Aprovada a lei de venda do potencial construtivo do Vasco da Gama
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Aprovada a lei de venda do potencial construtivo do Vasco da Gama

Aprovada a lei que instituiu a Operação Urbana Consorciada do Estádio de São Januário. Isso permite a transferência do direito de construir, podendo gerar receitas ao Vasco da ordem de mais de 500 milhões de reais.

* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.

Entenda o caso

A Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro acaba de aprovar a lei que instituiu a Operação Urbana Consorciada (OUC) do Estádio de São Januário, pertencente ao clube Vasco da Gama. A OUC compreende um conjunto de intervenções coordenadas pela Prefeitura, com a participação dos moradores da região, investidores privados e o próprio Vasco. Ela visa a valorização, manutenção e melhoramentos do Estádio de São Januário e seu entorno, de forma a valorizar o patrimônio histórico, cultural, desportivo e social.

Além disso, essa OUC vai permitir ao Vasco alienar o seu direito de construir no estádio, transferindo para outra região da cidade. Isso pode gerar receitas de mais de 500 milhões de reais, e deve-se investir esse valor, necessariamente, na reforma do estádio.

Projeto da fachada do Estádio de São Januário – Fonte: página do Novo Complexo de São Januário no Instagram

O terreno onde está localizado São Januário, por exemplo, é enorme e tem grande potencial construtivo, mas um estádio não demanda a utilização de todo esse potencial. No projeto de lei aprovado na Câmara, o Vasco recebe a autorização para transferir (vender) essa capacidade de construir a mais para outro local.

A venda do potencial construtivo no contexto da operação urbana consorciada está prevista no Estatuto das Cidades (Lei nº 10.257/2001) como um importante instrumento de política urbana colocado à disposição dos Municípios pela legislação.

Política Urbana

Política urbana é o conjunto de posturas, instrumentos e normas jurídicas voltados para a ordenação e o pleno desenvolvimento das cidades, e o consequente bem-estar de seus habitantes. O tema (política urbana) está previsto no Capítulo II do Título VII da Constituição Federal, mais especificamente nos artigos 182 e 183.

Os Municípios, especialmente, executam a política urbana, e devem observar as diretrizes gerais insculpidas no plano diretor, como determina o artigo 182, §1º, da CF/88. O plano diretor, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, está relacionado à segurança, moradia, lazer, trânsito, meio ambiente, ordenamento do solo etc. Por sua vez, os planos diretores Municipais devem observar as diretrizes mais abrangentes constantes no Estatuto das Cidades (Lei Federal nº 10.257/2001).

Mas você sabe o que é esse potencial construtivo? E a venda do direito de construir? É o que veremos em detalhes a partir de agora.

OUC, potencial construtivo e direito de construir

Operação Urbana Consorciada (OUC)

O Estatuto das Cidades, em seu artigo 32, 1º, conceitua operação urbana consorciada como sendo

“o conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Público municipal, com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, com o objetivo de alcançar em uma área transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental”.

Então, como funciona, na prática, essa operação? Simples: o Poder Público municipal, através de lei específica, deve (1) delimitar uma área, e (2) elaborar um plano de ocupação, no qual estejam previstos alguns aspectos, tais como a implementação de infraestrutura, nova distribuição de usos, densidades permitidas e padrões de acessibilidade.

Dessa forma, a lei específica que aprovar a operação urbana consorciada poderá prever a emissão pelo Município de quantidade determinada de certificados de potencial adicional de construção (CEPAC’s), que serão alienados em leilão ou utilizados diretamente no pagamento das obras necessárias à própria operação.

Os certificados de potencial adicional de construção serão livremente negociados, mas conversíveis em direito de construir.

Apresentado pedido de licença para construir, pode-se utilizar o certificado de potencial adicional no pagamento da área de construção que supere os padrões estabelecidos pela legislação de uso e ocupação do solo, até o limite fixado pela lei específica que aprovar a operação urbana consorciada.

