Mulheres poderão portar spray de pimenta e armas de choque no DF

Mulheres poderão portar spray de pimenta e armas de choque no DF

*João Paulo Lawall Valle é Advogado da União (AGU) e professor de direito administrativo, financeiro e econômico do Estratégia carreira jurídica.

Entenda o caso

Os membros do Poder Legislativo do Distrito Federal aprovaram dois projetos de lei (PLs 945 e 946) que garantem direitos para aumentar a segurança das mulheres no DF: as novas leis asseguram o acesso seguro a spray de extratos vegetais e armas de eletrochoque como instrumentos de legítima defesa.

PL 945

O PL 945 autorizou a venda de spray de extrato vegetal (“spray de pimenta”)  com concentração máxima de 20%, mas restrito a mulheres maiores de 16 anos. Mas a venda não é irrestrita, tendo sido impostas as seguintes condições:

  • Comercialização somente em estabelecimentos farmacêuticos, mediante a apresentação de documento de identidade com foto;
  • Venda não necessita de receita médica, sendo limitada a 2 unidades por pessoa por mês;
  • Os recipientes contendo o spray com o extrato vegetal não poderá ser superior a setenta gramas.

PL 946

Já o PL 946 assegurou às mulheres maiores de 18 anos o direito de comprar, ter e portar armas de eletrochoque (armas de incapacitação neuromuscular). Esta arma deverá ter a potência máxima de 10 joules (o que permite sua utilização como arma não letal) destinada à proteção pessoal. De acordo com a nova lei, permite-se apenas uma arma por pessoa. Para aquisição dessas armas as mulheres deverão seguir as seguintes normas:

  • Necessária a apresentação de laudo de avaliação psicológica atestando sua capacidade para o uso da arma de incapacitação neuromuscular;
  • A comercialização é restrita a lojas especializadas, sendo que todas as armas devem ser licenciadas pelos órgãos de segurança pública, mediante a apresentação de documentação específica da compradora;
  • Obrigatoriedade da compradora realizar curso de orientação sobre o uso correto e seguro da arma de incapacitação neuromuscular.

Análise Jurídica

Dados de violência de gênero

De acordo com pesquisa realizada pela Rede de Observatórios da Segurança, no ano de 2023 ao menos oito mulheres foram vítimas de violência doméstica a cada 24 horas.

Os dados de violência de gênero monitorados pela Rede indicam o número de 586 vítimas de feminicídios no Brasil. Isso significa dizer que, a cada 15 horas, uma mulher morreu em razão do gênero, majoritariamente pelas mãos de parceiros ou ex-parceiros (72,7%), que usaram armas brancas (em 38,12% dos casos), ou por armas de fogo (23,75%).  

Já o 18º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, demonstrou que o Brasil registrou, no ano de 2023, 83.988 casos de estupro e estupro de vulneráveis, representando um crime sexual a cada seis minutos no ano.

Por fim, o Anuário mostrou o aumento em todas as modalidades de violência contra a mulher registradas no país. De acordo com a Agência Brasil, [o] crime é referente a atos libidinosos indesejados, como apalpar, lamber, tocar sem permissão e até mesmo se masturbar em público. Já os crimes de stalking, ou seja, de perseguição, tiveram 77.083 registros, um crescimento de 34,5%.

Proteção às mulheres

Armas de eletrochoque, defesa pessoal

Analisando os projetos de lei nº 945 e 946 percebe-se que o objetivo da nova legislação é permitir que as mulheres tenham instrumentos para se proteger, agindo em legítima defesa.

Segundo a doutrina dominante, o crime, em seu conceito analítico, compõe-se de fato típico, ilícito e culpável. O segundo substrato do crime, ilicitude ou antijuridicidade, representa a contrariedade entre o comportamento do agente e o ordenamento jurídico.

O Código Penal, em seu art. 23, elencou quatro causas excludentes da ilicitude (causas de justificação):

Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato:         

I - em estado de necessidade;         

II - em legítima defesa;         

III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.

O instituto da legítima defesa tem previsão no artigo 25 do Código Penal. Assim, entende-se por legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. Além disso, também será legítima defesa quando o agente de segurança pública que repele agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes

Assim, para que uma ação seja considerada legítima defesa, a lei exige a presença de alguns elementos:

  • Agressão injusta: a ação do agressor não pode ser legítima ou justificada. Por exemplo, resistir violentamente a uma prisão feita por um policial em conformidade com a lei não é legítima defesa;
  • Atual ou iminente: a ameaça precisa estar acontecendo no momento ou ser inevitável de forma imediata;
  • Uso moderado dos meios necessários: a defesa deve ser proporcional à ameaça, ou seja, não pode exceder o necessário para repelir a agressão.

Classificações

A doutrina elenca uma série de classificações para o instituto. Para fins estudo para os certames públicos das carreiras policiais, seguem as mais relevantes:

a) Legítima defesa própria – ocorre nos casos em que o agente protege um direito ou interesse próprio;

b) Legítima defesa de terceiro – o autor do fato tutela um direito ou interesse alheio;

c) Legítima defesa real – a situação de perigo, de fato, existe e dela o agente tem conhecimento;

d) Legítima defesa putativa – é a imaginária. O agente supõe a existência de uma injusta agressão ou erra acerca dos limites da excludente. Aplicam-se as regras constantes do art. 20, § 1º, do Código Penal (erro de tipo permissivo) ou do art. 21 do Código Penal (erro de proibição indireto);

e) Legítima defesa sucessiva – ocorre nos casos de excesso. O inicial agressor passa a ser agredido em razão de ter se excedido na legítima defesa. Como o excesso constitui uma injusta agressão, é admitida pelo ordenamento jurídico pátrio;

f) Legítima defesa real recíproca – não é possível haver legítima defesa real contra legítima defesa real, uma vez que para a configuração do instituto é necessária uma agressão injusta e uma reação lícita. Dessa forma, não é possível que um comportamento seja lícito e ilícito ao mesmo tempo.


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