Prof. Gustavo Cordeiro
Introdução: metodologia e fundamentação do voto condenatório
O voto do Ministro Alexandre de Moraes na Ação Penal 2668 do Supremo Tribunal Federal apresentou fundamentação detalhada pela condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro e outros sete réus por crimes relacionados à tentativa de golpe de Estado. Durante aproximadamente cinco horas de sustentação, utilizando quase 70 slides, o relator desenvolveu argumentação estruturada que abrangeu desde questões processuais preliminares até a subsunção específica de cada tipo penal.
Este artigo apresenta análise exclusivamente jurídica e descritiva do voto do Ministro Moraes, sem qualquer viés político-partidário ou valoração pessoal dos fatos. O objetivo é fornecer aos candidatos a Magistratura, Ministério Público, Defensoria Pública e demais carreiras jurídicas uma compreensão técnica da metodologia argumentativa utilizada pelo relator e dos fundamentos jurídicos que embasaram sua decisão condenatória. A sofisticação técnica e a abrangência doutrinária do voto tornam este precedente referência relevante para futuras provas de concursos jurídicos.
A estrutura argumentativa do voto de Moraes
O Ministro Alexandre de Moraes organizou seu voto seguindo metodologia que partiu da análise das questões preliminares, passou pela validação das provas e culminou na subsunção detalhada dos fatos aos tipos penais denunciados pela Procuradoria-Geral da República.
Afastamento das questões preliminares
O relator iniciou seu pronunciamento afastando todas as questões preliminares levantadas pelas defesas dos oito réus. Moraes fundamentou que as defesas tiveram acesso amplo ao material probatório desde o início do processo, garantindo-se o contraditório e a ampla defesa.
O ministro confirmou a competência do STF para julgamento de todos os crimes conexos, explicando como opera a regra da conexão quando envolvidas autoridades com foro por prerrogativa de função. Moraes esclareceu que a conexão se estende a todas as condutas praticadas no contexto da mesma organização criminosa.
A posição sobre a colaboração premiada de Mauro Cid
Moraes manteve a validade da colaboração premiada de Mauro Cid, fundamentando que a própria defesa do colaborador havia reconhecido a voluntariedade da delação. O relator foi incisivo com advogados que questionaram a validade da colaboração, afirmando que tal argumentação “beirava a má-fé”.
Embora o Procurador-Geral Paulo Gonet tenha reduzido os benefícios do colaborador para apenas um terço da pena, Moraes referendou esta modulação como adequada às circunstâncias do caso.
A tese central: “não há dúvidas que houve tentativa de golpe”
O núcleo argumentativo do voto baseou-se na afirmação de Moraes de que “não há dúvidas que houve tentativa de golpe” no Brasil. O ministro esclareceu que o julgamento não discutia a existência da tentativa golpista, mas sim a autoria e participação específica de cada réu.
Moraes explicou que a realidade da tentativa golpista já havia sido reconhecida pelo Plenário do STF e confirmada por mais de 500 acordos de não persecução penal relacionados aos eventos investigados.
A identificação da organização criminosa
O relator identificou organização criminosa estruturada entre julho de 2021 e janeiro de 2023, apontando Jair Bolsonaro como líder da organização. Moraes argumentou que a posição presidencial foi instrumentalizada para conferir legitimidade às ações do grupo.
Para o ministro, o objetivo da organização era impedir o pleno exercício dos Poderes Constituídos, especialmente o STF e TSE. Moraes afirmou que o sistema eleitoral brasileiro era considerado pelo grupo como “inimigo a ser extirpado”.
Os 13 atos demonstrativos segundo Moraes
O relator apresentou cronologia com 13 atos específicos que, em sua interpretação, evidenciaram a atuação coordenada do grupo criminoso entre junho de 2021 e 8 de janeiro de 2023.
Moraes destacou que a estratégia inicial envolveu as transmissões presidenciais ao vivo, que segundo o relator, contavam com robôs para amplificar desinformações. O ministro interpretou estas lives como estratégia coordenada para descredibilizar o sistema eleitoral e “instigar movimentos de ódio contra o STF”.
A instrumentalização da ABIN e do GSI recebeu atenção especial. Moraes demonstrou como, em sua visão, a organização passou a utilizar estes órgãos para “estruturar, criar e divulgar narrativa mentirosa” contra a Justiça Eleitoral.
O relator identificou o desenvolvimento da “ABIN Paralela”, interpretando como “sistema de monitoramento e perseguição” de adversários políticos, demonstrando desvio de estruturas estatais para fins criminosos.
A análise das provas documentais por Moraes
As anotações de Augusto Heleno

Moraes considerou “não normal” que o general Augusto Heleno possuísse agenda com anotações golpistas. O relator rejeitou a tese defensiva de “suporte da memória”, argumentando ser “não razoável” que autoridade de tal envergadura preparasse atos antidemocráticos.
Para Moraes, as anotações demonstravam preparação para “deslegitimar as eleições, deslegitimar o Poder Judiciário e se perpetuar no poder”.
As anotações de Alexandre Ramagem
O relator foi irônico ao analisar as anotações de Alexandre Ramagem, rejeitando a alegação defensiva de “diário pessoal”. Moraes satirizou: “O meu querido diário”, argumentando que todas as anotações estavam “direcionadas ao presidente”.
