PEC da Reforma Administrativa – Análise das propostas de alterações nos artigos 1º ao 37 da Constituição Federal de 1988

PEC da Reforma Administrativa – Análise das propostas de alterações nos artigos 1º ao 37 da Constituição Federal de 1988

*João Paulo Lawall Valle é Advogado da União (AGU) e professor de direito administrativo, financeiro e econômico do Estratégia carreira jurídica.

Entenda o caso

O Deputado Federal Pedro Paulo, relator da Reforma Administrativa, liberou a minuta inicial da proposta de Emenda à Constituição que tem como objeto alterar normas sobre a Administração Pública brasileira com objetivos de (i) aperfeiçoar a governança e a gestão pública, (ii) promover a transformação digital, (iii) impulsionar a profissionalização e (iv) extinguir privilégios no serviço público.

Logo, o tema da reforma administrativa é central para vida dos concurseiros por dois motivos diversos:

  1. O texto da Constituição Federal de 1988 certamente será cobrado nas provas de direito constitucional, administrativo, financeiro, entre outros ramos do direito e, por isso, precisam ser muito bem compreendidos pelos alunos;
  2. A normativa que será inaugurada pela Reforma Administrativa, quando aprovada, regulará a realização de novos concursos públicos e também disciplinará a relação entre os servidores públicos e o Estado.

    Dessa forma, conhecer bem os detalhes da proposta de PEC é importante. Isso permite o amadurecimento do tema na cabeça dos concurseiros, e reforça a consolidação do novo texto da Constituição Federal que virá por aí.

    Não podemos deixar de trazer, para fins de reforço e memorização, que a PEC da Reforma Administrativa está estruturada em quatro eixos complementares entre si:

    • Governança e Gestão
    • Transformação Digital
    • Profissionalização
    • Extinção de Privilégios

    Os arts. 5º a 37 da Constituição Federal sofrerão mudanças importantes e que os concurseiros precisam compreender muito bem, garantindo não errar questões cobrando a literalidade da nova Constituição.

    Por fim, importante ressaltar que a análise feita neste texto é puramente técnica e não trará qualquer juízo de valor sobre a justiça e adequação das medidas que compõe a proposta de emenda à Constituição Federal.

    Análise Jurídica

    Inclusão digital

    Vamos começar a análise jurídica das reformas na Constituição pretendidas pela proposta de projeto de emenda à Constituição. Haverá a inserção de novas alíneas ao inciso XXXIV e um novo inciso (LXXX) ao art. 5º, trazendo mais uma garantia individual:

    Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
    
    (...)
    
    XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:
    
    b) a obtenção, inclusive por meios digitais, de certidões emitidas por repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal;
    
    c) a primeira via da carteira de identidade nacional, a ser expedida em formato físico e digital, para possibilitar a identificação única dos cidadãos e o acesso aos serviços públicos digitais;
    
    ...
    
    LXXX - é assegurado, nos termos da lei, o direito à inclusão digital.
    
    ...” (NR)

    Se aprovado o texto como proposto pelo relator da PEC, é importante destacar que o direito à inclusão digital entrará na ampla lista de direitos e garantias individuais trazidas pela Constituição. Como se sabe, trata-se de dispositivo com feição programática que tem o condão de influenciar os Poderes Legislativo e Executivo a adotarem medidas para dar concretude a tal direito.

    E esta previsão normativa tem conexão direta com o novo direito social que será inserido no art. 6º, caput da CF/88, ou seja, a inclusão digital será um novo direito social de todos. Assim podemos consolidar a inclusão social da seguinte forma:

    Reforma Administrativa

    Outra alteração que vale destaque tem direta relação com o exercício dos direitos políticos e da democracia direta. Por isso, ela pode ser alvo de cobrança nas provas de direito constitucional e de direito eleitoral.

    Além disso, vale lembrar que os direitos políticos garantem a participação do cidadão na vida política do Estado. No contexto que estamos trabalhando, vale destacar 3 institutos que serão afetados se a reforma administrativa for aprovada: o referendo, o plebiscito e a iniciativa popular para apresentação de projeto de lei.

    Mas o que efetivamente mudará com a aprovação da reforma administrativa? Para a iniciativa popular, o texto deixa claro que a identificação dos cidadãos pode ser realizada de forma digital. Já para o referendo e plebiscito, ambas as consultas deverão ser realizadas por meios digitais, resguardada, quando indispensável, a participação presencial.

