moro.ghtml. Acesso em 19 de junho de 2024.

[2] Disponível em https://cultura.uol.com.br/noticias/66871_pcc-executa-na-prisao-homens-acusados-de-planejar-sequestro-de-sergio-moro.html. Acesso em 19 de junho de 2024.

[3] Disponível em https://cultura.uol.com.br/noticias/66871_pcc-executa-na-prisao-homens-acusados-de-planejar-sequestro-de-sergio-moro.html. Acesso em 19 de junho de 2024.

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