Os atos específicos atribuídos a Bolsonaro por Moraes
Ameaças ao Poder Judiciário
Moraes dedicou atenção especial às ameaças proferidas por Bolsonaro contra o Judiciário. O relator destacou a manifestação de 7 de setembro de 2021, quando o ex-presidente declarou que não cumpriria decisões do magistrado e que este deveria “se enquadrar ou pedir para sair”.
O ministro enfatizou o “ultimato” ao STF de agosto de 2021, interpretando como tentativa de “instigar milhões de pessoas contra o Judiciário”. Moraes citou a frase: “Quero dizer aos canalhas que eu nunca serei preso. Só saio preso morto ou com a vitória”.
Reuniões com comandantes das Forças Armadas
Para Moraes, as reuniões de Bolsonaro com comandantes militares representaram elemento central da acusação. O relator afirmou não haver dúvidas de que o ex-presidente “discutiu quebra constitucional” nestas reuniões.
O ministro interpretou a apresentação da “minuta do decreto golpista” aos comandantes como busca de apoio militar para implementação do golpe, configurando atos executórios dos crimes imputados.
O plano “Punhal Verde e Amarelo”
Moraes destacou que este documento previa seu assassinato, além de Lula e Geraldo Alckmin. O relator demonstrou que o plano foi impresso no Palácio do Planalto pelo general Mário Fernandes e três cópias foram levadas ao Palácio do Alvorada.
Para o ministro, este elemento evidenciou o conhecimento e anuência de Bolsonaro quanto aos planos extremos da organização.
A reunião ministerial de julho de 2022
Moraes interpretou que a reunião ministerial teve “teor golpista”. O relator argumentou: “essa não foi uma reunião ministerial. Foi na forma, não no conteúdo. Foi uma reunião golpista” para arregimentar apoio ao projeto criminoso.
A reunião com embaixadores
O ministro caracterizou a reunião de Bolsonaro com embaixadores de 18 de julho de 2022 como momento de “entreguismo nacional”, interpretando como parte da estratégia de deslegitimação das instituições.
A subsunção típica segundo Alexandre de Moraes
Organização criminosa armada
Moraes considerou demonstrados todos os elementos típicos. Em sua análise, a associação de oito pessoas manteve-se estruturada durante mais de 18 meses, com divisão de tarefas e finalidade de praticar crimes contra a ordem constitucional.
O relator interpretou que o caráter “armado” restou configurado pela tentativa de envolvimento das Forças Armadas e elaboração de documento prevendo assassinatos. Para Moraes, não se exige emprego efetivo de armas, mas potencial armamentício.
O ministro aplicou as qualificadoras dos parágrafos 2º, 3º e 4º, subsumindo a conduta de Bolsonaro como promotor, líder e agente público da organização.
Abolição violenta do estado democrático de Direito
Moraes enfatizou que este crime não exige consumação, bastando atos executórios inequívocos. O relator identificou tais atos na elaboração da “minuta do golpe”, reuniões com comandantes e articulação de manifestações antidemocráticas.
Para o ministro, o emprego de violência ou grave ameaça manifestou-se através das ameaças ao Judiciário, mobilização de manifestações armadas e instrumentalização de órgãos de segurança.
Golpe de Estado
Moraes interpretou que o elemento “tentar depor” engloba condutas direcionadas à remoção forçada do governo eleito. O relator considerou caracterizado pelas articulações para impedir a posse do governo eleito e discussões sobre alternativas ao resultado eleitoral.
Para o ministro, a violência ou grave ameaça manifestou-se na mobilização de acampamentos antidemocráticos, pressão sobre comandantes militares e planejamento de assassinatos políticos.
Dano qualificado
Moraes aplicou as qualificadoras dos incisos I, III e IV do artigo 163 do Código Penal. O relator interpretou que os eventos de 8 de janeiro configuraram dano com violência contra pessoas, dano ao patrimônio público federal e prejuízo considerável à Union.
Deterioração de patrimônio tombado
O ministro aplicou o crime ambiental pelos danos aos prédios dos Três Poderes. Moraes estabeleceu a conexão dos réus através da liderança da organização que coordenou os atos culminando na invasão dos prédios públicos.
A decisão condenatória final de Moraes
O concurso de crimes
O relator concluiu que todos os réus praticaram as infrações “em concurso de agentes, em concurso material”. Moraes explicou que o concurso material é adequado porque os crimes protegem bens jurídicos diversos.
A desnecessidade de consumação
O ministro foi categórico: todos os atos executórios “consumaram os crimes de abolição do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado”. Moraes esclareceu: “Não consumaram o golpe, mas não há necessidade de consumação do golpe”.
Os réus condenados por Moraes
O relator votou pela condenação de todos os oito réus do núcleo principal:
⚪ Jair Bolsonaro pelos cinco crimes: organização criminosa armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.
🟡 Alexandre Ramagem por três crimes (considerando a suspensão parlamentar): abolição do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa armada.
🟠 Almir Garnier, Anderson Torres, Augusto Heleno, Mauro Cid, Paulo Sérgio Nogueira e Walter Braga Netto pelos cinco crimes denunciados.
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