    Competências

    Outro tema que está na proposta de PEC da Reforma Administrativa e que sempre está presente nas provas de concurso público trata das competências previstas nos artigos 21, 22 e 23 da Constituição Federal. Os referidos artigos regulam, respectivamente:

    • Artigo 21 – Competência material da União;
    • Artigo 22 – Competência legislativa privativa da União;
    • Artigo 23 – Competência material comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

    Caso aprovado a proposta de PEC será nova competência material da União planejar, implementar e manter a Estratégia Nacional de Governo Digital e a Política Nacional de Dados para o Setor Público, aplicáveis a qualquer dos Poderes e Órgãos autônomos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

    Por sua vez, no âmbito da competência legislativa privativa da União, caberá à União editar normas gerais sobre os seguintes temas:

    • Parcerias com instituições sem fins lucrativos;
    • Ciclo laboral da gestão de pessoas nas administrações públicas direta e indireta de qualquer dos Poderes e Órgãos autônomos da União, Estados, Distrito Federal e Municípios;
    • Organização administrativa, governança pública, planejamento estratégico, acordos de resultados institucionais, prestação de serviços públicos e formulação, implementação e avaliação de políticas públicas, processo administrativo;
    • Governo digital, inovação, prestação digital de serviços públicos, transparência e dados abertos, controle e participação social, segurança cibernética e interoperabilidade de sistemas das administrações públicas direta e indireta de qualquer dos Poderes e Órgãos autônomos da União, Estados, Distrito Federal e Municípios;
    • Atividades desempenhadas pelos órgãos de controle e processos perante os Tribunais de Contas.

    Quanto a competência material comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios a proposta de PEC prevê a seguinte inclusão no artigo 23:

    Art. 23

    (...)

    XIII - promover a inclusão digital e o acesso dos cidadãos aos serviços públicos digitais.

    Planejamento estratégico

    Nos artigos seguintes (arts. 27 a 29) a proposta da PEC da Reforma Administrativa traz regras com direto impacto nas despesas do Poder Legislativo estadual e municipal, e Poder Judiciário dos Estados, com o objetivo de controlar os gastos dos entes federativos subnacionais.

    Chamo atenção para a inserção, no texto da proposta de PEC obrigação similar para os Estados e Municípios de publicação por entes subnacionais de planejamento estratégico para resultados, com objetivos e metas para todo o mandato, no prazo de 180 dias após o início do mandato dos respectivos Chefes do Poder Executivo:

    Art. 28Art. 29
    § 1º-A No prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias após a posse, o Governador deverá divulgar planejamento estratégico para resultados, com objetivos e metas para todo o mandato, o qual ficará disponível no portal da transparência do ente federativo e deverá orientar os acordos de resultados de que trata o art. 38-A desta Constituição, especificamente as metas e objetivos de cada ciclo anual.II-A – no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias após a posse, o Prefeito deverá divulgar planejamento estratégico para resultados, com objetivos e metas para todo o mandato, o qual ficará disponível no portal da transparência do ente federativo e deverá orientar os acordos de resultados de que trata o art. 38-A desta Constituição, especificamente as metas e objetivos de cada ciclo anual.

    Criação de secretarias municipais

    Outra alteração que merece ser destacada – especialmente para os concursos de Procuradorias Municipais – é a específica regra a ser inserida no inciso III-A do art. 29 da proposta de PEC que limita a criação de Secretarias Municipais, quando, na média dos 4 exercícios financeiros imediatamente anteriores, as despesas para custeio de sua administração superarem a respectiva receita corrente líquida:

    Art. 29.
    
    (...)
    
