*João Paulo Lawall Valle é Advogado da União (AGU) e professor de direito administrativo, financeiro e econômico do Estratégia carreira jurídica.
Entenda o caso
Foi publicada a proposta de emenda à Constituição Federal de 1988 que traz a chamada “Reforma Administrativa”. O conteúdo do projeto altera normas sobre a Administração Pública brasileira para aperfeiçoar a governança e a gestão pública, promover a transformação digital, impulsionar a profissionalização e extinguir privilégios no serviço público.
Para contextualizar e facilitar a compreensão dos leitores, importante destacar que a PEC da Reforma Administrativa está estruturada em quatro eixos complementares entre si:
- Governança e Gestão
- Transformação Digital
- Profissionalização
- Extinção de Privilégios
Os artigos 163 a 169 tratam das normas gerais das finanças públicas e regras sobre os orçamentos, além de trazer algumas alterações específicas ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) relevantes para o Direito Financeiro.
Por fim, importante ressaltar que a análise feita neste texto é puramente técnica e não trará qualquer juízo de valor sobre a justiça e adequação das medidas que compõe a proposta de emenda à Constituição Federal.
Análise Jurídica
A partir de agora vejamos pontualmente os pontos de alteração propostos pelo Deputado Federal Relator da PEC da Reforma Administrativa.
Sistema de custos
Inicialmente, está prevista a inclusão do inciso X no artigo 163 da Constituição para que se edite lei complementar tratando do seguinte:
Art. 163. Lei complementar disporá sobre:
(...)
X – utilização obrigatória, pela União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, do sistema de custos de que trata o artigo 163-B desta Constituição
Por sua vez, o artigo 163-B da proposta prevê o seguinte:
Art. 163-B Os órgãos centrais do Sistema de Contabilidade e do Sistema de Planejamento e de Orçamento Federal manterão, em meio eletrônico de amplo acesso público, sistema de custos de programas, serviços, compras e unidades da Administração Pública, a ser utilizado como referência de preços e como parâmetro de formação de custos.
Parágrafo Único. Integrarão o sistema de que trata o caput deste artigo todos os Poderes e órgãos autônomos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Assim, a proposta de PEC determina a manutenção de um sistema de custos de programas, serviços, compras e unidades na Administração Pública. Deve-se utilizar tal sistema como referência de preços e parâmetros de formação de custos para as contratações públicas.
E o sistema de custos deverá ser integrado por todos os Poderes e órgãos autônomos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Vale chamar atenção que a utilização do sistema de custos deve ser obrigatória para todos os entes federativos, nos termos da lei complementar prevista no art. 163, X da Constituição Federal.
Revisão de gastos
Adentrando especificamente na regulamentação dos orçamentos públicos, a proposta de emenda à Constituição traz previsões interessantes acerca a obrigatoriedade de revisão de gastos, a cargo do Poder Executivo:
Art. 165.
(...)
§ 2º-A O Poder Executivo realizará a revisão de gastos públicos de forma contínua e integrada ao processo orçamentário, com o objetivo de promover a realocação de recursos para políticas públicas prioritárias, mais eficazes e eficientes.
§ 2º-B A revisão de gastos públicos utilizará como insumos as avaliações e auditorias de políticas públicas, assegurando transparência e publicidade às fundamentações que embasarem as medidas adotadas.
§ 2º-C No âmbito da União, as medidas de revisão de gastos públicos deverão constar de anexo específico à Lei de Diretrizes Orçamentárias federal e, quando resultarem em economia, serão objeto de monitoramento e realocação no processo orçamentário.
Caso aprovada a previsão acima destacada, insere-se no bojo do processo orçamentário a obrigação do Poder Executivo realizar a revisão dos gastos públicos.

Lembre-se: no processo orçamentário, compete ao chefe do Poder Executivo encaminhar para o Poder Legislativo os projetos de lei do Plano Plurianual, Diretrizes Orçamentárias e Orçamento Anual.
E como será tal revisão de gastos:
- Deverá ocorrer de forma contínua e integrada com o processo orçamentário, ou seja, o processo para a elaboração das leis orçamentárias previsto nos incisos do art. 165 da CF/88;
- Ele tem como objetivo a promoção da realocação de recursos para políticas públicas prioritárias, que sejam tidas como mais eficazes e eficientes.
Para a realização da revisão de gastos o Poder Executivo deverá basear-se em avaliações e auditorias de políticas públicas, devendo garantir transparência e publicidade às fundamentações que embasarem as medidas adotadas.
E neste contexto, especificamente para União, as referidas medidas de revisão de gastos devem estar em anexo específico à Lei de Diretrizes Orçamentárias federal. E, se desta revisão resultar economia de recursos, serão objeto de monitoramento e realocação no processo orçamentário.
Vale chamar atenção que a obrigatoriedade de monitoramento e da avaliação das políticas públicas já consta da atual redação do §16 do art. 165 da Constituição Federal. A relevante novidade trazida é a obrigatoriedade de continua revisão de gastos públicos e o dever de realocação de recursos para políticas públicas prioritárias, mais eficazes e eficientes.
