Em fevereiro de 2023, o prefeito de Sorocaba, Rodrigo Manga, sancionou a lei que vetava a realização da Marcha da Maconha na cidade. Conhecido por publicar vídeos em tom descontraído nas redes sociais, o prefeito se posicionou contra o evento em diversas oportunidades.
MARCHA PARA MACONHA AQUI NA CIDADE DE SOROCABA NÃO!
A ação foi proposta pela PGR, que argumenta que a lei municipal viola os direitos fundamentais à liberdade de expressão e de reunião. Segundo a PGR, o dispositivo municipal inviabiliza, na prática, qualquer debate público sobre a descriminalização das drogas, em desacordo com a Constituição.
O prefeito defendeu a validade da norma, alegando que a lei busca proteger a saúde pública, especialmente de crianças e adolescentes, contra a apologia ao uso de drogas.
Desse modo, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 1103 representa marco definitivo na delimitação dos contornos constitucionais entre o poder de polícia municipal e os direitos fundamentais de liberdade de expressão e reunião.
Como estão os votos até agora?
A lei de Sorocaba que proíbe a Marcha da Maconha é constitucional?

Fundamentação constitucional do voto condutor
De início, o Min. relator Gilmar Mendes construiu argumentação sólida fundamentada na jurisprudência consolidada do STF, particularmente nos precedentes da ADPF 187 e ADI 4274.
Isto porque, sua análise parte da premissa de que a Lei 12.719/2023 de Sorocaba extrapola os limites constitucionais do poder de polícia municipal ao estabelecer proibição absoluta de manifestações que abordem a descriminalização de substâncias psicoativas.
A fundamentação do relator ancora-se no princípio da proporcionalidade, demonstrando que a norma municipal não observa adequadamente a relação meio-fim exigida constitucionalmente.
Dessa maneira, enquanto manifestações pacíficas pela mudança legislativa inserem-se no âmbito de proteção dos direitos fundamentais, a vedação total e indiscriminada revelou-se medida desproporcional aos objetivos alegadamente perseguidos pelo município.
Inclusive, um elemento central da argumentação sobre a Marcha da Maconha reside na distinção conceitual entre apologia ao crime e manifestação política legítima.
O relator, ministro Gilmar Mendes, lembrou que o STF firmou entendimento no sentido de que manifestações públicas pela legalização das drogas estão protegidas pelas garantias constitucionais da liberdade de expressão e de reunião.
Para o relator, a norma municipal “procedeu à verdadeira proibição de tais expressões do pensamento”. S.Exa. considerou que o diploma “não se coaduna com a compreensão desta Corte a respeito do tema”.
Segundo o ministro, “a Lei municipal 12.719/2023 mostra-se inconstitucional, na medida em que viola os direitos à liberdade de expressão e de reunião, além de transgredir frontalmente a jurisprudência que se sedimentou no âmbito deste Supremo Tribunal Federal”.
Ao concluir seu voto, Gilmar Mendes propôs que seja declarada a inconstitucionalidade da lei municipal, por entender que ela representa uma restrição desproporcional e ilegítima aos direitos fundamentais garantidos pela Constituição.
A divergência do ministro Zanin
Por outro lado, o voto divergente do ministro Cristiano Zanin apresenta construção dogmática interessante ao defender a constitucionalidade da lei municipal com base na proteção da saúde pública, especialmente de crianças e adolescentes.
Isto porque, sua argumentação sustenta-se no argumento de que a norma municipal proíbe especificamente a “apologia à posse de entorpecentes ilícitos para consumo” e não a manifestação política em favor de alterações na política de drogas.
Dessa maneira, Zanin fundamenta sua posição na competência municipal suplementar prevista no artigo 30, inciso II, da Constituição Federal, combinada com a competência concorrente para proteção da saúde estabelecida no artigo 24, inciso XII.
Além disso, segundo sua interpretação, a lei municipal encontraria respaldo na proteção legítima da saúde, sobretudo considerando o disposto no artigo 227 da Constituição Federal sobre proteção absoluta de crianças e adolescentes.
Assim, o ministro divergente propõe interpretação conforme à Constituição que mantivesse a higidez do texto legal, excluindo apenas as condutas destinadas exclusivamente à manifestação favorável à descriminalização das drogas.
O ministro Cristiano Zanin abriu divergência. Para ele, “não há […] incompatibilidade prima facie entre a Lei municipal ora impugnada e a Constituição, tendo em vista a sua ratio de proteção legítima da saúde, sobretudo de crianças e adolescentes”.
Segundo Zanin, é possível compatibilizar o texto legal com a Constituição, desde que se faça uma distinção entre manifestações políticas legítimas – como aquelas favoráveis à descriminalização das drogas – e eventos que configurem apologia ou exaltação ao uso de entorpecentes.
"É possível manter a higidez do texto legal impugnado, apenas compatibilizando-o com o texto constitucional por meio da técnica da interpretação conforme à Constituição."
Assim, votou para julgar parcialmente procedente a ação, permitindo atos públicos que tenham como objetivo a defesa da descriminalização ou a reforma da política de drogas, mas mantendo a vedação a manifestações que façam apologia ao uso de drogas ilícitas.
Posição do Ministro Flávio Dino
Por fim, vale ressaltar que o Min. Flávio Dino apresenta posicionamento intermediário que merece destaque pela preocupação com a proteção específica de menores de idade.
No seu voto acompanha o relator quanto à inconstitucionalidade da proibição geral, mas introduz ressalva importante ao vedar expressamente a participação de crianças e adolescentes em eventos favoráveis a drogas ilícitas, álcool ou tabaco.
Dessa maneira, essa orientação revela aplicação cuidadosa do princípio da proteção integral estabelecido no artigo 227 da Constituição Federal.
Isto porque, Dino consegue harmonizar a liberdade de expressão dos adultos com a proteção constitucional especial dispensada aos menores, demonstrando que direitos fundamentais podem ser exercidos dentro de marcos que preservem outros valores constitucionalmente protegidos.
E você o que acha?
CORRENTE | MINISTROS | POSIÇÃO CENTRAL | FUNDAMENTAÇÃO PRINCIPAL | SOLUÇÃO PROPOSTA |
Corrente Majoritária (Inconstitucionalidade Total) | Gilmar Mendes (Relator), Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Edson Fachin | A Lei 12.719/2023 de Sorocaba é totalmente inconstitucional por violar liberdades fundamentais | Precedentes da ADPF 187 e ADI 4274; princípio da proporcionalidade; distinção entre apologia criminosa e manifestação política legítima | Declaração de inconstitucionalidade integral da lei municipal |
Corrente Divergente (Constitucionalidade com Interpretação Conforme) | Cristiano Zanin | A lei é constitucional pois protege legitimamente a saúde pública, especialmente de crianças e adolescentes | Competência municipal suplementar (art. 30, II, CF); proteção da saúde (art. 24, XII, CF); proteção integral de menores (art. 227, CF) | Interpretação conforme que preserve a proibição de apologia, mas permita manifestações pela descriminalização |
Corrente Intermediária (Inconstitucionalidade com Ressalvas) | Flávio Dino | Acompanha a inconstitucionalidade, mas com proteção específica para menores | Harmonização entre liberdade de expressão e proteção integral de crianças e adolescentes | Declaração de inconstitucionalidade com vedação expressa à participação de menores nas manifestações |
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