O prefeito de Rio Branco nomeou a esposa para exercer o cargo de chefe de gabinete na prefeitura da capital acreana. A nomeação foi publicada no Diário Oficial do Estado (DOE) de 13/02/2025.
Diante da repercussão, a prefeitura defendeu a nomeação por meio de nota. “A nomeação do cônjuge do prefeito para cargo equivalente ao de Secretário Municipal (agente político), por se tratar de cargo político, de natureza política, não caracteriza violação a Súmula Vinculante nº 13”, disse em um trecho do documento Jorge Eduardo Bezerra, secretário especial para Assuntos Jurídicos e Atos Oficiais.
Uma lei municipal de 2013 dá as mesmas prerrogativas, direitos e deveres de secretário ao chefe de gabinete do prefeito e outros cargos, como a chefias do gabinete militar e auditoria.
Consta que a primeira-dama é graduada em direito pela Faculdade da Amazônia Ocidental – FAAO, e tem pós-graduação em Direito Processual Civil pela Universidade Anhanguera – Uniderp e já foi chefe do departamento jurídico do Departamento Estadual de Água e Saneamento (DEPASA) entre 2012 e 2021.
Trata-se de nepotismo ou a nomeação foi legal?
Análise jurídica
Princípio da moralidade
Costuma-se fazer a diferenciação entre a moralidade administrativa e a moralidade comum ou social.
A moralidade administrativa é uma moralidade jurídica e está relacionada à boa administração, voltada a alcançar o bem-estar da sociedade. Embora seja decorrente de um conceito jurídico indeterminado, deve ser compreendida de forma objetiva, extraída do conjunto de normas de conduta relacionadas à atuação dos agentes públicos constantes no ordenamento jurídico.
A moralidade social, por sua vez, decorre do senso comum de bem e mal, certo ou errado, compreendida de forma subjetiva, de acordo com as concepções e experiências pessoais dos agentes.
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Por se tratar de uma norma jurídica, com força normativa e coercibilidade, um ato administrativo praticado com violação da moralidade administrativa é nulo, devendo ser retirado do mundo jurídico, seja pela Administração Pública no exercício da autotutela, seja pelo Poder Judiciário nos casos em que provocado.
O ato padecerá de vício de legitimidade, por violar princípios constitucionais da Administração Pública. Assim, um ato administrativo pode ser editado em conformidade com a legislação (legalidade), mas será nulo se ferir a moralidade administrativa (ilegitimidade).
A Constituição Federal de 1988 previu instrumentos para tutelar este valor jurídico, destacando-se a ação popular (art. 5º, LXXIII). Neste ponto, a jurisprudência do STF é pacífica no sentido de que a sua propositura independe de prejuízo material aos cofres públicos, bastando a comprovação de lesão a um dos valores por ela tutelados (ARE 824781, STF).
Assim, no caso em concreto, qualquer cidadão poderia ingressar com uma ação popular caso entenda que se trata de nepotismo.
Nepotismo
Viola a moralidade administrativa a nomeação de cônjuge, companheiro ou parentes em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor público da mesma pessoa jurídica que possua cargo de direção, chefia ou assessoramento, para exercício de cargo em comissão. Neste sentido é a Súmula Vinculante nº 13 do STF:
Súmula vinculante 13 - A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal.
“Designação recíproca” consiste na nomeação cruzada de parentes. Há a combinação entre duas autoridades para que uma nomeie o parente da outra. Pode ocorrer ainda que não haja a “contrapartida”, desde que fique caracterizada a finalidade de favorecimento de parentes com a máquina pública. Por exemplo, o presidente da câmara municipal ajusta com o prefeito para que este nomeie sua esposa na prefeitura e, em troca, nomeará o filho do prefeito na câmara dos vereadores.
Jurisprudência
Compilado de entendimentos sobre jurisprudência:
- Não há nepotismo quando a pessoa nomeada tem parente no órgão, mas não possui hierarquia capaz de influir na nomeação (Rcl 18564, STF).
- Não há nepotismo quando a nomeação é destinada à ocupação de cargos políticos, como cargo de Ministro ou Secretário do Estado ou Município (Rcl 29033 AgR/RJ; Rcl 22339 AgR/SP, ambas do STF).
- Exceção: Ainda que se trate de cargo político, poderá ficar caracterizado o nepotismo caso seja demonstrada a inequívoca falta de razoabilidade na nomeação por manifesta ausência de qualificação técnica ou inidoneidade moral do nomeado (Rcl 28024 AgR, STF).
