Nome civil: limites da imutabilidade, flexibilização da LRP (Lei 14.382/2022) e a tensão entre registro e jurisdição

Nome civil: limites da imutabilidade, flexibilização da LRP (Lei 14.382/2022) e a tensão entre registro e jurisdição

Olá, pessoal! Aqui é o professor Adriano Álvares. Apresento este estudo que se debruça sobre um dos pilares do Direito da Personalidade: o nome civil e seus desafios contemporâneos no âmbito do Registro Civil.

A análise se concentra nas alterações promovidas pela Lei nº 14.382/2022. Essas mudanças flexibilizaram as regras de imutabilidade, e nas tensões geradas pela interpretação da legalidade estrita frente à autonomia da vontade individual. Convidamos a todos a acompanhar a dissecação dos critérios de admissibilidade e vedação do prenome, bem como a distinção fundamental entre o procedimento administrativo e a via judicial para a retificação. Esses são aspectos cruciais que continuam a moldar o exercício do direito fundamental à identidade no Brasil.

Imutabilidade relativa e dignidade da pessoa humana

A estrutura do nome civil, baseada no princípio da imutabilidade relativa, garante a segurança e a identificação social da pessoa humana. Esse é um direito fundamental previsto no Código Civil e na Constituição.

A recente modificação da Lei de Registros Públicos (LRP) ampliou a autonomia individual, notadamente ao permitir a alteração imotivada do prenome na maioridade e ao criar a possibilidade de oposição de um dos genitores no prazo de 15 dias após o registro, conforme o Art. 55, §4º. Não obstante, o ato do registro permanece sob o rigor do controle de legalidade.

Neste contexto, o Oficial de Registro Civil atua como um fiscal da legalidade, devendo zelar pela proteção do registrando contra prenomes que o exponham ao ridículo ou a vexame, em consonância com o princípio da dignidade da pessoa humana. Tal prerrogativa, embora essencial, frequentemente resulta em conflitos administrativos, nos quais a recusa em realizar a retificação — como nos casos de mero arrependimento consensual após o prazo legal — baseia-se na ausência de previsão normativa expressa.

Este estudo visa a delinear os contornos da atuação do registrador e a traçar a linha divisória entre o que se permite na esfera administrativa e o que demanda a amplitude cognitiva da via judicial.

O prenome sob a lente da dignidade: vedação à exposição vexatória e os critérios para o registro civil

O direito ao prenome, enquanto elemento essencial da identidade e direito da personalidade, intrinsecamente tem a tutela do ordenamento jurídico brasileiro, sendo balizado pelo princípio da dignidade da pessoa humana.

Nesse contexto, a Lei de Registros Públicos (LRP), em seu Art. 55, parágrafo único, estabelece uma salvaguarda crucial: a vedação expressa à atribuição de prenomes que possam expor o registrando ao ridículo ou à situação vexatória. A função do oficial de registro civil, nesse aspecto, é atuar como um filtro preventivo, exercendo a qualificação jurídica do nome para assegurar que ele cumpra sua função social e privada sem comprometer a honra subjetiva e objetiva do indivíduo.

A doutrina e a jurisprudência consolidaram critérios de admissibilidade e vedação no registro público. Por um lado, são permitidos (regra geral) aqueles prenomes que respeitam a tradição cultural, a moral média e que, em sua forma e fonética, são socialmente aceitos.

nome

Por outro lado, o Oficial deve recusar o registro (exceção e intervenção) de prenomes que, de forma inequívoca, exponham o indivíduo ao vexame — como aqueles com conotação jocosa, depreciativa, ou nomes que sejam excessivamente complexos, inusitados ou compostos de forma abusiva, dificultando a identificação e a aceitação social.

Se houver recusa, os genitores possuem o direito de se opor. Eles remetem a divergência ao Juiz Corregedor competente, que decidirá sobre a procedência da dúvida. Sempre haverá a ponderação entre a autonomia da vontade dos pais e a proteção integral da dignidade e da integridade da criança.

O direito ao novo prenome na maioridade civil: alteração desburocratizada

Decorrido o prazo de 15 (quinze) dias após o registro de nascimento – período no qual o recém-nascido adquire o direito ao nome e inicia-se o princípio da sua imutabilidade relativa –, a legislação brasileira confere ao indivíduo uma nova e importante janela de oportunidade para exercer sua autonomia da vontade sobre seu prenome.

