Morador de rua continua preso por tentativa de golpe em atos antidemocráticos de 08/01

Morador de rua continua preso por tentativa de golpe em atos antidemocráticos de 08/01

Morador de rua segue preso acusado de tentativa de golpe; entenda os desdobramentos do caso, a ausência de provas concretas e as implicações jurídicas.

* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.

morador de rua

Entenda o que aconteceu morador de rua

Jeferson Franca da Costa Figueiredo, morador de rua e andarilho, está preso preventivamente há mais de um ano após ser acusado de ter participado dos atos antidemocráticos do 8 de Janeiro.

Jeferson foi preso preventivamente após ter ido ao QG do Exército em busca de abrigo e comida.

Em depoimento, o morador de rua contou ter ido ao local na noite anterior à procura de abrigo e comida, após ter sido proibido de ficar em um shopping popular. 

Ele havia chegado a Brasília naquele domingo (8/1), de carona em um caminhão, e não tinha onde dormir, de acordo com a Defensoria Pública da União, que faz a defesa do denunciado.

Importante ressaltar que 09 dias após a prisão, em 18 de janeiro, ele foi solto, mas retornou à prisão em dezembro após descumprir medidas cautelares impostas pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.

Pelo que tudo indica, não há provas concretas que liguem o andarilho às manifestações que depredaram os prédios públicos na Esplanada dos Ministérios e tentaram dar um golpe de estado, mas mesmo assim ele foi denunciado pela Procuradoria-Geral da República, em abril de 2023, pelos crimes de associação criminosa e incitação ao crime.

Associação criminosa (artigo 288)

Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes:     

Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.

Incitação ao crime (artigo 286)

Incitar, publicamente, a prática de crime:

Pena – detenção, de três a seis meses, ou multa.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem incita, publicamente, animosidade entre as Forças Armadas, ou delas contra os poderes constitucionais, as instituições civis ou a sociedade.

Mas recentemente o Procurador-Geral da República, Paulo Gonet, mudou de opinião, e se manifestou pela revogação da prisão preventiva do morador de rua.

E isso porque ficou comprovado que o denunciado, desde a adolescência, encontra-se em situação de rua e em posição de vulnerabilidade econômica, não havendo qualquer indício de que Jeferson tenha ligação com grupos ou ideologias golpistas.

O Procurador-Geral da República, Paulo Gonet, asseverou:

“Não obstante à natureza multitudinária das infrações penais imputadas, o motivo preponderante do réu de comparecer ao acampamento para se alimentar, reforçado por seu contexto de vulnerabilidade social e pela inexistência de provas em contrário, impede a configuração do concurso de pessoas”

Ou seja, o único fato que fundamentou a prisão do morador de rua foi sua permanência momentânea no acampamento.

E concluiu Gonet:

“As circunstâncias delineadas não comprovaram, para além da dúvida razoável, que o denunciado tenha se aliado subjetivamente à multidão criminosa e somado seus esforços aos dos demais sujeitos, com a finalidade de consumar as figuras típicas imputadas e, efetivamente, concorrer para sua prática”

Jeferson relatou que é morador de rua, e explicou que retirou a tornozeleira eletrônica porque tinha dificuldade de obter trabalho, bem como de carregar o equipamento.

Casos Semelhantes

O caso de Jeferson não é o primeiro. Pelo menos outros três moradores de rua foram presos pelo ataque de 8 de janeiro, e já foram soltos.

São eles: Wagner de Oliveira, Geraldo Filipe da Silva e Vitor Manoel de Jesus.

Em todos esses casos, o ministro Alexandre de Moraes destacou que inexiste qualquer elemento probatório que possa sem dúvida razoável comprovar o elemento subjetivo do tipo dolo para a prática dos crimes imputados pela Procuradoria, não havendo provas de que os moradores de rua tenham integrado a associação criminosa, contribuindo para a execução ou incitação dos crimes e arregimentação de pessoas, mais ainda por sua condição de extrema vulnerabilidade.

Relembre o Caso morador de rua

O ataque do 8 de Janeiro de 2023 foi uma tentativa de golpe de estado, e consequente deposição do governo eleito, através da invasão, vandalismo e depredação da sede dos 3 poderes, a saber: o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal.

Descontente com a vitória do presidente Lula nas eleições de outubro de 2023, o grupo defendia um golpe para que Bolsonaro, derrotado nas urnas, voltasse ao poder.

Participaram do ato criminoso milhares de pessoas convocadas pelas redes sociais e que, em sua grande maioria, chegaram em caravanas financiadas por terceiros, e se juntaram a radicais que estavam acampados em frente ao quartel general do Exército.

O 8 de Janeiro é considerado o maior ataque às instituições da República desde que o Brasil voltou a ser uma democracia.

Os criminosos, ao entrarem na sede dos 3 poderes, destruíram tudo que viram pela frente: obras de arte, móveis, vidros e monumentos. Estima-se um prejuízo em torno de 20 milhões de reais.

O ministro da Justiça do governo Bolsonaro, Anderson Torres, que tinha tomado posse dias antes como secretário de segurança do Distrito Federal, estava na Flórida, nos Estados Unidos.

Os Poderes da República agiram rápido, retirando e prendendo os invasores, visando preservar as instituições e a democracia. O presidente Lula decretou intervenção federal na segurança pública do Distrito Federal.

O ministro Alexandre de Moraes, relator das investigações sobre os atos antidemocráticos, mandou desocupar o acampamento de golpistas e afastou do cargo o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, por conduta dolosamente omissiva.

Ainda hoje muitos estão presos de forma preventiva, a exemplo de Jeferson, o morador de rua aqui descrito, e alguns já foram condenados e estão cumprindo pena.

Crime Multitudinário

O grande desafio no julgamento dos atos praticados no 8 de Janeiro é a individualização da conduta de cada um dos participantes.

Por isso que o conceito do crime multitudinário é peça-chave.

Crime multitudinário é um delito cometido por uma multidão de pessoas que agem de forma conjunta e tumultuada, dificultando a identificação individual dos participantes, não havendo necessidade da descrição minuciosa da conduta de cada acusado

Os golpistas do 8 de Janeiro agiam como uma turba, com o objetivo de criar o ambiente para uma intervenção militar que destituiria o presidente Lula, democraticamente eleito. Trata-se, portanto, de um crime multitudinário.

O subprocurador Carlos Frederico Santos defendeu a tese ao apresentar a denúncia contra os criminosos:

“A influência recíproca entre os agentes integrantes do ato, ainda que não se conheçam, atrai a realização de ações por imitação ou sugestão, em clara demonstração do vínculo subjetivo entre os agentes e adesão ao comportamento praticado”

Os crimes multitudinários mais comuns são linchamentos, invasões de propriedades e brigas em estádios de futebol. Neles, ainda que não haja concordância entre os criminosos, um agente acaba exercendo influência sobre o outro, contribuindo para o resultado criminoso.

Importante ressaltar que o código penal trata como atenuante o fato do agente ter cometido o crime sob a influência de multidão em tumulto, se não o provocou (artigo 65, III, e).

Conclusão

Da mesma forma que os criminosos que depredaram a sede dos 3 Poderes e tentaram dar um golpe de estado devem ser punidos de forma implacável, aqueles que não concorreram para o ato, e que estavam no local por questões as mais diversas, como no caso do morador de rua Jeferson, devem ser libertados e absolvidos, evitando assim o cometimento de uma injustiça.

Tema muito propício para ser cobrado em provas de direito penal e direito constitucional. Portanto, muita atenção!

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