Saiba mais sobre o caso do Maníaco do Parque, incluindo avanços no reconhecimento de voz usados na investigação e as implicações da possível soltura prevista para 2028.
O caso do Maníaco do Parque voltou à tona recentemente por conta de um documentário que está em cartaz em plataforma de streaming.
A partir dele conseguimos estudar alguns temas de direito penal e de processo penal bem interessantes para fixar alguns conteúdos.
Assim, como não tivemos acesso aos autos do processo, a nossa análise partirá de informações publicadas no site da Polícia Civil do Estado de São Paulo¹.
Vamos lá.
História e crimes do Maníaco do Parque
Para você que não conhece a história, trata-se de um serial killer que entre os anos de 1997 e 1998 atacou 23 mulheres, assassinando 11 delas.
Ele tinha um modus operandi consistente em abordar mulheres em via pública com falsa promessa de emprego, levá-las para um parque no município de São Paulo (por isso Maníaco do Parque), e violentá-las sexualmente. Em alguns casos ele chegou a matar as vítimas.
Após um trabalho investigativo da polícia, descobriu-se a autoria desses crimes, ao que o Maníaco fugiu, tendo sido capturado alguns dias depois, em 4 de agosto de 1998, no estado do Rio Grande do Sul.
Por isso, ele foi processado e condenado a uma pena total de 285 anos, 11 meses e 10 dias de reclusão.
Reconhecimento de voz e liberdade dos meios de prova
O documentário relata que a identificação da autoria delitiva se deu a partir do reconhecimento de voz feito por uma das vítimas.
Aqui está a primeira curiosidade.
Não se sabe se verdadeiro ou não esse episódio, mas o reconhecimento de voz é uma prova inominada. Ela não encontra previsão no Código de Processo Penal, mas pode ser admitido como fonte de prova, a ser utilizado à semelhança do reconhecimento de pessoas e coisas previsto nos artigos 226 e seguintes do CPP.
Não há objeção à sua utilização, até porque adotamos o princípio da liberdade dos meios de prova (artigo 369, do CPC aplicado analogicamente), com o cuidado de aferir a segurança desse reconhecimento, em decorrência das variáveis que podem dificultar a identificação da voz. E parece recomendável que essa prova venha corroborada por outros elementos de convicção, a fim de sustentar uma tese condenatória.
Coleta de Provas e o Princípio da Não Autoincriminação
No caso concreto, o Maníaco deixou mordidas no corpo de uma das vítimas, vestígio que foi confrontado com a sua arcada dentária, e, além disso, confessou a prática do crime. Ou seja, são dados que se somaram ao reconhecimento para afirmar a tese acusatória.
Ponto interessante é: poderia o Maníaco ser obrigado a fornecer padrão para comparar a sua arcada dentária com marca de mordida deixada?
- A resposta aqui é negativa.
Em virtude do princípio da presunção ou do estado de inocência não se pode compelir alguém a produzir prova contra si mesmo. Dessa forma, o ônus da prova é de quem acusa (artigo 156, do CPP). Ou seja, não se pode exigir do investigado algum comportamento ativo para dele extrair um resultado que lhe seja prejudicial. Mas, se ele espontaneamente concorda com o fornecimento desse padrão, está tudo ok!
Vamos supor agora, que o investigado se recusasse a fornecer o padrão comparativo, mas mordesse uma maçã e descartasse os restos. Poderíamos usar esse elemento como prova?
- A resposta é sim!
