Sou o professor Marcos Gomes, Defensor Público do Estado de São Paulo, Coordenador da Coleção Defensoria Pública Ponto a Ponto e Especialista em Direito Público.
Trouxe abaixo uma análise para reflexão sobre o tema: O fim da separação judicial.
Mudança no texto constitucional:
Inicialmente, para melhor compreensão da divergência existente, destaca-se que a Emenda Constitucional nº 66 alterou o art. 226, §6º da Constituição Federal. Vejamos a mudança na redação do referido dispositivo:
Redação Anterior | Nova Redação |
“O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos”. | “O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio”. |
Após a mudança do texto constitucional, iniciou-se divergência doutrinária sobre a manutenção ou não do instituto da separação judicial no ordenamento jurídico nacional.
Divergência doutrinária:
De um lado, há doutrinadores que defendem a manutenção da separação judicial, uma vez que a Emenda Constitucional nº 66/2010 não teria alterado as normas infraconstitucionais, não possuindo aplicabilidade imediata, pois seria necessária a elaboração de norma para sua regulamentação. Importante destacar que essa foi a posição adotada pelo STJ[1]. Ademais, há autores que argumentam no sentido de que o novo texto constitucional abraçou a expressão “pode”, a qual, eventualmente, significaria que o divórcio direto não seria obrigatório. Como se não bastasse, alertamos o candidato que, além da manutenção do instituto na normativa infraconstitucional material, o NCPC manteve o instituto da separação judicial, nos termos do art. 23, III, art. 53, III, art. 189, II, art. 693 e art. 731. Por fim, reforçando a primeira corrente apresentada, destacamos enunciado da V Jornada de Direito Civil[2], no sentido de que “A Emenda Constitucional 66/2010 não extinguiu o instituto da separação judicial e extrajudicial”.
Atualmente, em especial após a decisão do STF no RE 1167478, acredita-se que a melhor corrente para as provas de carreiras jurídicas seja aquela que defende a eficácia direta e imediata do art. 226, §6º, CF. Assim, as normas infraconstitucionais que abordam o tema da separação judicial foram revogadas pela norma constitucional superveniente[3]. De forma didática, destacamos os argumentos apresentados pela nossa doutrina:
- Análise do Histórico da Emenda Constitucional: Por meio de uma interpretação histórica, sociológica e teleológica, nota-se que o objetivo do projeto de emenda constitucional foi retirar a separação judicial do ordenamento jurídico;
- Eficácia da norma constitucional: Levando-se em consideração o postulado da força normativa da constituição, ressalta-se que a norma constitucional em comento possui eficácia direta e imediata (norma autoexecutável), não podendo ser limitada pela normativa infraconstitucional;
- Ausência de justificativa prática para a manutenção da separação judicial: a nova concepção de família é fundada no afeto, não podendo existir óbices para a concretização do divórcio do casal. Caso os cônjuges desejem, poderão efetivar uma separação de fato previamente ao divórcio, não existindo qualquer fundamento para a manutenção do instituto da separação judicial;
- Hermenêutica Constitucional: Na interpretação das normas constitucionais, deve-se levar em consideração os postulados da máxima eficácia das normas constitucionais, da força normativa da Carta Maior, bem como a necessidade de interpretação conforme a Constituição Federal.
O que decidiu o STF:
Não por outro motivo, o STF no RE 1167478[4] fixou a tese de repercussão geral para o Tema 1.053, no sentido de que “Após a promulgação da Emenda Constitucional 66/2010, a separação judicial não é mais requisito para o divórcio, nem subsiste como figura autônoma no ordenamento jurídico. Sem prejuízo, preserva-se o estado civil das pessoas que já estão separadas por decisão judicial ou escritura pública, por se tratar de um ato jurídico perfeito”.
Seguindo essa linha de raciocínio, entendeu a Suprema Corte que as normas do Código Civil que tratam da separação judicial perderam a validade com a entrada em vigor da Emenda Constitucional (EC) 66/2010. Assim, o divórcio passaria a não ter mais qualquer requisito, salvo a vontade dos cônjuges. De acordo com o STF, a separação não mais subsiste como forma autônoma, ou seja, a separação judicial deixou de ser uma das formas de dissolução do casamento, a par de as normas sobre o tema ainda permanecerem no Código Civil.
O ministro relator, Luiz Fux, em sintonia com os paradigmas da economia processual e da efetividade, entendeu que a mudança constitucional simplificou o rompimento do vínculo matrimonial e eliminou as condicionantes.
Conclusão:
Confirmando o que foi até aqui exposto, destaca-se que, no cotidiano jurídico do sistema de justiça, os advogados e defensores públicos ajuízam o divórcio direto, prescindindo do instituto da separação judicial. A possibilidade do divórcio direto está em consonância com as novas diretrizes do Direito de Família, o qual é fundado no afeto. A par da normativa material, o novo viés processual, notadamente a partir do NCPC, é marcado pela boa-fé, economia processual, devido processo legal e acesso à justiça.
[1] Informativo 610, STJ: SEPARAÇÃO JUDICIAL E DIVÓRCIO – A separação judicial continua existindo no ordenamento jurídico mesmo após a EC 66/2010.
[2] Realizado pelo Conselho da Justiça Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça, em 2001.
[3] Alertamos aos concurseiros que muitos doutrinadores tratam do tema abordando a expressão “revogação das normas infraconstitucionais”, enquanto parte dos estudiosos, de forma técnica, prefere a expressão “inconstitucionalidade superveniente da normativa infraconstitucional”.
[4] Notícia disponível em https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=518572&ori=1. Acesso em 09 de novembro de 2023.
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