De início, vamos tratar do seguinte caso:

Ora, o Supremo Tribunal Federal, em julgamento finalizado em outubro de 2025, enfrentou um tema importante ao concurseiro: o conflito entre o direito subjetivo à nomeação de candidatos aprovados em concurso público e a necessidade de observância dos limites de gastos com pessoal impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal.
Nessa linha, o Recurso Extraordinário 1.316.010/PA, afetado à sistemática da repercussão geral sob o Tema 1.164, trouxe à tona a tensão entre direitos individuais e imperativos de gestão fiscal responsável.
Assim, a decisão representa uma tônica importante na jurisprudência da Corte sobre concursos públicos, pois, ao mesmo tempo em que reafirma o reconhecimento do direito subjetivo à nomeação estabelecido no Tema 161, estabelece parâmetros claros para sua relativização em situações excepcionais motivadas por razões de interesse público.
Vamos estudar porque isso afeta nossa linha de concurso público.
O caso concreto
De início, o litígio que deu origem ao precedente teve início com a aprovação de um candidato para o cargo de soldador no concurso público realizado pela Secretaria de Saneamento do Município de Belém, no Pará.
O certame, realizado sob o Edital nº 001/2012-SESAN, ofereceu seis vagas para o cargo em questão. O candidato ficou em segundo lugar, portanto inequivocamente aprovado dentro do número de vagas previsto no edital.
Entretanto, o concurso público teve seu resultado final homologado em maio de 2013, com prazo de validade de dois anos, prorrogáveis por igual período.
Contudo, ao término desse prazo, em maio de 2015, o candidato não havia sido chamado para tomar posse.
Diante da omissão da Administração Municipal, ele impetrou mandado de segurança no dia 5 de agosto de 2015, dentro do prazo de cento e vinte dias após o fim da validade do certame.
Extinção do cargo
A situação ganhou novos contornos quando o Município de Belém editou a Lei Municipal nº 9.203/2016, que extinguiu diversos cargos públicos, incluindo o de soldador para o qual o candidato havia sido aprovado.
Dessa maneira, esta circunstância superveniente foi invocada pelo ente municipal como fundamento para a recusa da nomeação, alegando que a extinção do cargo teria eliminado o próprio objeto do direito pleiteado pelo candidato.
O Tribunal de Justiça do Estado do Pará, entretanto, decidiu favoravelmente ao candidato, reconhecendo seu direito à nomeação.
O acórdão estadual fundamentou-se na constatação de que a extinção do cargo ocorreu após a homologação do concurso e, mais importante ainda, após o transcurso do prazo de validade do certame.
Para a Corte paraense, tratava-se de normativo criado em circunstância superveniente que não possuía o condão de elidir o direito do candidato aprovado dentro do número de vagas.
Inconformado com essa decisão, o Município de Belém interpôs recurso extraordinário perante o Supremo Tribunal Federal, alegando violação aos artigos 37 e 169 da Constituição Federal.
Sustentou o recorrente que a manutenção da obrigação de nomear o candidato contrariaria o princípio da eficiência administrativa e desrespeitaria os limites de gastos com pessoal estabelecidos na Lei de Responsabilidade Fiscal.
O Tema 161: direito subjetivo à nomeação
Veja, para compreender adequadamente a decisão proferida no Tema 1.164, torna-se imprescindível revisitar os fundamentos estabelecidos no julgamento do Recurso Extraordinário 598.099/MS, paradigma do Tema 161 da repercussão geral.
Isto porque, naquele precedente, relatado pelo Ministro Gilmar Mendes, o Supremo Tribunal Federal reconheceu pela primeira vez, a existência de direito subjetivo à nomeação do candidato aprovado dentro do número de vagas previsto em edital de concurso público.
A ratio decidendi do Tema 161 fundamentou-se em três pilares essenciais do ordenamento jurídico brasileiro.
1) O primeiro deles reside no princípio da segurança jurídica, compreendido em sua dimensão de proteção à confiança. Ao tornar público um edital de concurso indicando número específico de vagas, a Administração Pública gera nos cidadãos uma legítima expectativa quanto ao seu comportamento futuro. Aqueles que decidem se inscrever e participar do certame depositam sua confiança no Estado administrador, esperando que este atue de forma responsável quanto às normas estabelecidas no próprio edital.