Veja como já decidiu o STJ:
RECURSO EM HABEAS CORPUS. OPERAÇÃO LAVANDERIA DOS SONHOS. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. EXPLORAÇÃO DO JOGO DO BICHO. LAVAGEM DE BENS E CAPITAIS. ALEGAÇÃO DE NULIDADE. RECOLHIMENTO DO LIXO SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. ILICITUDE DAS PROVAS. NÃO OCORRÊNCIA. 1. Legítima a prova encontrada no lixo descartado na rua por pessoa apontada como integrante de grupo criminoso sob investigação e recolhido pela polícia sem autorização judicial, sem que isso configure pesca probatória (fishing expedition) ou violação da intimidade. 2. Todo material, seja ele genético ou documental, uma vez descartado pelo investigado, sai de sua posse ou domínio e, portanto, deixa de existir qualquer expectativa de privacidade do investigado ou possibilidade de se invocar o direito a não colaborar com as investigações. 3. A prova cuja legalidade é discutida foi colhida em via pública, mais especificamente na calçada do lado de fora de um dos escritórios utilizados pela organização criminosa que estava sendo investigada, em trabalho de campo que já havia se iniciado, com o mapeamento de estabelecimentos de fachada, identificação de integrantes e conhecimento do modo de agir do grupo. O descarte dos sacos de lixo foi realizado por um investigado, não havendo se cogitar em expectativa de privacidade a respeito do material colhido, dispensando-se autorização judicial para apreensão e análise do seu conteúdo. 4. Recurso improvido. (RHC n. 190.158/MG, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 13/8/2024, DJe de 15/8/2024.)
Contagem da pena e possível soltura em 2028
Além disso, outro ponto que ganhou destaque nos noticiários dos jornais da atualidade foi o fato de que o Maníaco será solto no ano de 2028.
Mas como, se ele foi condenado a mais de 200 anos de pena privativa de liberdade?
Nesse sentido, a resposta nos é dada pelo artigo 75, do CP, que afirmava, à época dos fatos, que o tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não poderia ser superior a 30 anos, para evitar a prisão perpétua.
É bom lembrar que a concessão de benefícios penais leva em consideração a pena imposta e não o limite estabelecido no artigo 75, conforme súmula 715, do STF:
Súmula 715, do STF ²:
A pena unificada para atender ao limite de trinta anos de cumprimento, determinado pelo art. 75 do Código Penal, não é considerada para a concessão de outros benefícios, como o livramento condicional ou regime mais favorável de execução.
Assim, como a sua prisão ocorreu em agosto de 1998, temos aí o termo inicial de contagem do prazo de 30 anos. Lembrando que, embora a sua condenação tenha ocorrido em data posterior, aplica-se aqui a detração:
Art. 42 - Computam-se, na pena privativa de liberdade e na medida de segurança, o tempo de prisão provisória, no Brasil ou no estrangeiro, o de prisão administrativa e o de internação em qualquer dos estabelecimentos referidos no artigo anterior.
Dessa forma, se você abrir o seu Código Penal, verá que o artigo 75 fala no cumprimento de 40 anos de prisão (e não 30 como havíamos falado anteriormente). Sim. O dispositivo foi alterado em 2019, por força da Lei 13.964/19, o Pacote Anticrime, que aumentou de 30 para 40 anos o tempo máximo de cumprimento da pena privativa de liberdade, porém o dispositivo não se aplica ao Maníaco.
Trata-se de lei penal nova mais gravosa (que eleva o quantitativo de pena). Ou seja, significa que ela não retroage para atingir fatos ocorridos antes de sua entrada em vigor, nos termos do artigo 2º, do CP.
Numa próxima oportunidade voltaremos com outros comentários sobre o caso!
Referências: Maníaco do Parque
¹ Notícias – Polícia Civil de São Paulo
² É que, em casos análogos ao em apreço, esta Suprema Corte já teve a oportunidade de assentar que os cálculos para a concessão de outros benefícios a serem realizados durante a execução da pena deverão recair sobre o total da pena aplicada ao condenado e não sobre a pena unificada prevista no art. 75, § 1º do CP. Em outras palavras, o limite de 30 anos previsto no CP apenas se reporta ao tempo máximo de efetivo cumprimento da pena, não podendo servir de cotejo para a aferição de requisitos temporais necessários à obtenção de outros benefícios legais. [HC 98.450, rel. min. Gilmar Mendes, 2ª T, j. 14-6-2010, DJE 154 de 20-8-2010.]
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