- O cargo de conselheiro do Tribunal de Contas não é cargo político, de forma que a nomeação pelo Governador de seu irmão para exercício do cargo configura nepotismo, além de afronta ao Princípio Republicano de prestação de contas, já que o nomeado teria atribuições de fiscalizar as contas de seu parente (Rcl 6.702 MC-AgR, STF).
- A Súmula Vinculante nº 13 não exauriu todas as possibilidades de nepotismo, podendo existir outros casos de nomeação que violem a moralidade administrativa (MS 31.697, STF).
Vale destacar que, com a edição da Lei nº 14.230/21 (que alterou substancialmente a Lei de Improbidade Administrativa), o nepotismo passou a ser expressamente considerado um ato de improbidade administrativa, previsto no art. 11, XI, da Lei nº 8.429/92.
Caso concreto
O que torna este caso particularmente interessante é a fundamentação jurídica apresentada pela Prefeitura de Rio Branco.
A administração municipal estruturou sua defesa na decisão do STF que “cargo político” não há nepotismo, bem como, e essa informação é crucial: há uma legislação municipal específica que confere status diferenciado ao cargo.
De início, o cargo de “chefe de gabinete” não é tipicamente um cargo político. Trata-se de um cargo de natureza administrativa, mas que não possui feição política. Feição política apresenta os cargos de “Secretários do Município” ou “Ministros de Estado”, por exemplo.
Entretanto, consta que há Lei Municipal 2.225/2017, em conjunto com o artigo 63 da Lei 1.959/2013, estabelecendo uma equiparação do cargo de chefe de gabinete ao status de agente político.
Caso o Poder Judiciário entenda que essa lei é válida, poderemos ter uma exceção reconhecida pelo STF.
No entanto, é fundamental ressaltar que a “nomenclatura” dada por lei, isto é, a diferenciação não pode servir como subterfúgio para burlar a proibição do nepotismo. A análise deve considerar não apenas a nomenclatura ou equiparação legal do cargo, mas principalmente a natureza efetiva de suas atribuições.
Assim, caso a natureza do cargo seja efetivamente de função administrativa, apesar de uma lei conferir que o cargo é estritamente político, torna-se possível que o Poder Judiciário, seja através de uma ação do Ministério Público ou uma ação popular, configure a ilegalidade.
Correntes
Assim, podemos considerar as correntes existentes:
Aspecto | Ilegalidade (Nepotismo) | Legalidade |
Base legal | Súmula Vinculante 13 do STF que veda a nomeação de cônjuge em cargos da administração pública | Precedente STF (RLC 22339 AgR/SP) que excepciona cargos políticos da vedação ao nepotismo |
Natureza do Cargo | Considera as atribuições como essencialmente administrativas, independente da nomenclatura dada pela lei municipal | Reconhece o cargo como político devido à Lei Municipal 2.225/2017 e proximidade com decisões governamentais |
Princípios | Enfatiza violação aos princípios da moralidade e impessoalidade administrativa | Destaca o princípio da separação dos poderes e discricionariedade do Executivo |
Legislação | Questiona a legitimidade da lei municipal que equipara o cargo a secretário, vendo possível desvio de finalidade | Fundamenta-se na autonomia municipal e validade da Lei 2.225/2017 e Lei 1.959/2013 |
Jurisprudência | Interpretação tradicional da Súmula Vinculante 13 e princípios constitucionais | Parecer favorável da Procuradoria Municipal (2024.02.002561) e precedentes do STF |
Controle Externo | Defende necessidade de investigação pelo Ministério Público e/ou possibilidade de ação poppular | Argumenta pela desnecessidade de controle externo por se tratar de decisão política |
Critério | Privilegia análise material das atribuições do cargo | Enfatiza aspectos formais e classificação legal do cargo |
Como o tema já caiu em provas?
Instituto Consulplan - 2024 - Câmara de Belo Horizonte - MG – Procurador
A súmula vinculante que veda a prática de nepotismo, segundo entendimento do Supremo Tribunal Federal, não se aplica às hipóteses de nomeação para cargos públicos de natureza política, como são os cargos de Secretário Estadual e Municipal, não podendo se considerar tais nomeações indevidas em qualquer caso, ante à autonomia política do chefe do Executivo nesta seara. (Errado)
Comentário: “Em qualquer caso” tornou a alternativa errada.
Isso cairá em provas.
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