2) O segundo pilar encontra-se no princípio da boa-fé objetiva aplicado às relações entre Administração e administrados. Embora tradicionalmente associado ao direito privado, o dever de boa-fé impõe-se também ao Poder Público, exigindo comportamento leal, proba e coerente. A Administração não pode surpreender os cidadãos com condutas contraditórias ou que frustrem expectativas legítimas por ela própria criadas. Quando o edital anuncia determinado número de vagas e o candidato se classifica dentro desse limite, surge para o Estado um dever de comportamento consistente com o que foi anteriormente anunciado.
3) O terceiro fundamento reside na própria força normativa do princípio constitucional do concurso público. Este princípio, conquista civilizatória consagrada no artigo 37, inciso II, da Constituição Federal, não se esgota na mera realização de procedimento seletivo. Sua efetividade depende da observância, pelo Poder Público, de todas as normas e garantias que possibilitem seu pleno exercício pelos cidadãos. O reconhecimento do direito subjetivo à nomeação representa, assim, uma garantia fundamental da plena eficácia do princípio do concurso público.
Logo, a partir desses fundamentos, o Supremo Tribunal Federal estabeleceu que, uma vez publicado o edital com número específico de vagas, o ato da Administração que declara os candidatos aprovados no certame cria um dever de nomeação para a própria Administração e, portanto, um direito à nomeação titularizado pelo candidato aprovado dentro desse número de vagas.
Logo, importante observar que o direito subjetivo aperfeiçoa-se no momento da homologação do concurso público, embora a Administração conserve a discricionariedade para escolher o momento da nomeação dentro do prazo de validade do certame.
Situações excepcionais
Contudo, já no julgamento do Tema 161, esta Suprema Corte reconheceu que situações excepcionais podem justificar a não nomeação do candidato.
Para tanto, estabeleceu quatro requisitos cumulativos que devem caracterizar a excepcionalidade:
| 1) superveniência dos fatos ensejadores da situação excepcional, que devem ser necessariamente posteriores à publicação do edital; 2) imprevisibilidade, pois a situação deve ser determinada por circunstâncias extraordinárias e imprevisíveis à época da publicação do edital; 3) gravidade dos acontecimentos extraordinários, implicando onerosidade excessiva, dificuldade ou mesmo impossibilidade de cumprimento das regras do edital; 4) e necessidade, sendo a solução de não cumprimento do dever de nomeação extremamente necessária, somente podendo ser adotada quando absolutamente não existirem outros meios menos gravosos. |
Tema 1.164 e sua fundamentação
O Ministro Flávio Dino, relator do Recurso Extraordinário 1.316.010/PA, construiu seu voto a partir da premissa de que o atingimento do limite de gastos com pessoal imposto pela Lei de Responsabilidade Fiscal enquadra-se perfeitamente nas hipóteses de excepcionalidade delineadas no Tema 161.
Isto porque, segundo o relator, esta situação apresenta todos os atributos caracterizadores da excepcionalidade: superveniência, imprevisibilidade, gravidade e necessidade.
Veja, a superveniência decorre do fato de que a situação de excesso de gastos com pessoal deve necessariamente ser posterior à publicação do edital do concurso.

Caso contrário, a própria abertura do certame teria sido equivocada, não podendo a Administração alegar posteriormente uma circunstância que já existia quando da decisão de realizar o concurso.
Ademais, a imprevisibilidade relaciona-se com a volatilidade das receitas públicas e das despesas obrigatórias, que podem sofrer alterações significativas em períodos relativamente curtos, especialmente em contextos de crise econômica ou mudanças estruturais na economia.
Lado outro, a gravidade manifesta-se na própria natureza da Lei de Responsabilidade Fiscal, que estabelece limites cuja inobservância acarreta severas consequências para o gestor público e para o próprio ente federativo.
Inclusive, o artigo 169 da Constituição Federal, regulamentado pela Lei Complementar nº 101/2000, impõe que a despesa com pessoal ativo, inativo e pensionistas não pode exceder os limites estabelecidos em lei complementar. Para os Municípios, este limite foi fixado em sessenta por cento da receita corrente líquida.
Logo, a superação desse percentual não representa mera irregularidade administrativa, mas verdadeiro descumprimento de mandamento constitucional com potencial para comprometer a saúde fiscal do ente público.