Aprovada

Potencial construtivo

O potencial construtivo consiste no quanto o proprietário pode construir numa determinada área. No caso do Vasco da Gama, o clube não utiliza todo o seu potencial construtivo. A lei aprovada, então, permite que o Vasco venda ou aliene esse potencial construtivo não utilizado para quem quiser construir em outra região da cidade (prevista na lei) acima do coeficiente básico.

Exemplo hipotético: vamos imaginar que uma construtora só possa levantar prédios de até 6 andares na Barra da Tijuca. Mas ela tem a opção de comprar, do Vasco, um potencial construtivo de +4 andares. Nesse caso, a construtora, agora, poderá levantar prédios de até 10 andares. Ou seja, o interessado compra o direito de construir acima do permitido para todos.

O Secretário Municipal de Coordenação Governamental, Jorge Arraes, explicou como a lei beneficia o Vasco:

O projeto de lei complementar tem por objetivo permitir que o Vasco transfira o potencial construtivo que ele teria direito de usar em São Januário para outros locais da Cidade com mais infraestrutura, como grande parte da Zona Norte e algumas regiões da Barra. Ele poderá vender esse “direito de construir” para outros particulares e com isso arrecadar fundos para reformar o Estádio e seu entorno.

Transferência do direito de construir

A transferência do direito de construir, da mesma forma que a operação urbana consorciada, é um instrumento de política urbana previsto no Estatuto das Cidades (artigo 35), onde lei municipal, baseada no plano diretor, poderá autorizar o proprietário de imóvel urbano, privado ou público, a exercer em outro local, ou alienar, mediante escritura pública, o direito de construir previsto no plano diretor ou em legislação urbanística dele decorrente, quando o referido imóvel for considerado necessário para fins de:

Aprovada

Assim, o Estatuto das Cidades prevê dois tipos de transferência do direito de construir:

a) Interlocativa: o proprietário de dois imóveis transfere o potencial construtivo de um imóvel para outro imóvel (o proprietário dos 2 imóveis é a mesma pessoa);

b) Intersubjetiva: um proprietário aliena o seu potencial construtivo para outro proprietário (aqui temos 2 proprietários distintos).

aprovada

Ademais, tanto a transferência do direito de construir quanto a operação urbana consorciada são instrumentos voltados a noção de “solo criado”. Como define José Afonso da Silva, solo criado são os solos edificáveis artificiais, suportados pelos solos naturais dos lotes. Eles podem estar tanto no subsolo quanto no espaço aéreo. É um conceito que compreende a separação do direito de propriedade do direito de construção.

No caso específico do Vasco da Gama a lei prevê a criação, pelo clube, de uma Sociedade de Propósito Específico – SPE, na forma de sociedade anônima, que deverá ter como único objeto a execução da revitalização do Estádio de São Januário. Ou seja, todos os valores arrecadados com a venda do direito de construir do estádio deverão ser destinados à essa SPE e investidos na reforma/revitalização.

Vantagens

A imprensa noticiou que uma grande construtora já ofereceu mais de 500 milhões de reais ao Vasco para comprar todo potencial construtivo à venda.

Podemos perceber, portanto, que a Prefeitura pode utilizar o potencial construtivo e a transferência do direito de construir como importantes ferramentas voltadas para a ordenação das cidades, garantindo o bem-estar dos seus moradores e fomentando o desenvolvimento econômico-social, seja através da implantação de equipamentos comunitário, seja por meio da valorização do patrimônio histórico e cultural, por exemplo.

Nesse caso específico envolvendo o Vasco da Gama todos saíram ganhando, haja vista que a região onde fica o estádio de São Januário passará por revitalização, atraindo investimentos, valorizando os imóveis vizinhos, estimulando a economia local. Ademais, o clube finalmente terá uma arena moderna, com capacidade para aproximadamente 45 mil torcedores, sem precisar desembolsar recursos. Já as construtoras que comprarem o potencial construtivo poderão executar seus projetos com esse potencial adicional, agregando valor ao seu produto.

Ótima aplicação prática dos instrumentos da política urbana previstos no Estatuto das Cidades, com boas chances do tema ser cobrado em provas envolvendo direito urbanístico.


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