PL 2325/2024 e ampliação para 8 anos do prazo máximo de internação no Estatuto da Criança e do Adolescente – Análise Jurídica

PL 2325/2024 e ampliação para 8 anos do prazo máximo de internação no Estatuto da Criança e do Adolescente – Análise Jurídica

Introdução

O Projeto de Lei (PL) 2325/2024, de autoria do Deputado Delegado Ramagem (PL-RJ), propõe alterações significativas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei nº 8.069/1990.

As principais mudanças sugeridas no PL dizem respeito ao aumento do prazo máximo de internação de adolescentes infratores e à elevação da idade para liberação compulsória.

Assim, este artigo busca analisar as propostas à luz da legislação atual e dos princípios que regem o direito da criança e do adolescente no Brasil.

Contexto atual

Princípios fundamentais do ECA

O Estatuto da Criança e do Adolescente, instituído pela Lei nº 8.069/1990, é fundamentado na doutrina da proteção integral.

Essa doutrina reconhece crianças e adolescentes como sujeitos de direitos, considerando sua condição peculiar de pessoas em desenvolvimento.

Medidas socioeducativas no ECA

O ECA prevê, em seu artigo 112, as seguintes medidas socioeducativas aplicáveis a adolescentes que praticam atos infracionais:

  • Advertência
  • Obrigação de reparar o dano
  • Prestação de serviços à comunidade
  • Liberdade assistida
  • Inserção em regime de semiliberdade
  • Internação em estabelecimento educacional

Portanto, vamos analisar cada uma dessas medidas em detalhes:

Advertência (Art. 115)

Consiste em admoestação verbal, que será reduzida a termo e assinada.

Aliás, ela é aplicada em casos de atos infracionais leves.

Obrigação de reparar o dano (Art. 116)

Aplicável quando o ato infracional tem reflexos patrimoniais.

Assim, o adolescente deve restituir a coisa, promover o ressarcimento do dano, ou compensar o prejuízo da vítima por outra forma.

Prestação de serviços à comunidade (Art. 117)

Consiste na realização de tarefas gratuitas de interesse geral, por período não excedente a seis meses, junto a entidades assistenciais, hospitais, escolas e outros estabelecimentos congêneres, bem como em programas comunitários ou governamentais.

Liberdade assistida (Arts. 118 e 119)

Em seguida, esta é uma medida que visa acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente.

Um orientador é designado para acompanhar o caso, com prazo mínimo de seis meses.

Além disso, o orientador pode, entre outras funções, supervisionar a frequência escolar e diligenciar no sentido da profissionalização do adolescente.

Regime de semiliberdade (Art. 120)

PL

Pode ser determinado desde o início ou como forma de transição para o meio aberto.

Desse modo, possibilita-se a realização de atividades externas, independentemente de autorização judicial.

Ademais, é obrigatória a escolarização e a profissionalização.

Internação (Arts. 121 a 125)

Por fim, a internação é uma medida privativa da liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.

A medida de internação no ECA atual

A internação, como medida mais severa, merece uma análise mais detalhada.

Primeiramente, vejamos quais são as hipóteses de aplicação (Art. 122):

  1. Ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência à pessoa;
  2. Reiteração no cometimento de outras infrações graves;
  3. Descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta.

Prazo máximo: 3 anos (Art. 121, §3º).

Liberação compulsória: aos 21 anos de idade (Art. 121, §5º).

Reavaliação da medida: no máximo a cada 6 meses (Art. 121, §2º).

Atividades externas: podem ser realizadas, a critério da equipe técnica da entidade, salvo expressa determinação judicial em contrário (Art. 121, §1º).

Direitos do Adolescente Privado de Liberdade (Art. 124): inclui o direito de ser tratado com respeito e dignidade, receber visitas, corresponder-se com familiares e amigos, ter acesso aos meios de comunicação social, entre outros.

Jurisprudência relevantes sobre medidas protetivas e socioeducativas

Contagem do prazo máximo de internação

STJ. 5ª Turma. REsp 1956497-PR, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 05/04/2022 (Info 732).

O STJ decidiu que o período de tratamento médico deve ser contabilizado no prazo de 3 anos para a duração máxima da medida de internação, conforme o art. 121, § 3º, do ECA.

Este julgado abordou a situação de um adolescente que, durante o cumprimento de medida socioeducativa de internação, desenvolveu transtorno mental e foi submetido a tratamento médico.

