Vida nova no Paraná: Lei Estadual otimiza o cadastro de doadores e gera benefícios

Vida nova no Paraná: Lei Estadual otimiza o cadastro de doadores e gera benefícios

Olá, pessoal! Aqui é o professor Adriano Álvares. Hoje vou comentar uma Lei Estadual, do Paraná que otimiza o cadastro de doadores de órgãos por meio da Autorização Eletrônica de Doação de Órgãos.

A Autorização Eletrônica de Doação de Órgãos (AEDO) é uma forma simples e gratuita de deixar registrada sua vontade de ser um doador. Pelo sistema e-Notariado, é possível emitir esse documento digital em um cartório, manifestando online seu desejo de doar órgãos após a morte.

Criada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a AEDO torna o processo mais seguro e eficiente. Ela facilita a consulta por equipes médicas e ajuda a família a tomar a decisão no momento do falecimento, incentivando a doação e garantindo mais segurança jurídica.

Autorização Eletrônica de Doação de Órgãos (AEDO) na prática

O Provimento 164, de 27 de março de 2024, publicado em 02 de abril do mesmo ano, representa um marco importante para a doação de órgãos no Brasil. Ele altera o Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça (CNN/CN/CNJ-Extra) para instituir a Autorização Eletrônica de Doação de Órgãos, Tecidos e Partes do Corpo Humano (AEDO).

Contexto e desafios da doação no Brasil

A legislação brasileira sobre doação de órgãos (Lei nº 9.434/97) estabelece que a retirada de tecidos e órgãos de pessoas falecidas depende da autorização do cônjuge ou parente de até segundo grau. Isso significa que, mesmo com a AEDO, a prevalência do consentimento familiar ainda é uma realidade.

No entanto, a AEDO surge como uma ferramenta para enfrentar um dos maiores obstáculos à doação: a alta taxa de recusa familiar. Cerca de 42% das famílias recusam a doação, muitas vezes alegando que o falecido nunca expressou sua vontade. A AEDO visa preencher essa lacuna, facilitando a declaração de vontade e fomentando a discussão sobre a importância desse ato solidário em um país que carece de investimentos em educação sobre o tema.

As Centrais de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos (previstas na Lei de Transplantes) são cruciais nesse processo. A qualidade da atuação dos profissionais de saúde na captação de transplantes está diretamente ligada à quantidade de diagnósticos de morte encefálica em cada serviço hospitalar.

O interesse público e a autonomia da vontade

A criação da AEDO reflete o interesse público em fortalecer o sistema de saúde pública, oferecendo um mecanismo gratuito e seguro que aumente o número de doadores e respeite a vontade individual. Embora a legislação ainda priorize o consentimento familiar, a AEDO busca resguardar o princípio da autonomia da vontade, que, idealmente, deveria superar qualquer disposição em contrário.

O Código Civil de 2002, em seu Art. 14 e parágrafo único, já consagrava o “Princípio do Consenso Afirmativo“. O dispositivo garante ao indivíduo a liberdade de dispor de seu corpo após a morte e o direito de revogar essa decisão a qualquer tempo. Contudo, essa autonomia entrava em antinomia com o Art. 4º da Lei de Transplantes, um impasse que o Enunciado nº 277 da IV Jornada de Direito Civil buscou pacificar.

A AEDO se configura como um instrumento particular eletrônico de manifestação de vontade, com reconhecimento de firma por autenticidade, similar a outras autorizações eletrônicas. Diferentemente de modelos mais robustos, como as Escrituras Públicas do Rio Grande do Sul, a AEDO visa a simplicidade e a acessibilidade.

Procedimento para Emissão da AEDO

Gratuidade: A emissão e revogação da AEDO são gratuitas, em reconhecimento à colaboração dos tabeliães com o sistema de saúde pública.

• Competência: O serviço é realizado por Tabelião de Notas do domicílio do declarante, que confere a autenticidade das assinaturas de cidadãos brasileiros maiores de 18 anos e com plena capacidade civil. Atenção especial deve ser dada para garantir o consentimento informado de pessoas com deficiência.

• Registro: A declaração é armazenada de forma segura em um módulo específico do e-Notariado.

• Formalização: O interessado preenche um instrumento particular eletrônico (modelo uniforme para todo o país) e o assina digitalmente por meio de certificado digital notarizado (gratuito) ou ICP-Brasil.

• Validação: O tabelião reconhece a assinatura eletrônica e realiza uma videoconferência para confirmar a identidade do declarante.

• Conteúdo: Durante o procedimento, o usuário pode selecionar quais órgãos ou tecidos deseja doar (todos, alguns ou apenas um específico).

• Flexibilidade: A AEDO é facultativa e não anula outras formas de manifestação de vontade (meio físico, Diretivas Antecipadas de Vontade, Escrituras Públicas).

