Morte do Papa Francisco: sucessão e liberdade religiosa
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Morte do Papa Francisco: sucessão e liberdade religiosa

* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.

Morte do Papa Francisco e conclave

Uma triste notícia abalou o mundo: a morte do Papa Francisco!

Jorge Mario Bergoglio, que comandou a Igreja Católica por 12 anos, morreu aos 88 anos. O pontífice faleceu em sua residência no Vaticano, Casa Santa Marta. Foi o cardeal Farrell quem anunciou a morte do pontífice.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva decretou luto oficial de sete dias no Brasil pela morte do Papa Francisco (Decreto nº 12.440, de 21 de abril de 2025).

“Decreto nº 12.440/2025

Art. 1º É declarado luto oficial em todo o País, pelo período de sete dias, contado da data de publicação deste Decreto, em sinal de pesar pelo falecimento de Jorge Mario Bergoglio, Sua Santidade o Papa Francisco, a quem serão tributadas honras fúnebres de Chefe de Estado.”

Quando um papa morre, nove dias de luto são declarados no Vaticano e o enterro ocorre entre o 4º e o 6º dia após a morte.

Ademais, a organização do funeral fica a cargo do camerlengo (título do tesoureiro nomeado da Santa Sé). Ele também organiza o conclave que escolhe o próximo papa.

O conclave inicia-se sempre que um papa falece ou renuncia sua posição como Sumo Pontífice, momento no qual se transfere o comando da Igreja Católica para o camerlengo, que preside o Sacro Colégio de Cardeais e fica responsável por cuidar da Santa Sé até que se escolha o novo papa.

Assim, veja o passo a passo: [1]

Morte do Papa
CARACTERÍSTICAS DO CONCLAVE

• Sistema eleitoral organizada pela Igreja Católica para eleger um novo Papa.

• Estabelecido como meio de escolha do Papa no século XI, e, desde o século XIII, esse sistema é chamado de conclave.

• Os cardeais eleitores se reúnem na Capela Sistina para escolher o novo Pontífice.

• O novo Papa só é eleito se receber 2/3 dos votos.

• Finalizado o conclave, a Igreja Católica informa os fiéis lançando uma fumaça branca da chaminé da Capela Sistina.

Análise jurídica

O Direito Canônico é o conjunto de leis que rege a estrutura institucional da Igreja Católica Apostólica Romana, regulamentando todos os segmentos da vida eclesiástica, o que inclui sua organização, governo, ensino, culto, disciplina e práticas processuais.

O Direito Canônico está consolidado no Código de Direito Canônico e no Código dos Cânones das Igrejas Orientais, promulgados pelo Papa S. João Paulo II, respectivamente em 1983 e 1990. O primeiro se aplica a todos os fiéis do rito latino; o segundo, a todos os fiéis que compõem a realidade cultural e jurídica das 24 igrejas orientais sui iuris, em comunhão com Roma.

Aquele que se dedica ao estudo do Direito Canônico é chamado canonista.

Além disso, o Direito Canônico foi uma das principais fontes do Direito Romano, que acabou servindo de base para o direito ocidental. Portanto, não há como negar relação entre a as normas e princípios da Igreja Católica e o ordenamento jurídico não só do Brasil, mas da maioria dos países ocidentais.

Influência da Igreja Católica

Após o Édito de Milão (313 d.C.), responsável por conceder liberdade de culto religiosa, e a adoção do cristianismo como religião oficial do Império Romano, houve uma forte influência da Igreja na vida social e jurídica. A Igreja Católica, com sua estrutura e hierarquia, desempenhou um papel crucial na preservação e transmissão do Direito Romano, especialmente após a queda do Império.

Dessa forma, podemos citar a forte influência do Direito Canônico em temas como casamento, obrigações e família.

O Direito Romano é o conjunto de normas, princípios, leis e costumes que regiam a vida jurídica dos romanos, desde a sua origem até a morte de Justiniano, e que serviu de base para o ordenamento jurídico ocidental.

O Direito Romano influenciou profundamente o direito civil, o direito penal, o direito processual e outras áreas do direito, tanto na Europa como no resto do mundo, a exemplo do Código Francês de 1804.

Laicidade

A Constituição Federal de 1988 indica a República Federativa do Brasil como um país laico. Ou seja, existe uma separação entre Estado e Religião, permitindo uma ampla liberdade religiosa.

A laicidade ganha força a partir do Iluminismo, que reforçou a necessidade da separação entre o Poder Público e a Igreja. Essa mistura entre fé e estado foi muito comum no absolutismo, e não trouxe bons frutos para a humanidade.

