A justiça federal de São Paulo condenou o réu Bruno Aiub (Monark) pela prática do crime previsto no artigo 140, c/c artigo 141, II e §2º, do Código Penal (CP) por duas vezes, na forma do art. 71, do CP, contra a vítima Flávio Dino, a uma pena de 1 ano, 1 mês e 11 dias de detenção em regime inicial semiaberto.
Vamos aos pontos interessantes da decisão proferida!
Calúnia e injúria
Foram atribuídos ao querelado (Monark) fatos que, segundo entendimento do querelante (Flávio Dino), se subsumiam ao crimes de calúnia e injúria, que se processam, em regra, mediante ação penal privada (art. 145, do CP).
Admite-se a chamada legitimação concorrente pelo fato de que a vítima já era, à época dos fatos, servidor público (Ministro da Justiça). Além disso, as ofensas propaladas se ligavam, em parte, ao exercício de suas funções, atraindo a incidência do verbete sumular 714, do STF:
É concorrente a legitimidade do ofendido, mediante queixa, e do Ministério Público, condicionada à representação do ofendido, para a ação penal por crime contra a honra de servidor público em razão do exercício de suas funções.
Assim, correta a escolha do Ministro da via da ação penal privada, mediante oferecimento de queixa-crime, que é a petição inicial na ação penal privada. Aliás, para não se confundirem mais: querelante é o autor, querelado é o réu, e queixa-crime é o correlato da denúncia.
Embora não tenhamos tido acesso à queixa-crime, da leitura da sentença é possível extrair o teor das ofensas.
Teor das ofensas
A primeira delas teria ocorrido durante a transmissão de um programa de podcast, em que o querelado teria afirmado, na essência, que
"o cara está pegando crimes que aconteceram em escolas, envolvendo crianças, e tá usando a morte dessas crianças para justificar tirar a liberdade da população"; "é um ato político para justificar a retirada das liberdades da população"; "isso é maracutaia política que ele tá fazendo"; "eles estão fazendo censura à revelia da lei, fora da lei"; além de referências a "autoritarismo" da parte. (trecho da sentença)
Interessante anotar que, em relação a essa imputação a magistrada afirmou que não houve a atribuição de um fato específico à vítima, o que constitui elementar do tipo previsto no art. 139, do CP (Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime), o qual protege o bem jurídico honra, no aspecto objetivo.
Desta forma, embora as expressões sejam contumeliosas, as afirmações são genéricas e de cunho abstrato, sem “[…] indicação de fatos ou eventos definidos por tempo, lugar ou forma de execução” (trecho da sentença). Houve, em verdade, a atribuição da pecha de pessoa autoritária, inescrupulosa e indecorosa ao Ministro, de forma inflamada e sensacionalista.
Por essa razão, a magistrada aplicou a regra da emendatio libelli (art. 383, do CPP) e adequou a tipificação legal inicialmente indicada pelo querelante (calúnia) ao crime de injúria, previsto no art. 141, do CP, condenando-o por tal infração.
Do ponto de vista procedimental, correta a postura da magistrada, que pode proceder a essa correção de ofício, dispensando a instauração de prévio contraditório.
A queixa-crime também atribuiu ao querelado crime de injúria, por se referir ao então Ministro da Justiça, também em programa de podcast, como “perverso”, “malicioso”, “maldito” etc., num primeiro momento, e como “fraude”, “esse merda”, “gordola”, “bosta”, “filho da puta” etc., num segundo momento.
A juíza destacou que durante a audiência o ofendido expressou indignação e abalo psicológico em razão das ofensas. Ela destacou que ele inclusive se manifestou sobre o ocorrido em suas redes sociais, provocando nova manifestação do querelado que afirmou “ficou puto porque eu chamei ele de gordola” além de outros impropérios, o que caracteriza inequivocamente o dolo.
Liberdade de expressão
Nesse contexto uma reflexão se propõe: seria a liberdade de expressão, invocada pela defesa, um direito absoluto? Parece-nos que não.
Num ambiente democrático e civilizado é necessário que tenhamos o máximo de cuidado com o próximo, de modo que se a minha fala interfere na esfera jurídica alheia, desbordando os limites éticos e jurídicos, a ação passa a ser criminosa e deve ser protegida pela ordem jurídica.
A propósito, a liberdade de expressão há de ser compatibilizada com a proteção da honra e da dignidade, conforme art. 11, da Convenção Americana de Direitos Humanos.
Essa foi a linha de raciocínio adotada pela magistrada para afirmar a responsabilidade penal do querelado.
Na dosimetria da pena, duas observações importantes. A magistrada considerou, como causas de aumento da pena, o fato de os crimes terem sido cometidos contra funcionário público, em razão de suas funções (aumento de um terço), e cometidos pela redes sociais da rede mundial de computadores (aplica-se o triplo da pena).
O quantitativo de pena final ficou em 1 ano, 1 mês e 11 dias de detenção, por conta da aplicação da regra do art. 71, do CP (a juíza reconheceu a continuidade delitiva). Ainda, em decorrência da elevada culpabilidade do agente, ela fixou o regime inicial de cumprimento da pena, e afirmou incabível a substituição da pena corporal pela pena restritiva de direitos, bem assim da concessão de suspensão da pena.
Por fim, e não menos importante, fixou o valor de R$ 50.000 a título de dano moral à vítima, providência que vem alinhada ao contido no art. 387, IV, do CPP.
E por que o feito tramitou na justiça federal? Por conta do verbete sumular 147, do STJ:
Compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes praticados contra funcionário público federal, quando relacionados com o exercício da função.
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