Pois bem, o tribunal entendeu que suspender a contagem do prazo trienal durante o tratamento médico poderia resultar em uma restrição de liberdade potencialmente perpétua, o que é inadmissível no sistema processual brasileiro.

O STJ baseou sua decisão em uma interpretação analógica do art. 183 da Lei de Execução Penal (LEP), que limita a duração da medida de segurança imposta ao apenado adulto que desenvolve transtorno mental ao tempo remanescente da pena privativa de liberdade. Assim, aplicou-se o mesmo raciocínio aos adolescentes, em consonância com o art. 35, I, da Lei nº 12.594/2012 (SINASE).

Cálculo do prazo prescricional em medidas socioeducativas

STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1856028-SC, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 12/05/2020 (Info 672).

O STJ estabeleceu que, para medidas socioeducativas aplicadas sem termo, o prazo prescricional deve basear-se na duração máxima da internação (3 anos), e não no tempo que a medida poderia ser efetivamente cumprida até o socioeducando completar 21 anos.

Este caso tratou da forma de cálculo do prazo prescricional para medidas socioeducativas. O tribunal decidiu que se deve considerar o lapso prescricional de 8 anos previsto no art. 109, IV, do Código Penal, reduzido pela metade conforme o art. 115 do mesmo código, resultando em 4 anos.

Esta decisão visa garantir um tratamento mais equânime entre adolescentes e adultos no que se refere à prescrição, evitando que adolescentes fiquem sujeitos a prazos prescricionais mais longos do que adultos em situações similares.

Reiteração de atos infracionais graves

STJ. 5ª Turma. HC 457.094/SP, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 04/10/2018.

STJ. 6ª Turma. AgInt no AREsp 1283377/MS, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 21/08/2018.

Estes julgados estabeleceram que o ECA não exige um número mínimo de atos infracionais graves para justificar a internação com base no art. 122, II (reiteração no cometimento de outras infrações graves).

Anteriormente, havia um entendimento de que seriam necessários no mínimo três atos infracionais graves para configurar a “reiteração” mencionada no art. 122, II do ECA. No entanto, estes julgados superaram essa interpretação.

O STJ decidiu que cabe ao magistrado analisar as particularidades de cada caso, considerando as condições específicas do adolescente. Assim, dependendo das circunstâncias, mesmo a prática de apenas dois atos infracionais graves pode ser suficiente para justificar a internação, desde que devidamente fundamentada a decisão.

Esta interpretação visa proporcionar uma resposta mais adequada e individualizada a cada caso, permitindo que o juiz considere fatores como a gravidade dos atos, o intervalo entre eles e o histórico do adolescente.

Remissão e medidas socioeducativas

STJ. 6ª Turma. REsp 1392888-MS, Rel. Min. Rogerio Schietti, julgado em 30/6/2016 (Info 587).

O STJ decidiu que o juiz não pode modificar os termos da remissão pré-processual oferecida pelo Ministério Público, excluindo a medida socioeducativa cumulada.

Este julgado tratou da prerrogativa do Ministério Público de propor a remissão pré-processual, conforme o art. 126, caput, do ECA. O tribunal entendeu que, caso o juiz discorde da proposta de remissão cumulada com medida socioeducativa, ele deve remeter os autos ao Procurador-Geral de Justiça, que poderá:

a) oferecer representação;
b) designar outro Promotor para apresentar a representação; ou
c) ratificar o arquivamento ou a remissão.

A decisão ressalta o papel do Ministério Público como titular da ação socioeducativa e a importância de respeitar os termos da remissão oferecida, evitando que o juiz modifique unilateralmente o acordo proposto.

Aplicação de escusas absolutórias

STJ. 6ª Turma. HC 251681-PR, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 3/10/2013 (Info 531).

O STJ decidiu que é possível aplicar as escusas absolutórias previstas no Código Penal aos atos infracionais análogos a crimes contra o patrimônio.

Assim, este julgado abordou a possibilidade de aplicar aos adolescentes as escusas absolutórias previstas no art. 181 do Código Penal, que isentam de pena certos crimes contra o patrimônio quando praticados em prejuízo de cônjuge, ascendente ou descendente.

O tribunal entendeu que, embora o ECA não preveja expressamente a aplicação dessas escusas, elas devem ser estendidas aos adolescentes em situação análoga, em respeito ao princípio da proteção integral e da condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.

O Projeto de Lei 2325/2024: principais alterações propostas

O PL 2325/2024, de autoria do Deputado Delegado Ramagem (PL-RJ), propõe alterações significativas no ECA, principalmente no que tange à medida socioeducativa de internação.