Este direito está regido pelo Artigo 56 da Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/1973), em sua redação atualizada pela Lei nº 14.382/2022. Essa reforma legal consolidou o direito de toda pessoa que atinge a maioridade civil requerer a alteração de seu prenome.

O grande diferencial dessa previsão legal é que o procedimento ocorre inteiramente na via administrativa, diretamente perante o Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais. Dessa forma, não é necessária a intervenção judicial ou a apresentação de qualquer justificativa específica, sendo, portanto, uma alteração imotivada.

O procedimento é simplificado: a solicitação deve ser feita no cartório onde o interessado foi originalmente registrado ou em outro de seu domicílio, mediante a apresentação de documentos pessoais e normativos. É importante ressaltar que a regra se aplica apenas ao prenome (primeiro nome), não abrangendo a alteração do sobrenome.

Ademais, a única restrição imposta é que a mudança não pode ter o objetivo de prejudicar terceiros, simular fraude, falsidade ou má-fé. Essa desburocratização representa um marco na flexibilização do direito ao nome. Isso porque reconhece-se a plena capacidade civil do jovem adulto para adequar sua identificação à sua identidade pessoal.

Análise jurídico-registral: a imutabilidade do prenome e a interpretação restritiva do Art. 55, §4º da LRP

A decisão proferida pela 2ª Vara de Registros Públicos da Comarca da Capital do Estado de São Paulo, no Processo 0045084-44.2025.8.26.0100, oferece um estudo de caso emblemático sobre os limites da autonomia privada e a interpretação restritiva da Lei de Registros Públicos (LRP) no que concerne à alteração do prenome de recém-nascidos.

O cerne da controvérsia reside na correta aplicação do Art. 55, §4º, da LRP, introduzido pela Lei nº 14.382/2022, e sua capacidade de abarcar o mero “arrependimento” dos genitores em relação ao nome consensual e inicialmente escolhido. O Juízo da Corregedoria Permanente, representado pelo Dr. Marcelo Benacchio, ratificou o óbice imposto pela Oficial do Registro Civil. Ele sustentou a premissa fundamental da imutabilidade do nome como princípio estruturante do Direito da Personalidade.

A tese central do julgado é que a flexibilização trazida pelo Art. 55, §4º, da LRP constitui uma regra de exceção que deve ser interpretada de forma estrita, cingindo-se aos pressupostos fáticos que a justificaram, ou seja, solucionar a dissensão ou a preterição no exercício do direito de pôr o nome, e não o arrependimento posterior de uma escolha feita consensualmente.

Concluiu-se, assim, que o arrependimento mútuo após a concordância inicial não se enquadra nos pressupostos autorizadores da retificação administrativa, sob pena de gerar insegurança na identificação pessoal.

Finalmente, a decisão reconheceu a perda do objeto do recurso administrativo em face da alteração do prenome pela via jurisdicional, a qual os genitores já haviam recorrido. Sublinhou-se a distinção entre a atuação administrativa (limitada à legalidade estrita) e a atuação judicial (com maior amplitude cognitiva).

Como o tema pode ser cobrado em provas de concurso público

O conjunto de temas abordados, desde a decisão da Corregedoria Permanente até as alterações recentes da Lei de Registros Públicos (LRP), é extremamente fértil para questões em concursos, especialmente para Magistratura, Ministério Público e Cartórios (Serviços Notariais e de Registro).

Os pontos de maior incidência e complexidade podem ser cobrados de três formas principais.

Primeiramente, em questões de Lei Seca e Novidades Legislativas (Lei nº 14.382/2022), exigindo a memorização dos prazos e condições da Alteração Imotivada na Maioridade e da Oposição ao Prenome (15 dias, Art. 55, §4º da LRP, focada na ausência de consenso entre genitores).
Em segundo lugar, em Discursivas e Peças Práticas, nas quais o examinador solicitará que o candidato demonstre a distinção entre a Legalidade Estrita da via administrativa (na qual o Registrador está vinculado à lei e deve indeferir o arrependimento fora do prazo, por exemplo) e a Amplitude Cognitiva da Jurisdição (que permite ao juiz ponderar direitos fundamentais para deferir pedidos negados administrativamente).
Por fim, em temas de Direitos Fundamentais e Controle de Legalidade, onde a banca questionará o poder-dever de qualificação jurídica do Oficial de Registro, conforme o Art. 55, parágrafo único, da LRP, para evitar o prenome vexatório, ligando a atuação registral diretamente ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.

Quer saber quais serão os próximos concursos?

Confira nossos artigos para Carreiras Jurídicas!
0 Shares:
Você pode gostar também