No início de junho de 2025, o cenário jurídico foi surpreendido por um episódio que expôs tensões entre soberania estatal e liberdades profissionais.
Isto porque, o advogado paraibano Walber de Moura Agra, conhecido nacionalmente por ter subscrito a ação que resultou na inelegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro, encontrou-se no centro de uma controvérsia diplomática. Isto é, o advogado foi sumariamente expulso da Bolívia.

De acordo com as fontes, o jurista havia sido contratado pelo ex-presidente boliviano Evo Morales para elaborar parecer técnico questionando decisão do Tribunal Constitucional Plurinacional (TCP) que impedia nova candidatura presidencial de Morales.
Dessa maneira, o parecer sustentava tese de que a Constituição boliviana não vedava expressamente a reeleição não consecutiva, caracterizando a decisão do TCP como mutação constitucional não autorizada.
Contudo, ao desembarcar no aeroporto de La Paz na noite de 2 de junho, Agra foi cercado por policiais e informado de sua imediata expulsão.
Dessa maneira, a Direção Geral de Migração boliviana (DIGEMIG) o declarou “persona non grata“. O DIGEMIG fundamentou a medida em supostas declarações públicas do advogado em redes sociais e imprensa, interpretadas como ingerência política inaceitável no cenário doméstico boliviano.
Nessa linha, este episódio levanta questionamentos fundamentais sobre os limites da soberania estatal: e se isso tivesse acontecido no Brasil, seria possível?
Contexto político-jurídico que levou à declaração de persona non grata
Apenas para contextualizar, os acontecimentos que culminaram na expulsão do advogado Walber Agra revelam-se intrinsecamente conectados ao intrincado xadrez político boliviano, onde forças antagônicas disputam hegemonia desde a saída de Evo Morales do poder em 2019.
Dessa maneira, vale ressaltar que o atual presidente Luis Arce, outrora ministro da Economia de Morales, rompeu definitivamente com seu antigo mentor. Estabeleceu, assim, uma rivalidade política que transborda para questões jurídico-constitucionais.
Neste contexto, o parecer elaborado pelo jurista paraibano atacou frontalmente a decisão do TCP – Tribunal Constitucional Plurinacional. Questionou especificamente a hermenêutica adotada pelos magistrados constitucionais.
Em síntese, Agra sustentou a tese: a Carta Magna boliviana jamais vedou expressamente a reeleição descontínua, argumentando pela ocorrência de mutação constitucional não autorizada pelo poder constituinte originário.
Obviamente, emerge uma dúvida: pode um Estado soberano tipificar como ingerência política a elaboração de parecer jurídico técnico, mesmo versando sobre matéria constitucionalmente sensível?
Princípio da reciprocidade diplomática
De início, é importante destacar que a declaração unilateral de persona non grata direcionada contra profissional brasileiro no exercício legítimo da advocacia internacional pode deflagrar incidente diplomático de proporções ainda imprevisíveis.
Historicamente, o princípio da reciprocidade, que rege as relações interestatais desde Westfália, autoriza respostas simétricas quando nacionais de um Estado recebem tratamento considerado inadequado em território estrangeiro.
Inclusive, a jurisprudência consolidada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos oferece farto material para análise comparativa do caso em tela. Precedentes como “Caso Herrera Ulloa vs. Costa Rica” e “Caso Ricardo Canese vs. Paraguai” estabeleceram standards rigorosos para restrições à liberdade de expressão, exigindo demonstração inequívoca de necessidade social imperiosa e proporcionalidade estrita.
Hipótese de expulsão similar no ordenamento jurídico brasileiro
Transportando a análise para o cenário jurídico pátrio, emerge questionamento pertinente: poderia o Brasil adotar medida expulsória similar contra advogado estrangeiro que elaborasse parecer técnico sobre questões constitucionais sensíveis?
A resposta demanda exame criterioso da legislação brasileira sobre migração e dos princípios constitucionais que regem o tratamento de estrangeiros.
Assim, ensina a Lei nº 13.445/2017 (Lei de Migração), que substituiu o antigo Estatuto do Estrangeiro, estabelece em seu art. 3º princípios e diretrizes fundamentais para política migratória brasileira, destacando-se a “garantia do direito à reunião familiar do migrante com seus familiares” e o “combate à xenofobia, ao racismo e a quaisquer formas de discriminação”.
Ademais, particularmente relevante mostra-se o inciso X do mesmo dispositivo, que consagra o “devido processo legal e ampla defesa a todo migrante submetido a procedimento de retirada compulsória”.
Hipóteses legais de expulsão e suas limitações
Nessa linha, o art. 54 da Lei de Migração enumera taxativamente as hipóteses ensejadoras de expulsão, exigindo sempre decisão fundamentada da autoridade competente e observância rigorosa do contraditório e ampla defesa.
Dessa maneira, analisando especificamente as hipóteses legais, constata-se que a mera elaboração de parecer jurídico técnico, mesmo versando sobre matéria constitucionalmente controversa, não se enquadra em nenhuma das situações tipificadas pelo legislador brasileiro.
Com efeito, seria necessário demonstrar que tal atividade configurasse efetiva ameaça à ordem pública ou segurança nacional, ônus probatório extremamente rigoroso à luz da jurisprudência consolidada.
Proteção constitucional diferenciada
Por fim, sob perspectiva constitucional, o ordenamento brasileiro oferece proteção diferenciada à liberdade de expressão e ao exercício profissional da advocacia.
Ademais, o art. 5º, inciso IX da Constituição Federal assegura que “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. Tal dispositivo abrangeria inequivocamente pareceres jurídicos técnicos.
Lado outro, o Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/94) estabelece inviolabilidade profissional robusta, tornando praticamente impossível caracterizar assessoramento jurídico técnico como ameaça à ordem pública. O artigo 7º, inciso I do referido diploma legal assegura ao advogado a prerrogativa de “exercer com liberdade a profissão em todo o território nacional”. Tal dispositivo seria frontalmente violado por eventual expulsão fundamentada exclusivamente em atividade profissional regular.
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