• Validade: Pode ter prazo determinado ou ser válida por tempo indeterminado, se não especificado.

    Após a confirmação de morte encefálica, a Coordenação Geral do Sistema Nacional de Transplantes ou as Centrais Estaduais de Transplantes podem consultar as AEDOs. O Colégio Notarial do Brasil – Conselho Federal é responsável por cadastrar os órgãos públicos, privados e profissionais de saúde (filiados ao Conselho Nacional ou Regional de Medicina) autorizados a acessar o sistema. O Ministério da Saúde, anualmente, atualiza os dados desses estabelecimentos.

    A AEDO contém uma chave de acesso e um QR Code para consulta e verificação de autenticidade, inclusive offline. A validade da AEDO está condicionada ao cumprimento de todas as formalidades do ato eletrônico, sendo nula de pleno direito em caso de inobservância.

    Em suma, a AEDO representa um avanço significativo, servindo como um valioso instrumento para a manifestação da vontade do doador. Embora não afaste a necessidade do consentimento familiar prevista na Lei de Transplantes, sua existência empodera os profissionais de saúde na abordagem com as famílias, aumentando as chances de que o desejo de salvar vidas se concretize.

    Visão futurística do CNJ com a AEDO

    Com a implementação da Autorização Eletrônica de Doação de Órgãos (AEDO), o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) projeta um futuro em que a doação de órgãos não é apenas um ato solidário, mas um processo ágil, transparente e, acima de tudo, respeitoso à vontade individual. A visão é criar uma cultura de doação onde o desejo do cidadão, expresso em vida por meio da AEDO, tenha prevalência legal, minimizando a taxa de recusa familiar. Atualmente, a recusa atinge 45% das famílias e contribui para a perda de cerca de oito vidas por dia.

    A iniciativa do CNJ ganha ainda mais força com o projeto do novo Código Civil. Ele acrescenta uma mudança crucial no parágrafo 1 do artigo 14, a conferir:

    "Art. 14. [...]
    
    § 1º Havendo, por escrito, disposição do próprio titular, não há necessidade de autorização familiar e, em não havendo, esta será dada conforme a ordem de sucessão legítima.
    
    § 2º O ato de disposição pode ser livremente revogado a qualquer tempo."

    Ao integrar a tecnologia dos cartórios ao sistema de saúde, o CNJ adota uma estratégia vanguardista. Os cadastros realizados pelos cartórios isentam médicos e outros profissionais de saúde da responsabilidade sobre o consentimento familiar. Hoje, a doação não pode ocorrer se um único membro da família se opõe. Com a AEDO, a manifestação de vontade do doador, registrada em cartório, sana o conflito entre a legislação civil e a de transplantes, eliminando a barreira imposta pela recusa familiar e garantindo que o desejo de salvar vidas seja respeitado.

    A AEDO representa o primeiro passo para um sistema nacional de doação que prioriza a autonomia da vontade. O objetivo é oferecer às equipes médicas e às famílias a segurança jurídica necessária para agir rapidamente, transformando o luto em uma oportunidade de salvar vidas. A meta é que, no futuro, a decisão de ser doador seja tão simples e segura quanto qualquer outra escolha registrada em cartório. Dessa forma, a doação de órgãos se tornaria uma realidade mais acessível para todos.

    O conflito entre a autonomia da vontade e a decisão familiar na doação de órgãos

    A legislação brasileira sobre doação de órgãos apresenta um conflito significativo entre o direito de uma pessoa decidir sobre o próprio corpo após a morte e a exigência de consentimento familiar. Essa divergência é evidente quando comparamos o Art. 14 do Código Civil com o Art. 4º da Lei Federal nº 9.434/97, conhecida como Lei de Transplantes.

    O Art. 14 do Código Civil afirma que é válida a doação gratuita do próprio corpo, total ou parcial, para fins científicos ou altruísticos, após a morte. O parágrafo único deste artigo reforça que essa decisão pode ser revogada a qualquer momento. Em sua essência, este artigo dá ao indivíduo a autonomia de sua vontade, ou seja, o direito de decidir.

    Por outro lado, o Art. 4º da Lei de Transplantes estabelece que a retirada de órgãos de uma pessoa falecida depende da autorização de um parente de até segundo grau, como cônjuge ou filhos. A presença de duas testemunhas é exigida para a verificação da morte e a assinatura do documento de consentimento.

