* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.
Entenda o que aconteceu
O funkeiro Marlon Brandon Coelho, mais conhecido como MC Poze do Rodo, foi preso por apologia ao crime e suposto envolvimento com o Comando Vermelho.
A Polícia Civil investiga shows em áreas controladas pela facção, letras de músicas que exaltam armas e o Comando Vermelho (CV), e possível financiamento do tráfico em seus eventos.
Segundo a investigação, Poze estaria se apresentando exclusivamente em comunidades controladas pelo Comando Vermelho, onde traficantes armados, inclusive com fuzis, fazem a segurança dos eventos e do próprio artista.
Foram apreendidos joias e um carro de luxo, e a polícia investiga se esses bens têm origem ou relação com o Comando Vermelho.
A Polícia Civil aponta que MC Poze do Rodo realizava shows com frequência em áreas dominadas pelo Comando Vermelho, com presença de traficantes armados.
O secretário de Polícia Civil, delegado Felipe Curi, afirmou que MC Poze atua como uma espécie de embaixador cultural da facção. Além disso, ele classificou as músicas como uma “narcocultura do Comando Vermelho travestida de arte“.
Narcocultura -> O conjunto de manifestações culturais que exaltam ou naturalizam o universo do tráfico de drogas, das armas e do crime organizado, podendo se manifestar na letra de músicas, na linguagem, na moda.
Habeas corpus
MC Poze está sendo investigado por apologia ao crime e lavagem de dinheiro para o tráfico de drogas.
Durante a triagem no sistema prisional, o funkeiro declarou ter vínculo com o Comando Vermelho. No entanto, sua defesa nega qualquer ligação atual com a facção e alega que a prisão foi abusiva e espetacularizada.
Também foi apontado, como fundamento do habeas corpus, o uso de algemas durante a detenção, mesmo diante da ausência de resistência do funkeiro. Isso contraria a súmula vinculante 11 do STF, que limita o uso de algemas a situações de resistência ou risco à segurança.
Para a defesa, o uso indevido das algemas, nesse contexto, não foi um instrumento de contenção, mas sim de humilhação e violação dos direitos fundamentais.
Passados cinco dias, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro concedeu Habeas Corpus e determinou a soltura do cantor, com medidas cautelares.
As medidas cautelares impostas foram as seguintes:
- Comparecimento mensal em juízo até o dia 10 de cada mês para informar e justificar suas atividades;
- Não se ausentar da Comarca enquanto perdurar a análise do mérito deste habeas corpus;
- Permanecer à disposição da Justiça informando telefone para contato imediato caso seja necessário;
- Proibição de mudar-se de endereço sem comunicar ao Juízo;
- Proibição de comunicar-se com pessoas investigadas pelos fatos envolvidos neste inquérito, testemunhas, bem como pessoas ligadas à facção criminosa Comando Vermelho;
- Obrigação de entregar o passaporte à Secretaria do Juízo originário.
O desembargador Peterson Barroso, do TJRJ, ressaltou que o fundamento da prisão é unicamente baseado nas letras das músicas do cantor de funk, partindo do ponto de que não há presença de evidências sólidas de que ele traficava.
Segundo o desembargador, “o alvo da prisão não deve ser o mais fraco – o paciente, e sim os comandantes de facção temerosa, abusada e violenta, que corrompe, mata, rouba, pratica o tráfico, além de outros tipos penais em prejuízo das pessoas e da sociedade”.
Perseguição cultural
A defesa do funkeiro aponta perseguição cultural, e que a ligação do cantor com integrantes da facção criminosa partiu de uma presunção de seu perfil, um jovem negro e periférico.
A defesa então concluiu:
“A insuficiência de fundamentação do decreto prisional baseado em elementos concretos em conjunto com o não preenchimento dos requisitos, revelam não apenas a ilegalidade formal do ato coator, mas também sua completa inadequação material, demonstrando que a prisão temporária foi utilizada de forma indevida como instrumento de contenção social ou espetáculo midiático, distanciando-se radicalmente de sua natureza cautelar e processual, devendo ser imediatamente relaxada”.

