Pênis voador e a quebra de deveres funcionais do servidor
Imagem: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Pênis voador e a quebra de deveres funcionais do servidor

* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.

Entenda o que aconteceu

Ameaça

Um diplomata do Itamaraty enviou a um colega carta contendo apenas o desenho de um “pênis com asas”.

O primeiro-secretário Cristiano Ebner, chefe da Divisão de Saúde e Segurança (DSS) do Servidor do Itamaraty, recebeu a correspondência de uma “Fundação Kresus”, sem identificação de seu remetente. Não havia nada de texto, apenas o desenho de um pênis voador.

Ebner, então, enviou a carta para a Corregedoria do Ministério das Relações Exteriores.

Como a função de Cristiano é analisar exames admissionais e perícias médicas, que podem implicar o retorno de um servidor ao exterior ou adiar sua remoção do Brasil por questões de saúde, situações que podem desagradar colegas de Itamaraty, aliado ao fato de que não sabia quem seria o remetente, Ebner temeu por sua segurança.

A embaixadora Daniella Ortega, chefe imediata do primeiro-secretário, aconselhou a levar o caso às autoridades competentes. Em seguida, a Polícia Federal iniciou uma apuração para averiguar o cometimento de eventual crime de ameaça.

A investigação da Polícia Federal descobriu, por meio de imagens de câmeras de segurança, o autor do trote: Pablo Cardoso, embaixador radicado em Lisboa e ministro-conselheiro do Brasil na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.

Pablo teria dito a colegas que, caso recebesse uma instrução em uma sexta-feira, iria aprontar. E foi o que aconteceu.

Cardoso recebeu uma instrução na sexta-feira, e pediu a um amigo que postasse o “pênis voador”, pelos Correios.

Ao perceber que o caso tinha tomado grandes proporções, Pablo pediu a Abner que desistisse da representação à corregedoria, já que o fato não passou de uma “pegadinha infantil”.

Mas o chefe da DSS, Ebner, decidiu levar o caso adiante.

TAC

No final de 2024, o autor da carta assinou um Termo de Ajustamento de Conduta – TAC, comprometendo-se a manter um comportamento compatível com seu cargo num prazo de 24 meses.

Por fim, a Corregedoria não abriu o procedimento administrativo disciplinar, e a Polícia Federal arquivou a investigação por “falta de elementos para a consumação do delito” de ameaça.

Logo após, Pablo Cardoso foi designado para chefiar a embaixada do Brasil em Guiné-Bissau.

Análise jurídica   

Aliás, você sabe o que faz um diplomata?

Ameaça

Entre as atividades desenvolvidas pelos diplomatas brasileiros estão:

  • Representar o Brasil perante outros países e organizações internacionais;
  • Contribuir para a formulação da política externa brasileira;
  • Participar de reuniões internacionais e, nelas, negociar em nome do Brasil;
  • Promover o comércio exterior brasileiro e atrair turismo e investimentos;
  • Divulgar a cultura e os valores do povo brasileiro;
  • Prestar assistência consular aos nacionais brasileiros no exterior.

Portanto, os pontos de interesse jurídico em toda essa brincadeira são os relativos aos deveres funcionais do servidor público, ao procedimento administrativo disciplinar e ao crime de ameaça.

Seara disciplinar

O regime jurídico aplicável aos Servidores do Serviço Exterior Brasileiro, que inclui os diplomatas, está contido na Lei nº 11.440/2006.

O Serviço Exterior Brasileiro é composto das seguintes carreiras (art. 2º):

  • Carreira de Diplomata: incumbem atividades de natureza diplomática e consular, em seus aspectos específicos de representação, negociação, informação e proteção de interesses brasileiros no campo internacional.
  • Carreira de Oficial de Chancelaria: incumbem atividades de formulação, implementação e execução dos atos de análise técnica e gestão administrativa necessários ao desenvolvimento da política externa brasileira (nível superior).
  • Carreira de Assistente de Chancelaria: incumbem tarefas de apoio técnico e administrativo (nível médio).

Além dos deveres previstos no Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União (artigo 116, da Lei nº 8.112/1990), constituem deveres específicos do servidor do Serviço Exterior Brasileiro:

I - Atender pronta e solicitamente ao público em geral, em especial quando no desempenho de funções de natureza consular e de assistência a brasileiros no exterior;

II - Respeitar as leis, os usos e os costumes dos países onde servir, observadas as práticas internacionais;

III - Manter comportamento correto e decoroso na vida pública e privada;

IV - Dar conhecimento à autoridade superior de qualquer fato relativo à sua vida pessoal, que possa afetar interesse de serviço ou da repartição em que estiver servindo; e

V - Solicitar, previamente, anuência da autoridade competente, na forma regulamentar, para manifestar-se publicamente sobre matéria relacionada com a formulação e execução da política exterior do Brasil.

As penalidades disciplinares aplicáveis são aquelas previstas no artigo 127, da Lei nº 8.112/1990, a saber:

  • I – advertência;
  • II – suspensão;
  • III – demissão;
  • IV – cassação de aposentadoria ou disponibilidade;         
  • V – destituição de cargo em comissão; e
  • VI – destituição de função comissionada.

Ademais, na aplicação das penalidades serão consideradas:

  • A natureza e a gravidade da infração cometida;
  • Os danos que dela provierem para o serviço público;
  • As circunstâncias agravantes ou atenuantes; e
  • Os antecedentes funcionais.

Portanto, em tese, o diplomata que enviou a carta com o pênis voador poderia ser enquadrado como violador do dever de manter um comportamento correto e decoroso, estando sujeito às penalidades disciplinares previstas na lei.

Seara criminal

Quanto ao crime de ameaça, fez bem a Polícia Federal em arquivar o inquérito por falta de elementos configuradores do ilícito penal, haja vista o nítido caráter jocoso do envio da carta.

O crime de ameaça está previsto no artigo 147, do Código Penal:

CP

Ameaça

Art. 147 - Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

O crime de ameaça é de natureza formal, consumando-se com o resultado da ameaça, ou seja, com a intimidação sofrida pelo sujeito passivo ou simplesmente com a idoneidade intimidativa da ação, sendo desnecessário o efetivo temor de concretização.

É necessária uma ameaça idônea, séria e concreta, capaz de impor medo à vítima, para que o fato seja tipificado como crime.

Que o episódio sirva de lição para que o servidor pense duas vezes antes de praticar certos tipos de brincadeiras no serviço público.

Tema interessante para provas que exijam conhecimentos acerca dos deveres e sanções disciplinares aplicáveis ao servidor público federal.


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