    Princípio da especialidade

    Apesar do Código Civil ser uma lei mais recente, a Lei de Transplantes prevalece sobre ele neste caso. Isso acontece devido ao princípio da especialidade, que prioriza a norma específica (a Lei de Transplantes) sobre a norma geral (o Código Civil). Na prática, isso cria uma lacuna legal: mesmo que um indivíduo tenha expressado formalmente em vida o desejo de ser doador, a vontade da família, que pode se opor à doação, é a que prevalece.

    doadores
    Esse cenário gera um problema grave e frustra o desejo de quem quer ajudar a salvar vidas. O Brasil, um país que já enfrenta uma alta taxa de recusa familiar (45% dos casos), vê a vontade do falecido ser anulada, contrariando o princípio da autonomia da vontade, que deveria ser um direito fundamental.

    A solução para essa questão, conforme discutido no Enunciado nº 277 da IV Jornada de Direito Civil, é clara: a vontade do indivíduo deve ser manifestada por escrito. Se houver essa declaração, ela deve ter prioridade sobre a decisão familiar. No entanto, a aplicação prática ainda é um desafio. O ideal seria que, assim como em um testamento (onde a vontade do falecido sobre seus bens é respeitada), a decisão de doar órgãos fosse igualmente inquestionável, desde que documentada.

    Para que a doação de órgãos avance no Brasil, é crucial que o Art. 4º da Lei de Transplantes seja revisado ou reinterpretado.

    A recente criação da Autorização Eletrônica de Doação de Órgãos (AEDO) pelo Conselho Nacional de Justiça, junto com a proposta de mudança no Código Civil, são passos importantes para que a autonomia da vontade do doador seja, finalmente, respeitada.

    Incentivo e esperança: a meia-entrada como impulso para a doação de órgãos

    A Autorização Eletrônica de Doação de Órgãos (AEDO), embora seja uma ferramenta crucial para superar a alta taxa de recusa familiar, ainda enfrenta o desafio da baixa adesão. Para mudar esse cenário e transformar a doação em uma cultura nacional, o Paraná dá um passo pioneiro com a aprovação de uma nova lei estadual. Essa legislação não apenas reconhece a AEDO, conferindo-lhe validade legal e agilidade nos processos de transplante, mas também oferece um incentivo prático e direto: a garantia de meia-entrada em eventos culturais e artísticos para os doadores cadastrados.

    A iniciativa do Paraná é uma resposta direta à urgência do Sistema Nacional de Transplantes, que hoje tem cerca de 65 mil pessoas na fila por um órgão. A taxa de recusa familiar no Brasil, de 50%, é um dos maiores obstáculos, contrastando drasticamente com a de países como a Espanha, onde é de apenas 12%.

    Recentemente, na Suécia, o festival de música "Way Out West 2025" em Gotemburgo, usou a chamada "Seu ingresso vale um rim" e ofereceu entradas gratuitas a quem se inscrevesse no registro nacional de doadores de órgãos.

    Observamos assim uma tendência mundial de vincular um benefício tangível à decisão de ser doador. O estado busca reconhecer publicamente o ato de solidariedade e, ao mesmo tempo, impulsionar o registro positivo, assim como fez o Paraná com  a nova legislação da meia entrada vinculado a AEDO.

    Para facilitar a adesão, a Assembleia Legislativa do Paraná está promovendo um mutirão em parceria com cartórios e o Colégio Notarial do Brasil. A ação permite que cidadãos se cadastrem de forma rápida e gratuita, usando apenas o aplicativo e-notariado para manifestar sua vontade. O mutirão, que ocorre às segundas, terças e quartas-feiras, é um exemplo prático de como a integração entre legislativo, judiciário e sociedade pode sanar conflitos legais e emocionais, transformando o futuro da doação de órgãos no Brasil.

    Como pode ser cobrado nos concursos

    Em concursos públicos, a AEDO pode ser cobrada de diversas formas, especialmente em questões de Direito Civil, Direito Constitucional, Direito Administrativo e Bioética.

    É fundamental que os candidatos compreendam não apenas o funcionamento prático da Autorização Eletrônica de Doação de Órgãos (Provimento 164/2024 do CNJ), mas também o contexto jurídico e os conflitos normativos que ela busca endereçar.

    Pontos-chave incluem a sua natureza jurídica (instrumento particular eletrônico), a gratuidade do serviço, o papel dos cartórios (e-Notariado) e dos tabeliães, os requisitos para a emissão e revogação, e, crucial, a relação da AEDO com o Art. 14 do Código Civil e o Art. 4º da Lei de Transplantes (Lei 9.434/97).

    Questões podem explorar a antinomia entre a autonomia da vontade do doador e a necessidade de consentimento familiar. Podem trazer também a prevalência do princípio da especialidade e como a AEDO, embora não afaste o consentimento familiar, serve como prova cabal da vontade do falecido para subsidiar a decisão dos familiares e dos profissionais de saúde.

    Ademais, podem ser abordadas as responsabilidades do Colégio Notarial do Brasil e do Ministério da Saúde na gestão do sistema, bem como a importância da AEDO para o combate à recusa familiar e o fomento da cultura de doação no país.


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