Benefícios trazidos pela laicidade:

  • Assegura liberdade religiosa;
  • Assegura tratamento igualitário entre as pessoas;
  • Assegura autonomia individual;
  • Assegura a pluralidade de pensamento e crença.

Mas a laicidade não significa que o Estado não possa dialogar ou firmar parcerias com a igreja. O que é vedado pela Constituição é a adoção de uma religião oficial, o favorecimento a uma igreja específica, a dependência e a vinculação a uma religião.

Aliás, é importante não confundir laicidade com laicismo!

LAICIDADELAICISMO
Não há uma relação de dependência ou favorecimento entre o Estado e uma religião específica, mas há garantia à liberdade religiosa, e há possibilidade de fomenta às diversas religiões.Pensamento ideológico em que a religião é vista de forma negativa, pejorativa, devendo ser totalmente desconsiderada pelo Estado. É marcado pela intolerância religiosa e por medidas autoritárias.

STF e liberdade religiosa

Sacrifício de animais

Em 2019, o Supremo validou a lei gaúcha nº 12.131/2004, que permite o sacrifício de animais em ritos religiosos (RE 494.601).

O recurso visava declarar a inconstitucionalidade do sacrifício de animais em rituais religiosos com base na previsão do art. 225, §1º, VII, que prevê, como dever do poder público, “proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade”.

O ministro Edson Fachin reconheceu a total validade do texto legal, para quem a menção específica às religiões de matriz africana não apresenta inconstitucionalidade. Isso porque a utilização de animais é de fato intrínseca a esses cultos e a eles deve ser destinada uma proteção legal ainda mais forte, uma vez que são objeto de estigmatização e preconceito estrutural da sociedade.

O ministro Luiz Fux considerou que este é o momento próprio para o Direito afirmar que não há nenhuma ilegalidade no culto, liturgias e rituais, e que o julgado vai contribuir para dar um basta nessa escalada de violência e de atentados cometidos contra as casas de cultos de matriz africana.

Dessa maneira, a tese fixada pelo STF é a seguinte:

“É constitucional a lei de proteção animal que, a fim de resguardar a liberdade religiosa, permite o sacrifício ritual de animais em cultos de religiões de matriz africana”.

Dia da Consciência Negra

Em 2023, o presidente Lula sancionou a Lei nº 14.759/2023, que incluiu no calendário nacional o feriado da Consciência Negra, em 20 de novembro. A data faz referência à morte do líder do Quilombo dos Palmares, símbolo da resistência negra contra a escravidão no Brasil.

O ministro Luís Roberto Barroso, destacou que o Dia da Consciência Negra celebra e enaltece um dos pilares da nacionalidade brasileira: “A data traz consigo a reflexão sobre os séculos de superação e resiliência do povo negro, além da busca por respeito, igualdade e oportunidades”.

Símbolos religiosos em órgãos públicos – TEMA 1.086

Em novembro de 2024, o Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento do TEMA 1.086, decidindo, de forma unânime, validar o uso de símbolos religiosos, como imagens e crucifixos, em órgãos públicos. Isso porque tal prática não fere a laicidade do Estado nem a liberdade religiosa.

Entenda a origem do TEMA 1.086.

Primeiramente, o Ministério Público Federal (MPF) acionou a Justiça Federal, em São Paulo, com o objetivo de proibir a presença de símbolos religiosos em órgãos públicos. O argumento foi de que o Brasil é um país laico e que o poder público deve estar desvinculado de qualquer igreja ou religião.

Tanto o juízo de primeiro grau quanto o TRF-3 rejeitaram o pedido. Consideraram que a presença desses símbolos reafirma a liberdade religiosa e o respeito a aspectos culturais da sociedade brasileira.

O MPF, então, interpôs RE ao Supremo, que confirmou o entendimento das instâncias ordinárias.

O Conselho Nacional de Justiça tem entendimento de que os símbolos religiosos são manifestações da cultura e da tradição. Além disso, a Constituição Federal protege a liberdade religiosa, sua manifestação e seu livre exercício, e proíbe a discriminação por motivos de crença ou convicção filosófica.

TEMA 1.086 do STF: “A presença de símbolos religiosos em prédios públicos, pertencentes a qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, desde que tenha o objetivo de manifestar a tradição cultural da sociedade brasileira, não viola os princípios da não discriminação, da laicidade estatal e da impessoalidade”.

Portanto, o reconhecimento da importância da Igreja Católica, e a relevância da morte do Papa Francisco, reconhecida por Decreto Presidencial, não fragiliza em nada o Estado laico brasileiro. Ao contrário, reforça a liberdade religiosa garantida pela Carta Magna.


[1]HOWELL, Jeremy. Como um novo papa é escolhido? BBC News Brasil. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/articles/ce84gjnle45o>.


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