    III-A - excetuadas as capitais, nos Municípios em que, na média dos 4 (quatro) exercícios financeiros imediatamente anteriores ao segundo ano do mandato de cada Prefeito, caso as despesas para custeio de sua administração superarem a respectiva receita corrente líquida, deduzidas as transferências obrigatórias e voluntárias, observar-se-ão, para a organização administrativa do Poder Executivo municipal no mandato do próximo Prefeito, os seguintes limites máximos:
    
    a) 5 (cinco) Secretarias ou órgãos de hierarquia equivalente, nos Municípios de até 10.000 (dez mil) habitantes;
    
    b) 6 (seis) Secretarias ou órgãos de hierarquia equivalente, nos Municípios de 10.001 (dez mil e um) a 50.000 (cinquenta mil) habitantes;
    
    c) 7 (sete) Secretarias ou órgãos de hierarquia equivalente, nos Municípios de 50.001 (cinquenta mil e um) a 100.000 (cem mil) habitantes;
    
    d) 8 (oito) Secretarias ou órgãos de hierarquia equivalente, nos Municípios de 100.001 (cem mil e um) a 300.000 (trezentos mil) habitantes;
    
    e) 9 (nove) Secretarias ou órgãos de hierarquia equivalente, nos Municípios de 300.001 (trezentos mil e um) a 500.000 (quinhentos mil) habitantes;
    
    f) 10 (dez) Secretarias ou órgãos de hierarquia equivalente, nos Municípios com mais de 500.000 (quinhentos mil) habitantes.

    Nesse sentido, a regra acima trata-se de importante regra de responsabilidade fiscal. Ela limita a organização administrativa do Poder Executivo municipal, evitando o inchaço da estrutura administrativa e, consequentemente, a ampliação das despesas de custeio. Mas atenção, a regra não se aplica para as cidades capitais de Estado.

    E também como medida de gestão fiscal responsável na esfera estadual, a proposta de PEC traz teto remuneratório específico para o subsídio do Prefeito. Se aprovado o texto, este teto será o seguinte:

    a. nos Municípios de até 10.000 (dez mil) habitantes, 30% (trinta por cento) do subsídio do respectivo Governador do Estado;

    b. nos Municípios de 10.001 (dez mil e um) a 50.000 (cinquenta mil) habitantes, 40% (quarenta por cento) do subsídio do respectivo Governador do Estado;

    c. nos Municípios de 50.001 (cinquenta mil e um) a 100.000 (cem mil) habitantes, 50% (cinquenta por cento) do subsídio do respectivo Governador do Estado;

    d. nos Municípios de 100.001 (cem mil e um) a 300.000 (trezentos mil) habitantes, 60% (sessenta por cento) do subsídio do respectivo Governador do Estado;

    e. nos Municípios de 300.001 (trezentos mil e um) a 500.000 (quinhentos mil) habitantes, 70% (setenta por cento) do subsídio do respectivo Governador do Estado;

    f. nos Municípios com mais de 500.000 (quinhentos mil) habitantes, 80% (oitenta por cento) do subsídio do respectivo Governador do Estado.

      Consórcios públicos e convênios de cooperação

            A proposta de PEC traz, também, previsão sobre como os municípios devem executar suas competências e implementar as políticas públicas: preferencialmente através de consórcios públicos ou pela celebração de convênios de cooperação. O objetivo de tal previsão é a maximizar a observância à eficiência, economicidade, integração de ações e ampliação da qualidade e do alcance dos serviços prestados à população.

            Assim, a previsão terá a seguinte redação:

            Art. 30.

            (...)

            Parágrafo único. Os Municípios, na execução de suas competências e na implementação de políticas públicas, deverão, preferencialmente, instituir consórcios públicos ou celebrar convênios de cooperação, nos termos do art. 241 desta Constituição e da legislação aplicável, com vistas à eficiência, à economicidade, à integração de ações e à ampliação da qualidade e do alcance dos serviços prestados à população.”

            Princípios constitucionais

            E agora vejamos as alterações no art. 37 da CF/88, artigo com elevadíssima incidência nas provas de concurso público e que vocês devem ficar atentos nas possíveis mudanças. Vejamos inicialmente a proposta para o caput:

            Art. 37. As administrações públicas direta e indireta de qualquer dos Poderes e Órgãos autônomos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerão aos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da transparência, da eficiência, da digitalização, da motivação e da consensualidade e, também, às seguintes regras...