Por fim, a necessidade evidencia-se quando a nomeação de novos servidores implicaria a ultrapassagem do limite legal, não havendo outra medida menos gravosa disponível para evitar o descumprimento da norma constitucional.
Neste contexto, a recusa à nomeação não representa mero capricho administrativo ou discricionariedade imotivada, mas sim imperativo de observância da ordem jurídica.
Interesse da coletividade
O voto condutor destacou aspecto fundamental: como a configuração de um direito subjetivo pressupõe sua conformação com o ordenamento jurídico, seria verdadeira contradição o reconhecimento de direito à nomeação em cargo público quando, ao mesmo tempo, esta admissão ofendesse a ordem jurídica.
Em outras palavras, não se pode exigir que a Administração Pública cumpra uma obrigação cuja execução a colocaria em situação de ilegalidade ou inconstitucionalidade.
A mesma lógica foi aplicada para a configuração da excepcionalidade com base na extinção do cargo público.
Quando presentes os requisitos da superveniência, imprevisibilidade, gravidade e necessidade, lastreados no interesse público e diante de detalhada motivação, o gestor público está autorizado a extinguir os cargos públicos disponibilizados em edital de concurso público. Isto porque o interesse individual do candidato não pode se sobrepor ao interesse da coletividade, especialmente quando se demonstra que a manutenção do cargo mostrou-se desnecessária ou incompatível com as necessidades do serviço público.
Ademais, o Ministro Flávio Dino invocou precedentes desta Corte nos quais se reconheceu que o estágio probatório não protege o servidor público contra eventual extinção do cargo, conforme consagrado na Súmula 22 do Supremo Tribunal Federal. Se a jurisprudência admite a extinção de cargo já provido por servidor que se encontra em estágio probatório, com mais razão deve admitir a extinção antes do seu preenchimento, desde que fundamentada na preservação do interesse público e observados os requisitos da excepcionalidade.
Assim, o Plenário do Supremo Tribunal Federal fixou a seguinte tese para o Tema 1.164:
"A superveniente extinção dos cargos oferecidos em edital de concurso público em razão da superação do limite prudencial de gastos com pessoal, previsto em lei complementar regulamentadora do art. 169 da Constituição Federal, desde que anterior ao término do prazo de validade do concurso e devidamente motivada, justifica a mitigação do direito subjetivo à nomeação de candidato aprovado dentro do número de vagas".
O limite temporal: o prazo de validade do concurso
Ora, um dos aspectos mais relevantes da decisão proferida no Tema 1.164 reside na delimitação temporal estabelecida para a possibilidade de afastamento do direito subjetivo à nomeação.
O Supremo Tribunal Federal foi categórico ao estabelecer que a extinção dos cargos ou a verificação da superação do limite de gastos com pessoal devem ocorrer necessariamente antes do término do prazo de validade do concurso.
Esta exigência não é meramente formal, mas decorre da própria natureza jurídica do direito subjetivo à nomeação conforme delineada no Tema 161. Embora o direito subjetivo se aperfeiçoe com a homologação do resultado final do concurso, ele permanece em estado de latência durante todo o prazo de validade do certame.
Assim, a Administração Pública possui, neste período, a discricionariedade para escolher o momento da nomeação, mas não possui discricionariedade para decidir se irá ou não nomear o candidato aprovado dentro do número de vagas.
Isto é, no exato momento em que se esgota o prazo de validade do concurso sem que tenha ocorrido a nomeação, o direito subjetivo transmuda-se em direito adquirido.
A partir deste marco temporal, o candidato possui não apenas a expectativa legítima da nomeação, mas sim um direito consolidado e imune a alterações supervenientes nas circunstâncias administrativas ou financeiras do ente público.
A lógica subjacente a esta construção é clara: se a Administração deixou transcorrer todo o prazo de validade do concurso sem promover a extinção do cargo ou sem alegar a impossibilidade de nomeação por restrições orçamentárias, presume-se que não havia impedimento real para o provimento das vagas.
Assim, a extinção posterior ao fim do prazo de validade configura tentativa de frustrar direito já consolidado, o que não se pode admitir sob pena de esvaziamento completo das garantias estabelecidas no Tema 161.
Voltando ao caso
No caso concreto julgado pelo Supremo Tribunal Federal, esta circunstância mostrou-se determinante. O concurso público teve seu resultado homologado em maio de 2013, com prazo de validade de dois anos.
