Sancionada a lei que regulamenta a venda de cães e gatos em SP, proibindo a exposição em vitrines e determinando a esterilização dos pets postos à venda.
* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.
Acaba de ser sancionada, em São Paulo, a Lei Estadual nº 17.972/2024, que dispõe sobre a proteção, a saúde e o bem-estar na criação e na comercialização de cães e gatos no Estado de São Paulo.
A proteção, a saúde e o bem-estar de cães e gatos domésticos têm por fundamentos a proteção e o direito à vida dos animais domésticos, os princípios do bem-estar animal e da saúde única, a proteção e o equilíbrio do meio ambiente, o reconhecimento dos cães e gatos como seres sencientes dotados de natureza biológica e emocional, passíveis de sofrimento, o controle populacional dessas espécies e o estímulo à criação ética e à posse responsável de cães e gatos.
A lei é polêmica e gera bastante discussão. Isso porque ela prevê uma série de restrições para a criação e para a venda dos bichinhos, mesmo que o intuito seja o de proteger os pets.
Assim, vejamos as principais restrições.
Restrições para a criação de cães e gatos (artigo 4º)
- Separar a fêmea prenha dos outros animais, no terço final de sua gestação, e garantir sua permanência junto de seus filhotes pelo período mínimo de 6 a 8 semanas. A intenção é garantir a lactação adequada dos filhotes;
- Esterilizar cirurgicamente os filhotes até os 4 (quatro) meses de idade. A exceção vai para os cães de trabalho nas atividades de cão-policial, cão-farejador, cão de resgate, cão-guia e cães de assistência terapêutica, que deverão ser esterilizados cirurgicamente até os 18 meses de idade;
- Microchipar e registrar os animais em banco de dados específico o qual o Poder Público Executivo Estadual deverá regulamentar;
- Nos casos em que o médico-veterinário indicar a eutanásia de qualquer animal do criador, será necessária a emissão de laudo individual;
- Manter registro próprio, no qual constem os dados referentes a nascimentos, óbitos, vendas e permutas dos animais, com detalhamento dos adquirentes, por no mínimo 5 (cinco) anos;
Restrições para a comercialização de cães e gatos (artigo 5º)
- Não expor os animais em vitrines fechadas ou alojados em espaços que impeçam sua movimentação, amarrados ou em quaisquer condições exploratórias que lhes causem desconforto e estresse a ponto de afetar sua saúde física e/ou psicológica;
- Fornecer laudo médico veterinário atestando a vacinação, a esterilização cirúrgica, a desparasitação e a condição de saúde regular dos animais domésticos no ato da comercialização;
- Conferir o número do registro do microchip do animal no ato da entrega e atestar, em declaração simples, tratar-se do animal indicado na nota fiscal ou no instrumento do contrato;
- Os cães e gatos domésticos somente poderão ser comercializados ou permutados por criadores e por estabelecimentos comerciais após, cumulativamente:
- Atingirem a idade mínima de 120 (cento e vinte) dias;
- Terem recebido o ciclo completo de vacinação previsto no calendário de vacinas; e
- Estiverem esterilizados cirurgicamente e microchipados, com comprovação através de laudo emitido pelo médico–veterinário que assiste os animais.
Por último, ficou instituído o mês de maio como o “Mês da Saúde Animal” no calendário de São Paulo. Dessa forma, o Estado poderá promover campanhas educativas sobre a saúde animal e a posse responsável.
Vetos
Em contrapartida, dois trechos do Projeto de Lei aprovado na Assembleia Legislativa obtiveram veto pelo governador:
1º) Obrigava os criadores de cães e gatos a terem veterinários cadastrados no Conselho Regional de Medicina Veterinária (CRMV-SP) em seu quadro de responsáveis técnicos. A justificativa foi a de que
"a norma representa indevida interferência à liberdade econômica, na medida em que afasta a possibilidade de o criador de cães e gatos escolher o instrumento de contratação de assistência médico-veterinária mais adequado a seu estabelecimento, dentre os legalmente admissíveis";
2º) Submetia infratores a sanções previstas na lei de crimes ambientais (Lei Federal nº 9.605/98). A justificativa foi a de que o artigo vetado sujeitava infratores apenas à sanção penal prevista no artigo 32 da lei de crimes ambientais – reclusão de dois a cinco anos, multa e proibição da guarda —, excluindo, em consequência, a possibilidade de sua responsabilização na esfera administrativa.
A Lei estadual acabou por reconhecer os cães e gatos como seres sencientes. Mas o que são esses seres sencientes? Simples:
Com efeito, o Superior Tribunal de Justiça já reconhece os pets, em especial os cães e gatos, como seres sencientes. Acompanhe trecho do REsp 1.944.228:
2.1 A relação entre o dono e o seu animal de estimação encontra-se inserida no direito de propriedade e no direito das coisas, com o correspondente reflexo nas normas que definem o regime de bens (no caso, o da união estável). A aplicação de tais regramentos, contudo, submete-se a um filtro de compatibilidade de seus termos com a natureza particular dos animais de estimação, seres que são dotados de sensibilidade, com ênfase na proteção do afeto humano para com os animais.
O ministro relator para o acórdão, Marco Aurélio Bellizze, chama atenção para o fato de que
Além disso, o professor José Fernando Simão arremata:
Não podemos deixar de lembrar que em outubro de 2023 o Governador de São Paulo vetou integralmente o PL 523/23. A proposta proibiria a venda de gatos, cachorros e pássaros domésticos em pet shops e plataformas digitais dentro do território paulista.
Então, esse PL acabou desagradando o setor empresarial voltado para a comercialização de produtos para pets. O setor argumentava pela inconstitucionalidade do projeto por violação o direito de propriedade e livre-comércio, a livre-iniciativa e a liberdade econômica do setor privado.
Opiniões divergentes
Como vimos, o tema divide opiniões:
- De um lado, os defensores da lei argumentam que a norma visa garantir a proteção, a saúde e o bem-estar dos pets, ao criar uma ambiente mais seguro, higiênico e saudável tanto para a criação quanto para a venda desses animais. Exigir a castração, o sistema vacinal completo, a proibição da exposição dos pets em vitrines, tudo isso tem por objetivo preservar a saúde física e mental dos bichinhos, cumprindo o comando insculpido no artigo 225 da Carta Magna.
- De outro, os críticos chamam a atenção para violação, por parte da lei, do direito de propriedade e livre-comércio, da livre-iniciativa e da liberdade econômica do setor privado. Para estes, as restrições são desproporcionais e acabam por prejudicar o exercício da atividade econômica voltada aos pets. Além do mais, com a castração dos animais eles não poderão mais se reproduzir. Assim, a médio e longo prazo, isso poderá gerar a extinção de algumas raças, prejudicando o patrimônio genético do país, o que contrariaria o mesmo artigo 225 da Constituição Federal.
Portanto, é importante acompanhar a discussão e eventuais impugnações da lei no Supremo Tribunal Federal. O tema pode aparecer em provas principalmente da magistratura e de procuradorias. Ficar atento!
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