Criação de fundos
Seguindo a nossa análise, a proposta de emenda à Constituição traz vedação específica à criação de fundos de qualquer natureza, caso se possa alcançar o objetivo deste fundo através de outras medidas, como a vinculação de receitas orçamentárias específicas ou execução direta por programação orçamentária e financeira de órgão ou entidade da administração pública.
Art. 167. São vedados:
(...)
XIV - a criação de fundos de qualquer natureza, quando seus objetivos puderem ser alcançados mediante a vinculação de receitas orçamentárias específicas ou mediante a execução direta por programação orçamentária e financeira de órgão ou entidade da administração pública.
Para recordar, vejamos o conceito legal de fundo (Lei 4.320/1964):
Artigo 71. Constitui fundo especial o produto de receitas especificadas que, por lei, se vinculam à realização de determinados objetivos ou serviços, facultada a adoção de normas peculiares de aplicação.
Assim, em Direito Financeiro, “fundo” é um instituto jurídico e contábil que corresponde a um conjunto de recursos financeiros com destinação específica, geralmente segregados dentro do orçamento público para atender a determinada finalidade prevista em lei.
Destaco que a vedação à criação de fundos não é absoluta e peremptória. Somente ficou vedada a criação caso seja possível alcançar os objetivos do fundo mediante a vinculação de receitas orçamentárias específicas ou mediante a execução direta por programação orçamentária e financeira de órgão ou entidade da administração pública.
Uma pergunta relevante é se haverá impactos aos fundos já existentes caso se aprove o projeto da PEC: a resposta está no previsto §8º do art. 167:
Art. 167.
(...)
§ 8º O resgate de recursos de fundos privados em que ente federado tenha integralizado cotas deverá obedecer ao princípio do orçamento bruto, mediante o ingresso no orçamento vigente como receita pública, vedada a transposição entre fundos.
Despesa com pessoal
Por fim, a proposta de PEC trata especificamente da despesa com pessoal ativo, inativo e pensionista dos entes federativos.
Inicialmente traz a inserção do inciso III no §1º do art. 169 da CF/88, impondo mais um requisito para a ampliação de gasto com pessoal pela Administração Pública:
Art. 169.
(...)
§1º.
(...)
III - se, para o cômputo da despesa de pessoal a que se refere o caput deste artigo, for utilizada metodologia unificada definida por órgão federal competente, nos termos de lei nacional.
Ou seja, para a concessão de qualquer vantagem ou aumento de remuneração, a criação de cargos, empregos e funções ou alteração de estrutura de carreiras, bem como a admissão ou contratação de pessoal, a qualquer título, pelos órgãos e entidades da administração direta ou indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo poder público, só poderão ser feitas se for utilizada metodologia unificada definida por órgão federal competente, nos termos de lei nacional.
Destaco que segundo redação proposta para o artigo 14 do ADCT o requisito do inciso III do §1º do art. 169 da CF/88 terá eficácia após 24 (vinte e quatro) meses da data da promulgação do projeto de PEC.
Receitas públicas
A proposta desce às minucias, típicas das Constituições prolixas, para definir no art. 169-A que constituem receitas públicas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
- Os honorários de sucumbência fixados em ações judiciais em que forem parte os respectivos entes federativos; e
- Os encargos legais incidentes sobre os débitos inscritos em dívida ativa e as receitas provenientes de sua cobrança, administrativa ou judicial.
Especificamente em relação aos honorários de sucumbência, o texto da proposta determina que eles terão destinação prioritária ao custeio das atividades de representação judicial e extrajudicial e de consultoria e assessoramento jurídico dos Poderes e Órgãos autônomos. Além disso, expressamente autoriza que tais valores podem ser utilizados para o pagamento de parcela variável de remuneração aos agentes públicos que desempenham tais atribuições, condicionado o recebimento individual a critérios objetivos de mérito e produtividade.
Honorários de sucumbência
Assim, este ponto deve ser esquematizado da seguinte forma:
- Honorários de sucumbência tem natureza jurídica de receita pública;
- A destinação de tais honorários deve ser, prioritariamente, o custeio das atividades de representação judicial e extrajudicial dos Poderes e órgãos autônomos;
- Podem ser utilizados para pagamento de parcela variável da remuneração dos agentes que desempenham as atividades descritas acima;
- O pagamento de tais valores por agentes públicos (i) está condicionado ao recebimento individual e com base em critérios objetivos de mérito e produtividade; (ii) deve observar o teto constitucional de remuneração; (iii) proibida utilização para pagamento de verbas indenizatórias.
Por fim, o projeto de PEC prevê que a gestão dos honorários de sucumbência caberá exclusivamente à Administração Pública. Além disso, a redação proposta para o §2º do art. 169 proíbe a constituição ou manutenção de fundos ou entidades privados para gestão dos honorários, devendo as receitas e despesas correspondentes ser divulgadas de forma detalhada, no mínimo mensalmente, no portal da transparência, sem prejuízo dos controles externo e interno.
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