A perseguição cultural pode gerar:
- Perda da diversidade cultural;
- Desestabilização social;
- Ameaça à liberdade de expressão;
- Insegurança.
Ademais, o advogado criminalista Sergio Figueiredo apontou que “a prisão de MC Poze sob a acusação de apologia ao crime e possível associação ao tráfico expõe, mais uma vez, a instrumentalização do processo penal como meio de resposta simbólica, e não jurídica, a questões complexas de segurança pública“.
É fundamental que tanto a comunidade internacional quanto os governos nacionais tomem medidas para combater a perseguição cultural, garantindo a liberdade de expressão, a liberdade religiosa, a igualdade de direitos e a proteção do patrimônio cultural.
A perseguição cultural é um problema grave e que tem consequências devastadoras para a sociedade e para os indivíduos.
O conteúdo das letras de MC Poze ultrapassa os limites da liberdade de expressão, configurando crimes graves, como incitação ao tráfico, exaltação ao uso ilegal de armas e incentivo a confrontos entre grupos criminosos rivais, ou, ao contrário, apenas relatam a realidade das favelas? Esse é o ponto de reflexão!
Liberdade de expressão
O Código Penal prevê, em seu art. 287, o crime de “Apologia de crime ou criminoso”, considerado um crime de ameaça à ordem e à paz pública.
Referido tipo penal se caracteriza como crime de perigo abstrato, ou seja, não é necessário que haja uma lesão concreta para a sua configuração. Além disso, não há necessidade de que o autor tenha a intenção de cometer o crime.
CP
Art. 287 - Fazer, publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime:
Pena - detenção, de três a seis meses, ou multa.
O cerne da questão, portanto, é o conflito entre a segurança pública, os princípios da legalidade, da moralidade, de um lado, e a liberdade de expressão e a diversidade cultural, de outro.
Não existem direitos absolutos. Todos os interesses, direitos e liberdades devem observar certas balizas instituídas pelo próprio ordenamento jurídico. A liberdade de expressão, integrante das liberdades públicas, é cláusula pétrea, mas não pode ser exercida de maneira a ofender a dignidade humana de outrem ou de grupos vulneráveis.
Dino ressaltou, no Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1.513.428, que o Supremo tem entendimento consolidado de que o direito à liberdade de expressão e de livre manifestação do pensamento não são absolutos, cabendo intervenção da Justiça em situações de evidente abuso.
Projeto Anti-Oruam
Tramita, na Câmara dos Deputados, um projeto de lei de autoria do deputado Kim Kataguiri que proíbe apologia ao crime organizado e ao consumo de drogas em shows e eventos contratados pelo Governo Federal.
A proposta do deputado Kim ficou conhecida como “projeto Anti-Oruam”, depois da vereadora paulistana Amanda Vettorazzo apresentar um projeto similar na Câmara Municipal de São Paulo, e divulgar a proposta nas redes sociais, usando o cantor como exemplo.
Oruam (Mauro Davi dos Santos Nepomuceno) é um rapper, filho do traficante Marcinho VP, preso pelo cometimento de crimes como homicídio qualificado, formação de quadrilha e tráfico de drogas.
Apontado como líder da facção criminosa Comando Vermelho, Marcinho VP é também acusado pelo Ministério Público pelos crimes de associação criminosa e lavagem de dinheiro.
Mas em que consiste, de fato, esse projeto de lei federal?
O projeto altera a Lei de Licitações para incluir trecho que torna proibida a “expressão, veiculação ou disseminação, no decorrer da apresentação contratada, de apologia ou incentivo ao consumo de drogas, ao crime organizado ou à prática de condutas criminosas” na contratação de shows, artistas ou eventos pelo governo.
Em caso de descumprimento, o projeto estabelece multa de, no mínimo, 100% do valor do contrato e declaração de inidoneidade para licitar ou contratar.
Para o deputado, a contratação de artistas que fazem apologia a práticas ilícitas acaba por violar os princípios constitucionais da moralidade e da legalidade, além de configurar desvio de finalidade e mau uso de recursos públicos.
Ótimo tema para provas de direito constitucional, direito administrativo e direito penal.
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