Então, vamos analisar detalhadamente cada uma das principais mudanças:

Aumento do prazo máximo de internação

Proposta: aumentar o prazo máximo de internação de 3 para 8 anos.

Fundamentação do autor da proposta: o aumento visa combater a percepção de impunidade e proporcionar mais tempo para a ressocialização de adolescentes que cometeram atos infracionais graves.

Quais são as implicações?

  • Altera o Art. 121, §3º do ECA;
  • Potencial conflito com o princípio da brevidade da medida socioeducativa;
  • Possível necessidade de adequação de programas socioeducativos para períodos mais longos.

Elevação da idade de liberação compulsória

Proposta: elevar a idade de liberação compulsória de 21 para 26 anos.

Fundamentação do autor da proposta: visa permitir a continuidade da medida socioeducativa para casos considerados mais graves, mesmo após a maioridade civil.

Quais são as implicações?

  • Altera o Art. 121, §5º do ECA;
  • Possível conflito com o princípio da excepcionalidade da medida;
  • Questões sobre a constitucionalidade da medida, considerando o tratamento diferenciado para jovens adultos.

Condicionamento de atividades externas ao monitoramento eletrônico

Proposta: condicionar a realização de atividades externas ao monitoramento eletrônico.

Fundamentação do autor da proposta: busca aumentar o controle sobre os adolescentes internados durante atividades externas.

Quais são as implicações?

  • Alteraria o Art. 121, §1º do ECA;
  • Possíveis questionamentos sobre a privacidade e estigmatização dos adolescentes;
  • Necessidade de regulamentação específica sobre o uso de monitoramento eletrônico para adolescentes.

Atualização do rol de atos infracionais para internação

Proposta: ampliar o rol de atos infracionais que possibilitam a aplicação da medida de internação.

Fundamentação do autor da proposta: visa abranger mais tipos de infrações consideradas graves.

Quais são as implicações?

  • Alteraria o Art. 122 do ECA;
  • Potencial aumento no número de internações;
  • Possível conflito com o princípio da excepcionalidade da medida de internação.

Justificativa Geral do PL 2325

Segundo o autor e o relator do projeto, Deputado Allan Garcês (PP-MA), as alterações são necessárias devido ao “crescimento da criminalidade entre os jovens” no Brasil.

Nesse sentido, eles argumentam que as mudanças são uma “medida de combate à impunidade” e visam proporcionar maior segurança à sociedade.

Por conseguinte, o relator cita dados do IBGE de 2022, afirmando que houve um aumento significativo no número de jovens infratores entre 12 e 18 anos na última década, com mais de 300 mil casos de crimes juvenis registrados em 2019, representando um aumento de aproximadamente 40% em relação ao ano anterior.

Análise crítica das propostas do PL 2325

Aspectos favoráveis

  • Potencial aumento do tempo para ressocialização de infratores que cometeram atos graves;
  • Possibilidade de maior proteção à sociedade em casos de infratores considerados de alta periculosidade.

Aspectos controversos

  • Possível conflito com os princípios de brevidade e excepcionalidade da medida de internação;
  • Questionamentos sobre a eficácia da privação prolongada de liberdade na ressocialização de adolescentes;
  • Potencial sobrecarga do sistema socioeducativo.

Como o tema já caiu em provas

NC-UFPR - 2013 - TJ-PR - Juiz

Não havendo outra medida adequada, pode ser aplicada a internação:

Alternativas

A) se o ato infracional foi cometido mediante violência.

B) pelo descumprimento reiterado e injustificado de medida anteriormente imposta.

C) com prazo máximo de 3 anos.

D) pelo cometimento de ato infracional grave, análogo a crime punido com pena mínima de três anos de reclusão.

Gab: B

Conclusão

Finalmente, o PL 2325/2024 propõe mudanças significativas no tratamento de adolescentes infratores no Brasil. Enquanto seus defensores argumentam pela necessidade de medidas mais rigorosas, críticos alertam para possíveis violações de direitos e questionam a eficácia das alterações propostas.

O debate em torno deste PL reflete a complexidade do tema e a necessidade de equilibrar a proteção da sociedade com os direitos e o melhor interesse de crianças e adolescentes, conforme preconizado pela Constituição Federal e pelos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário.

Portanto, a discussão continuará no âmbito legislativo, e é fundamental que seja pautada por evidências científicas, respeito aos direitos humanos e consideração das experiências nacionais e internacionais no tratamento da questão da criminalidade juvenil.


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