Massacre de Novo Hamburgo: atirador, portador de esquizofrenia, mata familiares e espalha terror em cidade gaúcha
Montagem: X/@horadafofocatv/@AtualizeiM95754

Massacre de Novo Hamburgo: atirador, portador de esquizofrenia, mata familiares e espalha terror em cidade gaúcha

* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.

Uma tragédia se abateu sobre o país e chocou a população: um atirador (Edson Fernando Crippa, de 45 anos), portador de esquizofrenia, matou o pai, o irmão e um policial militar, além de ferir mais 9 pessoas, dentre elas sete agentes de segurança, a mãe e a cunhada.

A ação durou quase 10 horas, e espalhou terror na cidade gaúcha de Novo Hamburgo, acabando com a morte do atirador.

O homem efetuou mais de 100 disparos e abateu 2 drones da Brigada Militar, e acabou morto com um tiro na cabeça. Dentro do imóvel, os policiais encontraram farta munição: duas pistolas, uma calibre 9 mm e uma calibre.380, e mais duas carabinas.

Segundo as investigações preliminares, Edson pertencia ao grupo de Colecionador, Atirador Desportivo e Caçador (CAC), com três registros para posse de armas, na Polícia Federal e no Exército. Ademais, todas as armas estavam registradas e em acordo com a legislação.

Mas um detalhe chama a atenção: o atirador, que era CAC, e detinha posse de arma, era portador de esquizofrenia, e já tinha sido internado em diversas instituições psiquiátricas.

Repercussão

Em postagem nas redes sociais, o presidente Lula lamentou o episódio e criticou o que chamou de “distribuição indiscriminada de armamentos” no país.

“Isso não pode ser normalizado: a distribuição indiscriminada de armamentos na sociedade, com grande parte deles caindo nas mãos do crime, é inaceitável. Estendo minha solidariedade aos familiares das vítimas, incluindo a do policial militar Everton Kirsch Júnior, e a toda a comunidade afetada”.

O presidente Lula, desde a campanha eleitoral de 2022, critica a política do governo anterior (Jair Bolsonaro), que facilitou o acesso da população às armas e munições.

O presidente publicou um decreto em 2023 que, entre outros pontos, reduziu a quantidade de armas e munições que podem ser acessadas por civis para defesa pessoal, medida que foi criticada por representantes dos CAC’s.

Além disso, a Lei Federal n.º 10.826/2003, também conhecida como Estatuto do Desarmamento, regulamenta o porte e a posse de armas de fogo.

Então, de forma simples, podemos distinguir porte de posse da seguinte forma:

Posse de arma dá o direito de o indivíduo possuir, ter propriedade de uma arma de fogo, em sua residência ou local de trabalho, se cumprir os requisitos legais para possuir uma arma. Já o porte de arma dá o direito de o indivíduo de carregar a arma consigo, seja em locais públicos ou privados, caso possua autorização para tanto.

E CAC? Você sabe o que significa?

CAC é a sigla para Colecionador, Atirador e Caçador, usado para nomear pessoas que possuam a autorização legal de realizarem atividades relacionadas ao manuseio e à posse de armas de fogo. Temos, portanto:

Colecionador -> É o indivíduo autorizado a colecionar armas de fogo antigas, históricas ou de interesse especial;

Atirador desportivo -> É o indivíduo autorizado a praticar tiro esportivo de forma regular e legalizada em clubes de tiro cadastrados e autorizados pelos órgãos competentes;

Caçador -> É o indivíduo autorizado a praticar atividades de caça legalizada, seguindo normas específicas e respeitando as leis ambientais e de proteção à fauna.

Um dos requisitos para um CAC obter a posse de uma arma de fogo é o laudo de aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo, fornecido por psicólogo credenciado pela Polícia Federal.

Estatuto do Desarmamento

Art. 4º Para adquirir arma de fogo de uso permitido o interessado deverá, além de declarar a efetiva necessidade, atender aos seguintes requisitos:

I - comprovação de idoneidade, com a apresentação de certidões negativas de antecedentes criminais fornecidas pela Justiça Federal, Estadual, Militar e Eleitoral e de não estar respondendo a inquérito policial ou a processo criminal, que poderão ser fornecidas por meios eletrônicos;        

II – apresentação de documento comprobatório de ocupação lícita e de residência certa;

III – comprovação de capacidade técnica e de aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo, atestadas na forma disposta no regulamento desta Lei.