            Portanto, em relação à redação atual vale destacar:

            Princípio excluídoPublicidade
            Princípios acrescentadosLegalidade, Impessoalidade, Moralidade e Eficiência
            Princípios acrescentadosTransparência, Digitalização, Motivação e Consensualidade

            Os incisos do artigo 37 trazem diversas regras relevantes para o serviço público e para os servidores públicos. Vejamos de forma esquematizada então:

            Concurso Público

            a. O concurso público é fundamental para investidura em cargo efetivo ou emprego público e deve cobrar conhecimentos e habilidades estritamente necessários para o desempenho das respectivas atribuições;

            b. Antes do concurso deve haver o dimensionamento do quadro de pessoal, priorizar carreiras transversais e estar acompanhado de justificativas que comprovem a necessidade das contratações;

            c. Admissão da realização de concurso público para investidura a termo em cargo efetivo, por prazo não inferior a 10 (dez) anos;

            d. Possibilidade dos Estados, o Distrito Federal e os Municípios aderirem a concurso público realizado de forma centralizada pela União, com aproveitamento de pontuações ou de cadastros de aprovados.

            Cargos em comissão

            a. Os cargos em comissão destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento, devendo ser preferencialmente selecionados por meio de processo seletivo;

            b. Limitação percentual de cargos em comissão por ente federativo, limitados entre 5% e 10% dos cargos efetivos;

            c. Total de cargos em comissão, no mínimo 50% (cinquenta por cento) deles serão ocupados por servidores efetivos.

            Bônus de Resultado

            Desde que não excedidos 90% (noventa por cento) dos limites de despesa de pessoal e atendidas as seguintes regras:

            a. existência de acordo de resultados pactuado anualmente no âmbito do órgão ou entidade pública, com objetivos e metas institucionais avaliadas em ciclos anuais, sempre vinculadas à melhoria da qualidade dos serviços públicos;
            
            b. existência de avaliação periódica de desempenho de pessoal no âmbito do órgão ou entidade pública, com objetivos e metas individuais alinhadas ao acordo de resultados e avaliadas em ciclos anuais;
            
            c. pagamento destinado apenas aos agentes públicos que tenham permanecido em efetivo exercício de 1º de janeiro a 31 de dezembro do ano aquisitivo, ressalvado o afastamento em razão de férias por no máximo 30 (trinta) dias;
            
            d. não incidência dos limites remuneratórios definidos no inciso XI deste artigo e obediência ao limite individual anual de até duas remunerações mensais para o agente público, podendo alcançar o limite individual anual de até quatro remunerações para os ocupantes de cargos em comissão e funções de confiança estratégicos;
            
            e. pagamento anual realizado em parcela única, limitada, no total, ao valor despendido pelo órgão ou entidade pública, no ano anterior, com o pagamento de gratificações natalinas, décimo terceiro ou verbas de natureza equivalente, aos seus respectivos agentes públicos em atividade.

            Vedações específicas para os ocupantes de cargos, funções e empregos públicos das administrações públicas direta e indireta e membros de Poderes e Órgãos autônomos de todos os entes federativos

            Uma novidade que está presente no projeto de PEC é a possibilidade expressa do servidor público responder pessoalmente por suas ações ou omissões nos casos de dolo ou de erro grosseiro. E será considerado erro grosseiro a conduta manifestamente inescusável que não seria praticada por agente diligente em situação semelhante, considerados, para sua verificação, os seguintes elementos:

              O agente público somente responderá pessoalmente por suas ações ou omissões nos casos de dolo ou de erro grosseiro, compreendido como a conduta manifestamente inescusável que não seria praticada por agente diligente em situação semelhante, considerados, para sua verificação, os seguintes elementos:

              I - a diligência observada e a coerência e motivação do processo decisório;

              II - a conformidade da conduta com as atribuições e deveres inerentes à função exercida;

              III - o nível de incerteza fática ou jurídica existente sobre a matéria objeto da atuação; e

              IV - a compatibilidade entre a conduta e os elementos disponíveis e efetivamente considerados ao longo do processo decisório, em atenção ao interesse público e às circunstâncias da decisão.

              Conclusão

              Feita a análise acima, pode-se ver que a proposta de PEC da Reforma Administrativa traz muitas e significativas mudanças que podem ser cobradas em provas de direito constitucional, administrativo, financeiro, entre outras disciplinas.

              Então sigam atentos à tramitação da proposta de PEC para entender quais serão as alterações efetivas no texto da Constituição e você precisará conhecer para o seu concurso.


              Quer saber quais serão os próximos concursos?

              Confira nossos artigos para Carreiras Jurídicas!
              0 Shares:
              Você pode gostar também