Leila Pereira, presidente do Palmeiras, protocolou pedido de prisão preventiva contra seu stalker após o nono descumprimento de medida protetiva. O caso exemplifica perfeitamente a aplicação da legislação brasileira sobre perseguição e as complexidades envolvendo medidas cautelares pessoais, tema cada vez mais presente em concursos públicos e na prática forense.
Professor Gustavo Cordeiro

O caso Leila Pereira
A dirigente palmeirense vem sendo perseguida sistematicamente há meses por um indivíduo que, segundo a petição protocolada em 30 de maio de 2025, teria descumprido medidas protetivas por nove vezes consecutivas. As condutas incluem mensagens perturbadoras onde o stalker atribui diretamente a Leila a responsabilidade pela morte de seu pai, afirmando que ela teria “tirado a vida de um homem de um pai maravilhoso com o seu egoísmo”.
O perseguidor passou a justificar suas ações como “uma forma de justiça pessoal” e chegou a solicitar transferências via PIX, alegando dificuldades para pagar a funerária do pai. Os advogados de Leila caracterizam isso como tentativa de extorsão emocional e financeira, argumentando que “a liberdade dele coloca em risco a integridade psíquica, com potencial de atingir a integridade física” da vítima.
O Ministério Público aceitou inicialmente a denúncia, mas posteriormente solicitou a interdição do perseguidor e exame psicossocial, suspendendo temporariamente o processo. Diante dessa situação e da permanência do stalker em liberdade, Leila recorreu pedindo sua prisão preventiva imediata.
O Crime de Stalking no Direito Brasileiro
O stalking foi tipificado no Brasil pela Lei 14.132/2021, que incluiu o artigo 147-A no Código Penal. O tipo penal define como crime “perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade”.
A pena base é de reclusão de 6 meses a 2 anos, além de multa. O legislador reconheceu que certas circunstâncias tornam o crime mais grave, estabelecendo causas de aumento de pena de metade quando cometido contra criança, adolescente ou idoso; contra mulher por razões de gênero; ou mediante concurso de pessoas ou com emprego de arma.

O crime exige representação da vítima para o início da ação penal, o que demonstra a natureza semi-pública da ação. Importante destacar que as penas do stalking aplicam-se sem prejuízo das correspondentes à violência, permitindo concurso de crimes quando há agressões físicas ou outras violações.
No caso de Leila Pereira, embora não se configure violência doméstica stricto sensu (já que não há relação íntima de afeto ou familiar), as condutas se enquadram perfeitamente no tipo penal do stalking, especialmente considerando a reiteração e a invasão da esfera de privacidade da vítima.
Precedentes Jurisprudenciais
O Superior Tribunal de Justiça tem consolidado importantes entendimentos sobre o crime de stalking, especialmente quanto aos seus elementos típicos e à transição legislativa.
Princípio da Continuidade Normativo-Típica
Em decisão paradigmática, o STJ enfrentou a questão da transição entre a antiga contravenção de perturbação da tranquilidade (art. 65 do Decreto-Lei 3.888/1941) e o novo crime de stalking. No AgRg no HC 680.738/DF (Rel. Min. Ribeiro Dantas, 5ª Turma, j. 28/9/2021, DJe 4/10/2021), a Corte estabeleceu que:
“Incide ao caso o princípio da continuidade normativo-típica, pois, embora a Lei n.14.132/21 tenha revogado o art. 65 do Decreto-Lei n.º 3.888/1941, a conduta que ele reprovava continua punível, pois a própria lei revogadora deslocou tal ação para o tipo penal do art. 147-A do Código Penal, não se cuidando, portanto, de hipótese de abolitio criminis.”
Esta decisão é fundamental porque esclareceu que condutas praticadas antes da Lei 14.132/21 podem ser processadas pelo novo tipo penal do stalking, desde que os fatos tenham ocorrido de forma reiterada. O tribunal ressaltou que a reiteração é elemento essencial, destacando que “tal ato teria ocorrido pelo menos duas vezes, não se tratando de fato isolado”.
Conceituação e Elementos do Tipo Penal
A Sexta Turma do STJ, no AgRg no HC 840.043/SP (Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, j. 27/11/2023, DJe 1/12/2023), ofereceu definição precisa do crime de stalking:
“O delito de perseguição, descrito no art. 147-A do CP, popularmente denominado crime de ‘stalking’ ou de assédio persistente, criminaliza a conduta reiterada e obstinada, a perseguição incessante, ávida e à espreita.”
O mesmo acórdão caracterizou o stalking como tipo penal aberto, observando que a norma “não delimita as ações proscritas. Exige-se, todavia, a habitualidade das condutas”. Esta caracterização é crucial para a prática forense, pois permite a tipificação de diversas condutas persecutórias, desde que demonstrada a reiteração.
Medidas Cautelares Pessoais: Dois Regimes Distintos
O ordenamento jurídico brasileiro prevê dois sistemas distintos de medidas cautelares pessoais para proteger vítimas de crimes dessa natureza, aplicáveis conforme as circunstâncias específicas do caso.
Medidas Protetivas da Lei Maria da Penha
Quando há violência doméstica e familiar contra a mulher, aplicam-se as medidas protetivas previstas na Lei 11.340/2006. O artigo 22 autoriza o juiz a aplicar imediatamente diversas medidas, incluindo a proibição de aproximação da ofendida, de seus familiares e testemunhas, com fixação de limite mínimo de distância; proibição de contato por qualquer meio de comunicação; e proibição de frequência a determinados lugares.
Essas medidas têm natureza sui generis, não se confundindo com as medidas cautelares do processo penal comum. Podem ser aplicadas em qualquer fase do inquérito ou processo, têm eficácia imediata e visam especificamente proteger a mulher em situação de violência doméstica.