Decreto nº 11.615/2023

Art. 15.  A aquisição de arma de fogo de uso permitido dependerá de autorização prévia da Polícia Federal e o interessado deverá:

I - ter, no mínimo, vinte e cinco anos de idade;

II - apresentar documentação de identificação pessoal;

III - comprovar a efetiva necessidade da posse ou do porte de arma de fogo;

IV - comprovar idoneidade e inexistência de inquérito policial ou processo criminal, por meio de certidões de antecedentes criminais das Justiças Federal, Estadual ou Distrital, Militar e Eleitoral;

V - apresentar documento comprobatório de ocupação lícita e de residência certa;

VI - comprovar capacidade técnica para o manuseio de arma de fogo, na forma prevista no § 5º;

VII - comprovar aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo, atestada em laudo conclusivo fornecido por psicólogo do quadro da Polícia Federal ou por esta credenciado; e

VIII - apresentar declaração de que a sua residência possui cofre ou lugar seguro, com tranca, para armazenamento das armas de fogo desmuniciadas de que seja proprietário, e de que adotará as medidas necessárias para impedir que menor de dezoito anos de idade ou pessoa civilmente incapaz se apodere de arma de fogo sob sua posse ou de sua propriedade, observado o disposto no art. 13 da Lei nº 10.826, de 2003.

Compete ao Sistema Nacional de Armas – SINARM, instituído no Ministério da Justiça, no âmbito da Polícia Federal, cadastrar os armeiros em atividade no País, bem como conceder licença para exercer a atividade (artigo 2º, do Estatuto do Desarmamento).

O CRAF é o Certificado de Registro de Arma de Fogo, documento essencial para a posse legal de uma arma no Brasil.

O CRAF terá o seguinte prazo de validade (artigo 24, do Decreto nº 11.615/2023):

I - três anos para CRAF concedido a colecionador, atirador desportivo ou caçador excepcional;

II - cinco anos para CRAF concedido para fins de posse de arma de fogo ou de caça de subsistência;

III - cinco anos para CRAF concedido a empresa de segurança privada; e

IV - prazo indeterminado para o CRAF dos integrantes da ativa das instituições de segurança pública.

E para fins de manutenção do CRAF, a avaliação psicológica para o manuseio de arma de fogo deverá ser realizada a cada três anos.

Podemos perceber, a princípio, que houve uma falha grave na concessão da posse de arma ao atirador de Novo Hamburgo. Isso porque, o mesmo, ao que parece, não possuía a mínima condição psicológica de ter uma arma de fogo sob sua guarda.

CAC

A certeza da aptidão psicológica para o porte e posse de arma de fogo é fundamental para garantir a segurança não só daquele que está portando ou possuindo a arma, mas de todos ao seu redor. Tragédias como a de Novo Hamburgo poderiam ser evitadas se houvesse uma fiscalização mais rígida acerca desse requisito.

Assim, como bem pontuado em trabalho científico[1]:

O porte de armas é algo considerado de grande relevância e com isso, para que uma pessoa possa ter, precisa estar apta. A testagem psicológica entra com fundamentos teóricos e práticos nesse ponto, onde o mesmo irá avaliar requisitos psicológicos necessários para este porte de armas. O teste psicológico é capaz de emitir uma resposta e estabelecer um equilíbrio de aptidão e inaptidão, isso, pois, armas de fogo em mãos de pessoas inaptas pode ocasionar problemas como assassinatos, suicídios, homicídios, etc.

De forma geral, para a aptidão ao manuseio de porte de armas os aspectos psicológicos necessários são controle e estabilidade emocional, adaptação, decisão, flexibilidade, segurança, prudência, maturidade. Assim, sem essa avaliação criteriosa, o risco de uma tragédia é elevado.

Que o terrível caso de Novo Hamburgo sirva de lição, mesmo que dura, para que a fiscalização acerca da aptidão psicológica daqueles que detém o porte ou a posse de arma de fogo seja dura, impessoal e eficaz.


[1] MAZETI, A. M. dos S. et al. A Importância da Avaliação Psicológica para o Porte de Armas. 2020. Disponível em: <https://www.fef.br/upload_arquivos/geral/arq_63ff13f63d3a4.pdf>.


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