Este prazo expirou em maio de 2015 sem que o Município de Belém tivesse procedido à nomeação do candidato aprovado. A edição da Lei Municipal que extinguiu o cargo de soldador somente ocorreu em 2016, portanto muito tempo após o transcurso do prazo de validade do certame.
Em outras palavras, esta cronologia revelou-se fatal para a tese sustentada pelo Município recorrente.
Como bem observou o Ministro Flávio Dino, se a alegada impossibilidade de nomeação decorresse realmente de limitações orçamentárias ou da desnecessidade do cargo, o ente municipal teria extinto o cargo muito antes do ajuizamento da ação e da prolação da sentença.
Assim, a extinção tardia evidenciou que não se tratava de situação excepcional caracterizada pela superveniência, imprevisibilidade, gravidade e necessidade, mas sim de tentativa de afastar artificialmente um direito já consolidado.
Por fim, o estabelecimento deste marco temporal representa importante salvaguarda contra eventual uso abusivo da prerrogativa de extinção de cargos.
Isto porque, impede que a Administração Pública utilize a extinção como mecanismo para frustrar sistematicamente o direito à nomeação de candidatos aprovados, aguardando deliberadamente o fim do prazo de validade do concurso para então alegar impossibilidade de provimento. Ao exigir que a extinção seja anterior ao término do prazo de validade, a decisão assegura que apenas situações genuinamente excepcionais e imprevisíveis possam afastar o direito subjetivo à nomeação.
A questão da vedação a novas contratações
Uma das propostas mais relevantes constantes do voto do Ministro Flávio Dino não foi acolhida pela maioria do Plenário. O relator propunha que, dentro do prazo de cinco anos contado a partir do término do prazo de validade do concurso, o ente idealizador e realizador do certame ficasse impedido de realizar contratações temporárias ou abrir novo concurso público para o mesmo cargo. O descumprimento desta vedação acarretaria o reconhecimento de burla ao princípio do concurso público e o consequente dever de nomeação do candidato preterido.
Contudo, a maioria dos Ministros entendeu que esta questão ultrapassava os limites do tema de repercussão geral delimitado no recurso extraordinário. O Ministro Alexandre de Moraes, em manifestação acompanhada por outros Ministros, observou que a controvérsia originariamente afetada ao regime da repercussão geral dizia respeito especificamente à possibilidade de extinção de cargos e superação de limites de gastos com pessoal servirem como motivo para afastar o direito subjetivo à nomeação, não abrangendo regras sobre contratações futuras ou realização de novos concursos.
Como o tema já caiu em provas
Prova: FMP Concursos - 2017 - PGE-AC - Procurador do Estado De acordo com o atual panorama interpretativo verificado na jurisprudência dos Tribunais Superiores, pode-se afirmar sobre o direito subjetivo à nomeação do candidato aprovado em concurso público fora do número de vagas disciplinado pelo certame de que participou: Alternativas A) O cadastro reserva revela-se por si como medida inidônea para o aproveitamento dos candidatos aprovados durante a validade do concurso. B) Os aprovados dentro do cadastro reserva não têm expectativa de direito à nomeação, muito menos direito subjetivo a serem chamados para o preenchimento da vaga. C) Incumbe à Administração, no âmbito de seu espaço de discricionariedade exercido de forma livre, avaliar a conveniência e a oportunidade de novas convocações durante a validade do certame. D) O direito subjetivo à nomeação do candidato surge, dentre outras hipóteses, quando, ao surgirem novas vagas ou ao ser aberto novo concurso durante a validade do certame anterior, ocorre a preterição de candidatos de forma justificada e motivada por parte da Administração. E) Demonstrada a existência de vagas e a necessidade de serviço, não pode a Administração deixar transcorrer o prazo de validade a seu bel prazer para nomear outras pessoas que não aquelas já aprovadas em concurso válido. Gabarito: E.
Prova: CONTEMAX - 2019 - Prefeitura de Lucena - PB - Procurador ( ) O candidato aprovado em concurso público fora do número de vagas tem direito subjetivo à nomeação caso surjam novas vagas durante o prazo de validade do certame, haja manifestação inequívoca da administração sobre a necessidade de seu provimento e não tenha restrição orçamentária. Gabarito: C.
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