Medidas Cautelares do Código de Processo Penal
Para casos que não se enquadram na Lei Maria da Penha, como aparentemente ocorre com Leila Pereira, aplicam-se as medidas cautelares previstas no artigo 319 do CPP. As mais relevantes para casos de stalking são a proibição de acesso a determinados lugares e a proibição de contato com pessoa determinada.
Essas medidas pressupõem investigação ou processo penal em curso e devem ser fundamentadas na necessidade de evitar novos crimes ou garantir a aplicação da lei penal. Diferentemente das medidas da Lei Maria da Penha, têm natureza processual penal típica e seguem o regime geral das cautelares.
Descumprimento de Medidas Cautelares e Prisão Preventiva
O descumprimento de medidas cautelares pessoais pode acarretar a decretação de prisão preventiva do investigado, mas os fundamentos diferem conforme o regime aplicável.
No Âmbito da Lei Maria da Penha
O artigo 20 da Lei 11.340/2006 autoriza a prisão preventiva do agressor em qualquer fase do inquérito ou instrução criminal, podendo ser decretada de ofício pelo juiz, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial. Trata-se de hipótese específica que flexibiliza os requisitos tradicionais da prisão preventiva.
Além disso, a Lei 13.641/2018 criou o crime específico de descumprimento de medida protetiva (artigo 24-A), com pena de reclusão de 2 a 5 anos e multa. Isso significa que o descumprimento não apenas autoriza a prisão preventiva, mas constitui novo crime autônomo.
No Regime Geral do CPP
Para casos sob o regime geral, o parágrafo 1º do artigo 312 do CPP estabelece que
"a prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares".
Esta regra exige que o descumprimento seja efetivamente demonstrado e que se configurem os requisitos gerais da prisão preventiva.
No caso de Leila Pereira, considerando os nove descumprimentos alegados e a continuidade das condutas persecutórias, evidencia-se a inadequação das medidas cautelares menos gravosas, justificando o pedido de prisão preventiva com base na garantia da ordem pública e na aplicação da lei penal.
A Questão da Inimputabilidade
Um aspecto complexo do caso é a suspeita do Ministério Público sobre a sanidade mental do perseguidor. Quando há dúvida sobre a integridade mental do acusado, deve ser instaurado incidente de verificação de insanidade mental, conforme o artigo 149 do CPP.
O juiz ordenará exame médico-legal de ofício ou a requerimento do Ministério Público, defensor, curador ou familiares do acusado. Este exame é fundamental para determinar se o agente era, ao tempo da conduta, capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se conforme esse entendimento.
Efeitos da Inimputabilidade
O artigo 26 do Código Penal estabelece que é isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Quando constatada a inimputabilidade, não há condenação criminal, mas sim absolvição imprópria, prevista no parágrafo único, inciso III, do artigo 386 do CPP. Nesta hipótese, o juiz aplicará medida de segurança se cabível.
Semi-imputabilidade
Se o agente não era inteiramente incapaz, mas tinha sua capacidade diminuída por perturbação mental, configura-se a semi-imputabilidade, que permite redução da pena de um a dois terços, conforme o parágrafo único do artigo 26 do CP.
Medidas de Segurança
Para inimputáveis, o artigo 97 do Código Penal determina que o juiz ordenará internação se o fato for punível com reclusão, ou poderá submeter o agente a tratamento ambulatorial se punível com detenção. Como o stalking é punido com reclusão, a medida seria a internação.
Importante destacar que as medidas de segurança têm prazo mínimo igual ao da pena abstratamente cominada, mas podem ser prorrogadas indefinidamente enquanto persistir a periculosidade, mediante exames periódicos.
Como o tema pode ser cobrado em concursos
O crime de stalking e as medidas protetivas representam temas extremamente atuais e frequentes em concursos para carreiras jurídicas. Considere a questão hipotética abaixo:
João persegue sistematicamente Maria há três meses, enviando mensagens diárias por redes sociais, aparecendo em seu local de trabalho e fotografando sua residência. Após denúncia de Maria, o juiz determinou que João mantivesse distância mínima de 300 metros da vítima e não estabelecesse qualquer contato. Uma semana depois, João foi flagrado novamente nas proximidades da casa de Maria. Considerando a legislação vigente e a jurisprudência consolidada, assinale a alternativa correta:
a) O crime de stalking exige violência física contra a vítima, não se configurando apenas com perseguição psicológica.
c) As medidas cautelares só podem ser aplicadas após o oferecimento da denúncia pelo Ministério Público.
d) O descumprimento da medida cautelar autoriza automaticamente a prisão preventiva, independentemente de outros requisitos.
d) Se João for considerado inimputável, não poderá ser submetido a medidas cautelares nem prisão preventiva.
e) A conduta de João configura o crime de stalking, e o descumprimento da medida cautelar pode fundamentar sua prisão preventiva para garantia da ordem pública.
Gabarito: Letra E
Fundamentação:
A resposta correta é a alternativa E. A conduta de João enquadra-se perfeitamente no artigo 147-A do Código Penal (stalking), que pune quem persegue alguém reiteradamente, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade. O crime não exige violência física, bastando a perseguição sistemática.
O descumprimento da medida cautelar demonstra inadequação das medidas menos gravosas e autoriza a prisão preventiva com base no artigo 312, §1º do CPP, especialmente para garantia da ordem pública e prevenção de novos crimes.
As demais alternativas estão incorretas: a) o stalking não exige violência física (art. 147-A); b) medidas cautelares podem ser aplicadas durante o inquérito (art. 282, CPP); c) a prisão preventiva exige fundamentação e presença dos requisitos legais (art. 312, CPP); d) a suspeita de inimputabilidade não impede medidas cautelares para proteção da vítima.
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